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2 A INDÚSTRIA CALÇADISTA MUNDIAL E BRASILEIRA

2.1 A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E O CONTEXTO DA RELOCALIZAÇÃO

UNIDADES PRODUTIVAS

O Brasil figura, atualmente, entre os países de maior produção de calçados do mundo (terceiro maior produtor), concorrendo internacionalmente, neste segmento industrial, com a

China e a Índia. Comecemos, portanto, a discutir as características da indústria calçadista mundial, utilizando um recorte geográfico global, relacionando as reflexões gerais obtidas a partir da economia mundial e entendendo as tendências e alguns pressupostos da localização de unidades fabris calçadistas. Cabe, no entanto, ressaltar que a divisão analítica em recortes espaciais, desenvolvida nestas páginas, não tem como objetivo hierarquizar a relação entre as escalas geográficas, mas buscar um entendimento dinâmico dos processos que favorecem ou influenciam a instalação de fábricas de calçados em determinadas localidades.

Entre os países de maior produção de calçados na atualidade, destacam-se a China, Índia e Brasil, conforme se pode observar na Tabela 2. Preponderantemente, esses países possuem os operários com as mais baixas remunerações no setor couro-calçadista e de confecções. A utilização intensiva de força de trabalho na produção dos calçados, a “necessidade” de as empresas disporem de um número grande de indivíduos como força de trabalho “livre”, vendendo seu labor em troca de uma remuneração que apenas provê suas necessidades mínimas de existência, é de suma importância para a cadeia produtiva couro- calçadista.

Tabela 2

Principais produtores mundiais de calçados: produção em milhões de pares por ano (2004/2010)

País Ano 2004 2007 2010 China 8.800 10.209 10.682 Índia 850 980 1.117 Brasil 750 796 835 Vietnã 445 665 825 Indonésia 564 565 559 Tailândia 260 268 273 Itália 281 242 228 Paquistão 250 246 242 México 244 172 155 Turquia 224 170 142

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em www.couromoda.com (acesso em 02/03/2012)

A associação entre a produção de calçados e a disponibilidade de força de trabalho abundante e barata vem sendo apontada nas duas últimas décadas, por alguns pesquisadores, como Garcia (2010), Costa (2002), Brito (2010), Santos, L.(2008), como um fator de grande relevância na competitividade e nos lucros das grandes companhias internacionais produtoras de calçados, sobretudo por conta da reestruturação produtiva que diversos segmentos industriais tiveram que programar e executar. Conforme se pode observar na tabela 3, os

principais produtores de calçados estão entre os países que possuem grandes contingentes demográficos.

Tabela 3

População absoluta e produção de calçados por país em 2011 País População absoluta Posição quanto a

população % Produção mundial de calçados China 1.354.146.443 1ª 64 Índia 1.214.464.312 2ª 6 Indonésia 232.516.799 3ª 4 Brasil 190.755.799 5ª 5

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2011.

Seguindo os argumentos supracitados, observa-se que os quatro maiores produtores de calçados do mundo, na atualidade, estão entre os cinco países que possuem os maiores contingentes populacionais absolutos. Apenas o Vietnã, que é o quarto maior produtor de calçados, não figura entre os dez países que possuem os maiores contingentes de população. Mesmo assim, pode-se considerar que o Vietnã, com uma população absoluta de 89.028.741 habitantes em 2010 (IBGE, 2011), figura entre aqueles países que possuem um número grande de força de trabalho disponível e com baixo custo de remuneração para trabalhar conforme as exigências de lucratividade do setor calçadista mundial. Em âmbito mundial, a indústria de calçados empregava, até o ano de 1995, cinco milhões de trabalhadores e produzia mais de 10 bilhões de pares anuais, sendo que dois terços dessa produção foram realizados em países asiáticos (TECNOCOURO, 1995 apud COSTA, 2002).

A remuneração da força de trabalho, diretamente associada à produção de calçados, é um fator que interfere diretamente no preço do produto. O grande acirramento na concorrência mundial para a produção e comercialização de calçados, fortemente crescente a partir da abertura comercial durante a década de 1990 com o crescimento econômico de alguns países asiáticos, especialmente da China, obrigou muitas empresas produtoras de calçados a adotar estratégias de reestruturação produtiva, com forte implicação sobre as tendências de instalação de unidades fabris. “Em geral, esse processo guiou-se pela busca de novas fontes de suprimentos que apresentassem custos mais baixos, especialmente aqueles associados com a força de trabalho” (GARCIA, 2010, p. 98). Ainda, segundo Garcia (2010),

O crescimento dos países asiáticos esteve fortemente vinculado com a organização da cadeia global dessas indústrias, em que os compradores globais buscam incessantemente fontes de suprimentos diversos, que apresentem as melhores condições em termos dos atributos do produto, com destaque para o preço (GARCIA, 2010, p. 98).

Assim, quanto menor for a remuneração oferecida aos trabalhadores do setor industrial calçadista, maior será a possibilidade das empresas que utilizam esta força de trabalho vencerem a concorrência para a venda dos produtos no mercado internacional7, haja vista ser o preço do calçado o requisito principal na concorrência internacional. O trabalho intensivo exigido pelas cadeias têxtil e couro calçadista em diversas partes do mundo, o crescimento do consumo e o processo de abertura econômica em muitos países fizeram a distribuição geográfica das fábricas de calçados ganhar uma nova dinâmica.

Segundo Harvey (2006), vem crescendo em todo o mundo a produção de mercadorias que exigem uma grande quantidade de trabalhadores na linha de produção (a indústria de confecções e a calçadista têm destaque neste segmento). Harvey (2006) cita o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para evidenciar o processo de expansão da produção de “manufaturas trabalho intenso”:

A parcela de manufaturas trabalho intensivo com relação ao total de exportações passou de 36% em 1975 a 74% em 1990. Entre 1985 e 1993, a taxa de emprego na indústria têxtil passou por um incremento de 20%, a de produtos de vestuário e de fibras por um incremento de 43%, e produtos derivados do plástico por um incremento de 51%. A China é agora um importante exportador de produtos trabalho intensivo para muitos países industrializados [...] (UNIDAS, 1996 apud HARVEY, 2006, p.64).

Como a China e a Índia, em grande medida, não possuem leis trabalhistas que possibilitem aos trabalhadores direitos similares aos direitos adquiridos por trabalhares de países capitalistas ocidentais, o saldo total das despesas para a manutenção da produção, em muitas empresas que atuam nestes países, é significativamente reduzido. Assim, a mais valia adquirida neste processo ganha proporções enormes. Por exemplo: direitos como décimo terceiro salário, seguro desemprego, férias remuneradas, limite de horas de trabalho por dia etc. não são assegurados, em muitos países asiáticos. Nesse sentido, as maiores companhias que produzem calçados esportivos, tais como a norteamericana Nike e a alemã Adidas, mantêm grande quantidade da produção em países periféricos.

Fazendo um paralelo entre as condições de vida dos trabalhadores, descritas por Karl Marx em O Capital, Harvey (2006), tomando como referência a pesquisa desenvolvida por Herbert (1997), cita um trecho que descreve as condições de trabalho dos operários, nas fábricas de calçados e vestuários no Vietnã.

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Tendo por base a concorrência pelo preço, o que predomina na competitividade entre as empresas calçadistas nos países periféricos. Pois, nas fábricas ainda existentes nos países ricos, a concorrência é pela qualidade do produto.

[...] o tratamento dos trabalhadores pelo gerente da fábrica no Vietnã (de modo geral coreanos e taiwaneses) é uma “fonte constate de humilhação”, que ocorrem maus-tratos verbais e assédio sexual com freqüência e que é “comum o uso de punições corporais”. [...]. “É uma ocorrência comum”, escreve o senhor Nguyen em seu relatório, “o desmaio de vários trabalhadores por exaustão, por causa do calor e da má nutrição, durante a troca de turnos. Disseram-nos que vários trabalhadores chegaram a vomitar sangue antes de desmaiar” (HERBERT, 1997 apud HARVEY, 2006, p.67).

Vale ressaltar que o exemplo citado por Harvey (2006) diz respeito a operários que produzem, em uma fábrica subcontratada pela empresa norte-americana Nike, uma das maiores marcas de calçados esportivos do mundo.

As condições a que são submetidos os trabalhadores da indústria calçadista, nos países periféricos, parecem ter características bastante similares, apesar de algumas diferenças. Veja- se, então, a caracterização feita por Brito (2010), tomando como referência entrevistas feitas com um representante sindical dos trabalhadores calçadistas a respeito da forma como os operários de uma grande fábrica de calçados, na cidade de Ipirá-BA, eram tratados no dia a dia de trabalho, antes de terem fundado o seu sindicato:

Imposição de horas extras não remuneradas, computadas como banco de horas, sobre o que os trabalhadores não tinham a menor condição de discussão, e jornadas de trabalho excessivas – das 05h até 19h ou 20h, quando o horário oficial era até 14:48h.

Gravidade e conseqüência dos acidentes de trabalho sofridos pelos operários, causados pelas condições do processo fabril (queimaduras, luxações e até casos de mutilação) [...].

Cárcere privado, ocorrido quando os trabalhadores decidiram reunir-se em assembléia para a fundação do sindicato [...].

[...] maus tratos ou a prática do assédio moral, que ocorriam abertamente, com proibição ou fiscalização de idas dos funcionários ao banheiro, escárnio público dos funcionários que não conseguiam atender às metas de produção, cada vez mais inatingíveis e distinções pejorativas para com os operários baianos, chamados de preguiçosos, burros e famintos (BRITO, 2010, p. 172 – 173).

Com uma organização sindical mais acentuada nas regiões tradicionais de produção de calçados no Brasil, nas regiões Sul e Sudeste, dificilmente as humilhações descritas acima seriam toleradas sem uma postura de embate em que os trabalhadores exigissem respeito aos seus direitos. Assim, corroborando com este pensamento, pode-se afirmar que a falta de uma organização sindical mais efetiva, que defenda os direitos dos trabalhadores, favorece a instalação de grandes fábricas de calçados no interior do Nordeste brasileiro, em especial nos estados da Bahia e no Ceará. Em muitos casos, a baixa escolaridade e a falta de alternativa para os trabalhadores das localidades onde se instalam esses grandes empreendimentos fabris favorecem a subserviência aos ditames dos gerentes das fábricas.

trabalho na indústria calçadista contribuem, assim, diretamente para que a relocalização da produção se torne um processo exequível. O nível de escolaridade necessário para que os trabalhadores lidem com as máquinas e com todo o processo produtivo na fabricação dos calçados é praticamente inexistente. Não é necessária a escolaridade completa em nível de ensino básico (ensino médio), pois a produção dos calçados se dá por meio da utilização de máquinas que, em muitos casos, exigem apenas a execução de movimentos sequenciais e repetitivos na linha de produção. Essa característica da produção de calçados torna maior a disponibilidade de força de trabalho nos países populosos como a China, a Índia e o Brasil.

Sobre o aspecto da necessidade de qualificação da força de trabalho para a produção de calçados, um dos gerentes responsáveis pela linha de produção da marca Nike, na maior unidade produtiva do grupo empresarial Dass Clássico, localizada no município de Santo Estevão-BA, afirmou que:

A qualificação se dá dentro do próprio processo de trabalho assim que o funcionário adentra o espaço da fábrica. Para a produção de calçados não há exigências muito grandes; as pessoas passam um mês conhecendo e se adaptando às exigências de manuseio das máquinas e acabam se acostumando ao trabalho repetitivo (Entrevista concedida a Ildo Rodrigues Oliveira, em 16/02/2011).

Analisando as palavras do gerente de produção dos calçados de marca Nike, pode-se constatar que, na execução do trabalho repetitivo na linha de produção de calçados, não há exigência de formação e preparo técnico; segundo ele, basta se “acostumar” com a repetição dos movimentos das máquinas e desenvolver os movimentos repetitivos necessários para confeccionar os produtos. Nesse sentido, tem-se um modelo de produção que se assemelha ao fordismo e à produção de mercadorias em massa. Estudos disponíveis sobre as implicações desse modelo de produção sobre a saúde dos trabalhadores das fábricas de calçados comprovam que as graves lesões provocadas por movimentos repetitivos assolam uma quantidade significativa dos operários (SANTOS, L., 2008).

Classificados pela empresa como “trabalhadores polivalentes da indústria de calçados”, esses trabalhadores, após passarem alguns anos desenvolvendo uma atividade mecânica e repetitiva, embora possam vir a desempenhar outras funções dentro da fábrica, podem alcançar um alto grau de cansaço físico e adquirirem doenças relacionadas às funções que desenvolvem e serem demitidos quando não atenderem mais às metas de produção exigidas diariamente. Essa condição de trabalho associada à confecção dos calçados, contribui para promover a mais alta taxa de rotatividade de trabalhadores neste segmento da indústria de transformação, conforme índice de desligamentos do trabalho na tabela 4:

Tabela 4

Desligamento de trabalhadores dos subsetores da indústria de transformação – Anos selecionados. Setores e subsetores da indústria

de transformação Taxa do subsetor (%) Taxa do subsetor (%) Taxa do subsetor (%) Taxa do subsetor (%) Taxa do subsetor (%) 2001 2004 2007 2008 2009 Mineração não-metálica 43.8 39.8 44.9 52.6 48.5 Metalúrgica 37.3 35.6 40.8 48.8 43.5 Mecânica 39.0 36.5 45.0 53.9 44.3

Material elétrico e comunicação 44.8 32.9 40.7 44.0 39.2

Material de transporte 25.5 20.6 22.9 32.2 25.7

Madeira e mobiliário 52.0 53.3 53.5 57.1 52.5

Papel e gráfica 35.9 32.2 35.8 40.3 38.3

Borracha, fumo e couro 47.3 48.3 52.8 56.9 51.0

Química. 37.0 31.9 37.2 43.8 39.4

Têxtil 47.6 42.4 48.9 54.0 50.7

Calçados 64.5 57.3 65.3 73.8 58.8

Alimentos e bebidas 54.2 54.6 62.2 67.2 62.7

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em DIESSE, 2011

É frequente a necessidade da disponibilidade de pessoas para ocupar os postos de trabalho na produção de calçados deixados pelos trabalhadores acometidos pelas doenças ocupacionais, como as Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e as Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT) (SANTOS, L,.2008)8. Têm-se, nesse caso, mais um dos fatores que explicam a estratégia, empreendida pelas grandes empresas de calçados, de instalarem suas unidades produtivas ou subcontratarem empresas, durante as últimas décadas, em países ou regiões que possuam um grande contingente populacional. A procura por locais com disponibilidade de uma numerosa população com baixo custo de remuneração tem como objetivo repor a grande quantidade de desligamentos mensais de trabalhadores nas linhas de produção de calçados, o que confirma a elevada rotatividade da força de trabalho no setor.

De acordo com o exposto até agora sobre as variáveis para a localização de empreendimentos produtivos, em particular das fábricas de calçados, pode-se inferir que cada empresa ou corporação pode utilizar ou organizar o espaço geográfico em função de suas próprias demandas ou interesses, e, exclusivamente, em função desses interesses. Assim, os trabalhadores empregados nas unidades produtivas dessas empresas, distribuídas por todo o mundo, em especial nos países periféricos da economia capitalista e nos países “emergentes”, são tratados como objetos, como mercadorias que, após serem utilizadas e “gastas”, são “jogadas fora”. Os trabalhadores, na visão funcional que lhe é atribuída pelas empresas, são como uma espécie de “bateria” que vão ceder energia para manter a produção das

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O trabalho na produção de calçados é enfadonho e como o setor emprega a maioria de jovens, eles não permanecem por muito tempo no emprego.

mercadorias (produtos) e, uma vez que estiverem “descarregadas”, serão descartadas e novas “baterias” serão incorporadas, repetindo o círculo de dispensa e contratação até a última turma ser esgotada e a empresa mudar a fábrica de lugar, se o sindicato operário não intervier antes; se isso acontece, a fábrica vai embora mais cedo. Para Santos (2001):

As empresas apenas têm olhos para os seus objetivos e são cegas para tudo o mais. Desse modo, quanto mais racionais forem as regras de sua ação individual tanto menos tais regras serão respeitosas do entrono econômico, social, político, cultural, moral e geográfico, funcionando, as mais das vezes, como um elemento de perturbação e mesmo de desordem (SANTOS, M., 2001, p. 85).

Para além de as empresas calçadistas se deslocarem, nas últimas décadas, para países com grande contingente populacional, pode-se constatar, como um dos fatores preponderante no deslocamento da produção, a existência de mercados consumidores potenciais para os calçados produzidos. Há uma associação entre a absorção de um grande contingente de trabalhadores para a produção de “mercadorias trabalho intensiva” e um crescimento do mercado consumidor nos países emergentes, sendo o consumo, o mecanismo que garantirá o ciclo de manutenção das relações de produção em seu objetivo maior que é o lucro

Percebendo a dinâmica do consumo e da produção de mercadorias, favorável à maior competitividade nestes países “emergentes”, empresas brasileiras do setor têxtil e couro- calçadista, como o Grupo Empresarial Dass Clássico, começam a montar unidades administrativas na China para subcontratar força de trabalho para a produção de calçados e confecções, haja vista as vantagens competitivas que existem nesse país, somando-se ao fato de ser a China o maior exportador de pares de calçados para o Brasil (85% dos calçados importados pelo Brasil em 2008 vieram deste país), conforme se pode visualizar na Tabela 5.

Tabela 5

Importação brasileira de calçados – 2008.

País US$ % Número de pares %

China 218.715.996 71.1 33.572.118 85,4 Vietnã 47.098.722 15.5 3.213.898 8,2 Indonésia 15.459.810 5.0 1.026.922 2,6 Itália 8.566.597 2.8 74.678 0,2 Tailândia 3.919.715 1.3 223.638 0,6 Argentina 3.049.593 1.0 191.780 0,5 Taiwan 2.611.360 0.8 261.646 0,7 Espanha 1.107.236 0.4 47.279 0,1 Hong Kong 730.827 0.2 171.574 0,4 Reino Unido 725.932 0.2 31.331 0,1

Outras empresas, entre elas as do segmento têxtil, a exemplo da experiência internacional, desativaram unidades produtivas no Brasil e também em outros países, e passaram a subcontratar parte da produção em países asiáticos, sobretudo na China. Os segmentos têxteis e calçadistas têm destaque significativo entre os produtos mais consumidos no mercado de países emergentes e nos países considerados de economia capitalista desenvolvida.

Nos últimos anos (1990 a 2010), os países denominados “emergentes” vêm alcançando índices de crescimento econômico que favorecem a expansão do consumo interno, a exemplo da China, Índia e Brasil9. Com uma política econômica que visa atrair investidores externos, esses países assumem a liderança no processo de expansão industrial em alguns segmentos, sobretudo o têxtil e calçadista. Conforme se pode observar na tabela 6, esses países ganham destaque entre as maiores economias do mundo, com uma dinâmica muito forte de importação e exportação de calçados.

Tabela 6

Principais economias mundiais, importação e exportação de calçados - 2006

Países PIB (US$

Trilhões) Exportação (US$ Milhões) Importação (%) Importação (US$ Milhões) Importação (%) EUA 14,7 822,6 1,1 20.091,4 26,1 China 5,9 27.784,7 39,3 5.862 7,6 Japão 5,5 X X 3.771,1 4,9 Alemanha 3,3 2.823,9 3,9 5.888,9 7,6 França 2,6 1.572,7 2,2 4.876,8 6,3 Reino Unido 2,2 942,5 1,3 5.025,1 6,5 Brasil 2,1 1.966,5 2,7 149 0,1 Itália 2,1 9.407,9 13,3 4.939,7 6,4 Canadá 1,6 X X 1.520,2 1,9 Índia 1,5 1.215,3 1,7 140 0,1

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009 e 2011; FIESP, 2007 NOTA: X dado não encontrado

Para além dos fatores de custo de remuneração de força de trabalho, baixa escolaridade da população, disponibilidade de população numerosa e um potencial de demanda interna para os calçados, existem também fatores institucionais que tornam determinados países ou regiões do mundo suscetíveis à instalação das fábricas de calçados.

Entre os fatores históricos que fizeram algumas regiões se tornarem o destino para a

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Nos últimos anos, o Brasil vem obtendo números crescentes e significativos nos índices de consumo interno devido, entre outras coisas, ao surgimento do que alguns especialistas chamam de “nova classe média”. Ao mesmo tempo em que contribui para o crescimento do consumo interno, a “nova classe média” brasileira também contrai significativos índices de endividamento de seus rendimentos, o que pode comprometer futuramente a continuidade do ciclo do consumo e a sustentação dos índices de crescimento.

migração de inúmeras atividades industriais, inclusive a produção de calçados, pode-se destacar algumas em particular. A intensificação da concorrência entre empresas e os salários cada vez mais altos, que o capital empresarial de alguns países desenvolvidos tinha que pagar à força de trabalho (da metade para o final da década de 1960), não formam um fenômeno isolado em determinadas localidades. O conjunto da economia mundial passou por mudanças importantes, principalmente a partir da década de 1960, conforme explica Arrighi (1997):

[...] entre 1968 e 1973 – isto é, antes do primeiro “choque do petróleo” do final de 1973 – essa intensificação geral das pressões competitivas e dos custos crescentes de mão-de-obra em localidades do núcleo orgânico se combinou a uma súbita aceleração da expansão transnacional de empresas capitalistas do núcleo orgânico (ARRIGHI, 1997, p. 77).

Desse modo, com o acirramento da concorrência intercapitalista e do crescimento do valor pago pela remuneração da força de trabalho, nos países do núcleo orgânico do capitalismo, o fluxo anual de investimentos estrangeiros diretos, saído de muitos países desenvolvidos, que haviam aumentado em menos de 50% entre 1963 e 1968, mais do que dobrou entre 1968 e 1973 (ARRIGHI, 1997); investir na produção em países periféricos ao núcleo orgânico do capitalismo tornou-se a alternativa para manter os índices de lucratividades. Conforme Arrighi:

Muita, se não a maior parte, dessa aceleração, remonta a uma tentativa generalizada, por parte de empresas capitalistas do núcleo orgânico, de escapar, através de uma diversificação espacial de sua atividade, da diminuição das margens de lucro que resultou da competição cada vez mais intensa e dos salários cada vez mais altos nas localidades do núcleo orgânico (ARRIGHI, 1997, p. 77 - 78).

Concomitante a esse processo de expansão da atividade industrial em diversos países,

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