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A Irrealística Divisão Igualitária de Poder entre os Estados Partes do Mercosul

CAPÍTULO VI – A BUSCA DA INTEGRAÇÃO NO MERCOSUL

6.1.3 A Irrealística Divisão Igualitária de Poder entre os Estados Partes do Mercosul

individuais de Estados como o Brasil, que possui atuação bem mais relevante que a dos

356 BAPTISTA, Luiz Olavo. O Mercosul, suas instituições e ordenamento jurídico. São Paulo: LTr, 1998,

p. 52.

357 FONTOURA, Jorge. Solução de controvérsias e efetividade jurídica: as perspectivas do Mercosul.

Revista do Senado Federal. Brasília, a. 33, nº 130, 1998, p. 67 e ss. Importante acrescentar que, pelo fato desse bloco pretender ir além de uma mera zona de livre comércio e já estar dentro de uma união aduaneira, que pressupõe uma tarifa externa comum e uma política comercial comum, a cessão de soberania por parte dos Estados Partes é sensivelmente maior do que em uma mera zona de livre comércio, mas bem inferior à necessária para a consolidação de um mercado comum.

demais Estados Partes do bloco no plano internacional, assim como do próprio Mercosul frente à fragilidade com que as negociações desenvolvidas por este são implementadas.

O Mercosul, por exemplo, não possui nenhum mecanismo decisório que seja ponderado em função do peso relativo dos seus membros, cabendo a todos eles um poder igualitário de veto sobre toda e qualquer decisão ou resolução359. Apontando as características institucionais do bloco, KNOLL DE BERTOLOTTI justamente indica que no Mercosul há um sistema de tomada de decisões que ocorre somente por consenso e com a presença de todos os membros360. O Parlamento do Mercosul, da mesma forma, foi constituído com base numa representação igualitária, não proporcional.

Nesse sentido, também, FLOH361 quando constata “a opção dos membros do Mercosul pela cooperação, sem qualquer referência a um eventual processo de integração, tal como proposto pelo Regionalismo Clássico. Exemplo desta situação é a inexistência de instituições, ou órgãos, de caráter supranacional, prevalecendo sempre durante o processo decisório a regra do consenso”.

Tal situação é compreensível pelo fato de que, ao contrário do processo do direito comunitário europeu, a integração no Mercosul é pautada pelos princípios gerais do Direito Internacional Público, já que, como exposto em momento anterior, não existem instituições supranacionais no bloco. Exercita-se nele a intergovernabilidade tão-somente.

No que toca ao Mercosul, o mecanismo de tomada de decisões está regulamentado pelo art. 37 do Protocolo de Ouro Preto:

Art. 37. As decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados Partes.

Assim, há inexistência de vinculação direta dos Estados às decisões e normas de direito derivado emanadas dos órgãos do Mercosul, por faltar a elas efetiva coercibilidade

359 “No Mercosul, a intergovernamentabilidade adotada pelo processo de integração, tem como característica

manter atrelada as decisões do bloco econômico à vontade política dos Estados-membros. As decisões resultam exclusivamente do consenso, sua estrutura institucional e seus funcionários dependentes exclusivamente dos interesses dos Estados Parte7. Daí, o que se pode chamar de limitações ao avanço do bloco.” ARAÚJO, Luis; MARTINEZ, Mônica. Análise Comparada da Integração no Mercosul e na União Européia. Revista dos Alunos do Programa de Pós-Graduação em Integração Latino-Americana, Florianópolis, UFSM, vol. 2, nº 1, 2005, p. 12.

360 KNOLL DE BERTOLOTTI, Silvina Barón. Órganos de administración y gobierno del Mercosur.

Buenos Aires: Depalma, 1997, p. 145.

361 FLOH, Fabio. Direito Derivado do Mercosul: Natureza Jurídica e Integração aos Ordenamentos Jurídicos

Internos. In: BASSO, Maristela (org.). Mercosul – Mercosur: Estudos em homenagem a Fernando Henrique Cardoso. São Paulo: Atlas, 2007, p. 258.

e sanção. As decisões são tomadas por consenso e com a presença de todos os membros, e a vigência das normas emanadas de seus órgãos é precedida da respectiva internalização na ordem jurídica dos Estados. Portanto, vigem os princípios da reciprocidade e pacta sunt

servanda e, consoante ao já afirmado, todos os Estados Partes têm o mesmo poder de

decisão dentro do bloco.

Com a conformação de uma ordem mundial de mercados abertos e globais e a emergência progressiva de novos atores no plano internacional, o Brasil vem experimentando, igualmente, mudanças sensíveis em seu papel regional e como ator global, ocupando posição singular, não necessariamente única, mas específica, a seu modo, no sistema de relações internacionais contemporâneas. Trata-se certamente de um país continente que, em análises exploratórias, já pôde ser enquadrado na categoria de “países- baleia”362, como os EUA, a Rússia e a China.

A estruturação do poder entre os Estados Partes do Mercosul, ao invés de ser um grande ponto positivo no intuito de inserção internacional concomitante ao reforço de poder dos Estados Partes, analisando-se sob o prisma brasileiro, reflete, pelo contrário, uma perda significativa de poder, apesar de seu papel internacional notoriamente diferenciado em relação aos demais Estados que participam do Mercosul. Nesse sentido, os próprios desacordos entre os Estados Partes quanto às suas prioridades respectivas e a desconfiança histórica em relação ao peso específico do Brasil vêm dificultando o exercício da potencial “liderança natural” do Brasil numa região ainda pouco integrada fisicamente – os obstáculos geográficos são respeitáveis – e com grandes disparidades econômicas e sociais – as chamadas “assimetrias”.

Levando em consideração que o Brasil exerce liderança relativa em alguns tópicos da agenda multilateral (como nas negociações comerciais multilaterais, por exemplo) e tem sido considerado um ator relevante, como um dos BRICs363, na evolução futura da economia mundial, é de se sopesar seu real interesse em um envolvimento mais profundo em relação ao Mercosul, diante da deficitária inserção internacional do bloco conjuntamente ou, ao menos, na diminuição da autonomia do Brasil ao compor o Mercosul, analisada a em relação à que lhe é possibilitada por uma inserção independente no cenário internacional.

362 Também podendo ser definido como “monster-country” ou país âncora.

363 BRIC é um acrônimo criado em novembro de 2001 pelo economista Jim O´Neill, do grupo Goldman

Sachs, para designar os quatro principais Estados emergentes do mundo, a saber: Brasil, Rússia, Índia e China, no relatório "Building Better Global Economic Brics".

Por fim, cabe destacar que a política externa de muitos Estados, a exemplo do Brasil, é chamada a desempenhar um papel auxiliar no processo de desenvolvimento. Daí a importância avaliar o interesse e as vantagens, de manter-se uma estrutura decisória destoante da real capacidade de cada um dos Estados Partes, uma vez esse coloca em risco o exercício da plena potencialidade de cada um dos Estados na dinâmica de inserção e atuação em plano internacional.