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2 A INDÚSTRIA CALÇADISTA MUNDIAL E BRASILEIRA

2.2 BRASIL: DO SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS DE

RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES FABRIS

Durante as últimas três décadas (de 1980 a 2010), o Brasil vem se destacando no cenário internacional da produção, exportação e importação de calçados. Figurando entre os principais países emergentes no cenário econômico mundial, o Brasil vem se consolidando como a sexta mais importante economia capitalista do mundo, no ano de 2011. Nesse processo de crescimento econômico, a produção calçadista brasileira foi reestruturada para concorrer com a produção de calçados da China, Índia, Indonésia e Vietnã.

O processo de desenvolvimento da produção de calçados, no Brasil teve início em 1824, com a chegada de imigrantes alemães no Rio Grande do Sul. Instalados no Vale do Rio dos Sinos, mais especificamente no município de São Leopoldo, os imigrantes alemães trabalhavam na agricultura e na pecuária. Entre esses imigrantes já havia aqueles que possuíam habilidades na produção artesanal, sobretudo artigos de couro, o que facilitou a sua inserção na produção direta de calçados de couro (ABICALÇADOS, 2009; COSTA, 2002).

Após o ano de 1870, a produção de calçados, no Rio Grande do Sul, começou a crescer e ganhar importância com a expansão também da atividade agropecuária e da produção de charque, conforme relatório estatístico da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados:

A produção que inicialmente era caseira e caracterizada pela confecção de arreios de montaria, ganhou mais força com a Guerra do Paraguai, que ocorreu nos anos 1864 – 1870. Após o episódio, surgiu a necessidade de ampliar o mercado comprador. Assim, surgiram alguns curtumes e a fabricação de algumas máquinas, que tornavam a produção mais industrializada (ABICALÇADOS, 2009, p. 3).

No Brasil, a primeira fábrica de calçados com características de indústria, com a utilização de máquinas, surgiu em 1888, no Vale do Rio dos Sinos. Chefiada por descendentes

de alemães, as primeiras unidades fabris criaram um “Arranjo Produtivo Local” (APL) que ligava a criação de gado em fazendas, de onde se retirava o couro, às demandas de matéria- prima para a fabricação de calçados. Assim, muitos descendentes de alemães que possuíam fábrica de calçados e que também eram donos de curtumes, ocupavam-se com a criação de animais, utilizando couro como matéria-prima para a confecção dos calçados. Nota-se que, subjacente a esta ligação entre produção de calçados e a pecuária, existia uma “prática espacial” que visava sustentar a produção de calçados; a necessidade de expansão da pecuária por parte dos produtores de calçados, visando obter matéria-prima (couro), é evidente.

O estado gaúcho fomentava a demanda por calçados, fazendo com que a produção se expandisse a cada ano, formando, ao longo do tempo, um dos maiores clusters calçadista do mundo, associado a uma grande cadeia de APLs distribuídas por toda a região do Vale do Rio dos Sinos. Os principais municípios gaúchos tradicionalmente ligados à produção de calçados, especializados em calçados femininos, são: Novo Hamburgo, São Leopoldo, Estância Velha, Campo Bom, Sarapiranga, Taquara, Três Coroas, Rolante e Igrejinha.

Necessitando ampliar a comercialização de calçados para também ampliar os lucros das empresas do ramo calçadista, sobretudo com a intenção de exportar calçados, iniciaram-se, na década de 1960, às primeiras exportações de calçados brasileiros. Precisamente em 1968 ocorreu a primeira exportação de calçados brasileiros em larga escala para os EUA. Não obstante, atualmente, os EUA continuam sendo o principal destino das exportações brasileiras de calçados, com 25,7% do valor da exportação (ABICALÇADOS, 2010).

O ano de 1968 não só é importante para o início das exportações brasileiras de calçados, mas também simboliza um período de mudanças substanciais na produção industrial em diversos setores produtivos em todo o mundo. É sintomático que estudiosos como David Harvey e Lipietz classifiquem o final da década de 1960 e o início da década de 1970 como o período em que o modelo de acumulação fordista começou a apresentar os primeiros sinais de crise, e algumas atividades produtivas começaram a crescer em países considerados ou classificados como “subdesenvolvidos”, com a ativação da chamada política de substituição de importações. A partir desse período, passou a haver um deslocamento de grande parte da produção de calçados dos países economicamente mais poderosos em direção a regiões periféricas que apresentavam condições mais favoráveis de competitividade. Soma-se a isso a ideia que o final dos anos de 1960 constitui-se na “[...] fase derradeira dos chamados ‘anos dourados’, período de acelerado crescimento econômico que se iniciou ao término da Segunda Guerra Mundial” (COSTA, 2002, p. 58).

manteve-se forte até pelo menos o ano de 1973, baseado numa produção e consumo em massa. Segundo esse autor, os padrões de vida da população trabalhadora dos países capitalistas centrais mantiveram relativa estabilidade, e os lucros monopolistas também eram estáveis. Porém, depois da aguda recessão instalada a partir de 1973, teve início um processo de transformação no interior do processo de acumulação de capital e expansão da atividade industrial.

Países com grande contingente de população formam um mercado consumidor potencial para os calçados e confecções produzidos pelas empresas que decidiram pela relocalização de fábricas ou pela expansão da produção com a instalação de novas unidades de produção. Como exemplos, pode-se citar o Brasil, a Índia e a China, países que atualmente figuram entre as dez maiores economias do mundo, sendo classificados como países emergentes, com um grande potencial de consumo interno.

Na década de 1960, a produção média brasileira de calçados por ano somava 80 milhões de pares, no final da década de 1980, a produção de pares de calçados ultrapassava os 140 milhões. Com o transcorrer dos anos, novos mercados no exterior começaram a surgir e as exportações aumentaram significativamente, aumentando também o faturamento das empresas e favorecendo a expansão das unidades produtivas. Nesse período, começou a ganhar forma a organização produtiva das empresas calçadistas em redes transnacionais, articulando os fluxos de mercadoria e capital que estimularam a modificação de alguns aspectos competitivos do setor calçadista brasileiro. Segundo Costa (2002),

Esse é um período marcado por um acúmulo de pedidos dos importadores de calçados, gerando um intenso crescimento externo do setor com incorporação de recursos e mão-de-obra, bem como a ampliação da escala das firmas. Esse caminho foi facilitado pelas encomendas dos importadores de alto volume de calçados – pedidos de 100 a 150 mil pares – padronizados e de preços baixos (menos do que cinco dólares o par) permitindo uma maior mecanização da produção e a difusão de técnicas tayloristas-fordistas de organizar o processo de trabalho (COSTA, 2002, p. 56).

As empresas brasileiras de calçados começavam a fazer os contatos com as empresas internacionais compradoras de calçados (em sua maioria compradores norteamericanos) e começaram também a trabalhar diretamente com os responsáveis pela criação das “linhas” de calçados, haja vista serem as empresas brasileiras, naquela época, pouco desenvolvidas em termos de criação de design. Até o início dos anos 2000, o setor de design das empresas fabricantes de calçados no Brasil era considerado pouco competitivo se comparado com países como França e Itália, países estes que têm uma tradição na produção de calçados de alta qualidade e o desenvolvimento frequente de novos materiais para a produção.

No Brasil, houve um crescimento da produção e exportação de calçados de baixo custo gradativamente a partir do final da década de 1970. Essa tendência de crescimento da produção e de exportação de calçados foi acompanhada também pelo crescimento da produção na China e na Índia. Conforme se pode visualizar no Gráfico 2, em uma linha ascendente, as exportações atingiram um significativo saldo entre as décadas de 1980 e 1990 (ABICALÇADOS, 2009).

Gráfico 2 - Histórico da exportação brasileira de calçados em milhões de pares por ano - 1970/1990

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em MDIC/ SECEX in ABICALÇADOS, 2009.

Desde a década de 1970 até a presente data, o Brasil se consolidou como o maior produtor de calçados da América Latina. Apesar de ter surgido na região Sul do Brasil, onde concentra a maior parcela de fábricas e pessoas empregadas na atividade de produção de calçados, nos últimos anos, a produção brasileira de calçados está sendo deslocada para outras regiões do país que, tradicionalmente, não eram ocupados com a confecção de tal produto.

Na Bahia, em particular, a atividade industrial calçadista foi ampliada consideravelmente com a instalação de fábricas de calçados de grande porte, ou seja, unidades fabris com mais de 1000 trabalhadores. No geral, as grandes fábricas são responsáveis por 58% da produção brasileira de calçados. Considerando a produção brasileira de calçados de modo geral, pode-se constatar que conjuntamente a região Sul e a região Nordeste, são responsáveis por 78% da produção nacional, sendo o Nordeste responsável por 44% e o Sul

Milhões de pares

por 34% da produção calçadista. Pelo volume de produção geral, a região Nordeste foi a que mais cresceu em percentual produtivo. O Sudeste aparece com 21% da produção total de calçados (ABICALÇADOS, 2009).

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