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A IMUNIDADE RECÍPROCA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

4 IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA

4.3 A IMUNIDADE RECÍPROCA NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

A imunidade tributária recíproca, como bem assevera Regina Helena Costa “é a forma mais antiga de exoneração constitucional tributária”141. Assim, a imunidade das pessoas políticas, não só é a mais antiga das imunidades, como também foi a primeira expressão das imposições negativas ao poder de tributar a ingressar no sistema jurídico brasileiro.

Nessa linha, Aliomar Baleeiro salienta que a imunidade recíproca “entrou no Direito Constitucional brasileiro com o art. 10 da Constituição de 1891, que proibia aos Estados tributar bens e rendas federais ou serviços a cargo da União, e reciprocamente. Aceito sem a mínima objeção pela Constituinte” 142.

Em comentários à norma imunizante da Constituição de 1891, Baleeiro ainda expôs que “redigido de punho de Rui Barbosa, o art. 10 da Constituição de 1891 teve, dele, logo, interpretação rígida, segundo as tendências americanas da época”143.

Continua Baleeiro, em consonância com o exposto, que “o pensamento do brasileiro excelso, curado dos ardores federalistas pelo quadro da exacerbação do regionalismo Constituinte de 1891, era livrar da tributação hostil de Estados, no futuro, os meios de ação do Governo nacional”144.

Por fim, Baleeiro ainda leciona que “o dispositivo, que se limitava aos impostos, mas não se referia, em termos expressos, aos Municípios, representava a adoção do princípio reputado implícito no Direito americano por jurisprudência até então pacífica”145.

Percebe-se, portanto, que dentre as especificidades da primeira previsão em linhas constitucionais da imunidade tributária recíproca deve-se aferir os seguintes elementos:

1) Não se limitava apenas aos impostos;

2) Não contempla os municípios, mas também não o excluía; 3) Previa sua incidência sobre os serviços públicos.

Desta sorte, coaduna-se com o pensamento determinado pela constituição brasileira de 1891 que determinava à previsão genérica da imunidade, não se limitando apenas a um espécie tributária, nem somente sobre as pessoas políticas, suas autarquias e fundações, como hoje visto na Constituição de 1988.

141 COSTA, 2015, p. 150. 142 BALEEIRO, 2001, p 234. 143 BALEEIRO, 2001, p 246. 144 BALEEIRO, 2001, p. 246. 145 BALEEIRO, 2001, p 234.

Nesse aspecto, se os fundamento da imunidade, como defendido no tópico anterior, é a forma de Estado e a isonomia entre os entes políticos, é óbvio, então, que qualquer tributação, não somente os impostos mas qualquer espécie tributária, irá influir na autonomia dos entes federados, não devendo, pelo próprio fundamento do princípio federativo, ser admitido no direito brasileiro.

A ausência de previsão expressa da imunidade sobre os municípios, muito provavelmente se deveu a um descuido do legislador constituinte em relação aos avisos, já expostos por Baleeiro, sobre a diferença da representação deste ente político no direito brasileiro e no direito norte americano.

Assim, uma vez importada a imunidade recíproca do direito americano, equivocou-se o legislador constituinte quando não aferiu que nos Estados Unidos os municípios são vistos, conforme as lições de Baleeiro, como meras “agências” do Estado, enquanto que no Brasil, o federalismo impôs, expressamente, o Município como ente político autônomo.

E, completando a análise das especificidades do instituto na constituição de 1891, há de se evidenciar o quanto defendido nesse trabalho sobre a incidência da imunidade à pessoas jurídicas de direito privado, em especial, as prestadoras de serviço público.

Como já descrito, a imunidade, no próprio direito norte americano onde surgiu, veio como implementação do princípio, denominado por Baleeiro de princípio da reciprocal immunity of federal and state instrumentalities. Dessa forma, a própria criação do instituto da imunidade recíproca foi realizada com vista a possuir uma maior amplitude do que sua aplicação apenas aos entes federados.

Defende-se, portanto, a idéia de que o termo instrumentalities, usado por Baleeiro em referência a instituição da imunidade no Direito norte americano, denota que não somente os entes federados, mas também aqueles que agissem na realização de uma atividade típica dos entes políticos, a exemplo do serviço público, deveriam ser abarcado pelo instituto da imunidade.

Destarte, verifica-se que na redação da constituição de 1934, não só foi corrigido o equívoco em relação à ausência de previsão legal do município como pessoa jurídica legitimada a ser beneficiada pela imunidade recíproca, como também, o legislador constituinte deu maiores contornos à previsão sobre a incidência da imunidade das prestadoras de serviços públicos, conforme ora transcrito:

X - tributar bens, rendas e serviços uns dos outros, estendendo-se a mesma proibição às concessões de serviços públicos, quanto aos próprios serviços concedidos e ao respectivo aparelhamento instalado e utilizado exclusivamente para o objeto da concessão.

Parágrafo único - A proibição constante do nº X não impede a cobrança de taxas remuneratórias devidas pelos concessionários de serviços públicos146.

Observe-se, que a segunda constituição republicana, manteve a generalidade da imunidade sobre as espécies tributárias, corrigiu o equívoco da Constituição de 1891, passando a incluir, expressamente, como ente político abarcado pela imunidade o Município e explicitou a incidência da imunidade sobre os serviços públicos, mesmo em regime de concessão o que, por consectário, coaduna com o exposto neste trabalho, ou seja, a incidência da imunidade recíproca sobre pessoas jurídicas de direito privado, desde que, atuem na prestação de serviços públicos.

Admoeste-se, ainda, que a redação constitucional, não só manteve, como explicitou, que os serviços públicos, mesmo em regime de concessão, seriam beneficiário da imunidade tributária.

A redação da imunidade recíproca na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 foi a melhor redação legal do instituto em uma constituição brasileira. Todavia, em situação antagônica às previsões na Constituição de 1891 e 1934, a Constituição de 1937, realizada por Getúlio Vargas durante a implantação do Estado Novo, reduziu o âmbito de incidência da norma, excluindo, expressamente, o serviço público como objeto da imunidade. Nessa esteira foi assim disposto a imunidade tributária recíproca na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1937:

Art. 32 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: c) tributar bens, renda e serviços uns dos outros.

Parágrafo único - Os serviços públicos concedidos não gozam de isenção tributária, salvo a que lhes for outorgada, no interesse comum, por lei especial147.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 não só manteve a exclusão expressa dos serviços públicos como beneficiários da imunidade recíproca, ressalvando a possibilidade de previsão específica de isenção, como também limitou ainda mais seu âmbito de incidência, passando, segundo o referido dispositivo legal, abranger apenas os impostos:

146BRASIL. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de

Janeiro, Assembléia Nacional Constituinte, 1934.

147BRASIL. Constituição (1937). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de

Art. 31 - A União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é vedado: V - lançar impostos sobre:

a) bens, rendas e serviços uns dos outros, sem prejuízo da tributação dos serviços públicos concedidos, observado o disposto no parágrafo único deste artigo;

Parágrafo único - Os serviços, públicos concedidos, não gozam de isenção tributária, salvo quando estabelecida pelo Poder competente ou quando a União a instituir, em lei especial, relativamente aos próprios serviços, tendo em vista o interesse comum148.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, por sua vez, editada sob o pálio do governo militar, veio a reduzir, ainda mais, o âmbito de incidência da imunidade tributária recíproca no Direito Brasileiro. Segundo a referida constituição, a imunidade tributária das pessoas políticas somente incide sobre impostos, aqui transcrito:

Art.20 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - criar imposto sobre:

a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros149

Por fim, antes da edição da Constituição de 1988, atualmente vigente, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1969, ainda sob o efeito do governo militar, veio apenas a reproduzir o texto da Constituição de 1967:

Art. 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - instituir impôsto sôbre:

a) o patrimônio, a renda ou os serviços uns dos outros;150

Denota-se, a luz do exposto, que a imunidade tributária recíproca, foi, originalmente constituída, com supedâneo na jurisprudência norte americana, na constituição de 1891 e, principalmente em 1937, com a perfeita inteligibilidade da natureza do instituto. Todavia, as redações constitucionais a partir de 1946 foram, gradativamente, reduzindo o âmbito de alcance da norma em desacordo com a real natureza do instituto.

148 BRASIL. Constituição (1946). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro,

Assembléia Constituinte, 1946.

149 BRASIL. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Congresso

Nacional, 1967.

150 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.Brasília, DF: Senado,