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Indústria de calçados e implicações socioespaciais: a grande fábrica de calçados em Santo Estevão-BA

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ILDO RODRIGUES OLIVEIRA

INDÚSTRIA DE CALÇADOS E IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: A GRANDE FÁBRICA DE CALÇADOS NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO - BA

Salvador 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

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ILDO RODRIGUES OLIVEIRA

INDÚSTRIA DE CALÇADOS E IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: A GRANDE FÁBRICA DE CALÇADOS NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO - BA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Cristóvão Brito.

Salvador 2012

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O48 Oliveira, Ildo Rodrigues

Indústria de calçados e implicações socioespaciais: a grande fábrica de calçados no município de Santo Estevão - BA. / Ildo Rodrigues Oliveira. –

Salvador, 2012.

150f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Cristóvão de Cássio da Trindade Brito. Dissertação (mestrado) – Curso de Pós-Graduação em Geografia Instituto de Geociências, Universidade Federal da Bahia, 2012.

1. Geografia econômica – Santo Estevão (BA). 2.Indústria – Aspectos sociais.3. Investimentos – Indústria de calçados. 4. Desenvolvimento regional. I. Brito, Cristóvão de Cássio da Trindade. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de Geociências. III. Título.

CDU 911.3:33(813.8)

__________________________________________________________________________ Ficha elaborada pela Biblioteca do Instituto de Geociências da UFBA

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ILDO RODRIGUES OLIVEIRA

A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E AS IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS: a grande fábrica de calçados no município de Santo Estevão-BA

Dissertação aprovada pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia como requisito para a obtenção do grau de Mestre em Geografia.

Banca Examinadora:

Orientador: Prof. Dr. Critóvão de Cássio da Trindade Brito Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Prof. Dr. Noélio Dantaslé Spinola (UNIFACS).

Prof. Dr. Onildo Araujo da Silva

Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

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Dedico este trabalho a todos aqueles que acreditam na possibilidade da construção de um espaço geográfico em que a justiça social e a dignidade humana sejam os objetivos centrais.

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AGRADECIMENTOS

Ao orientador desta pesquisa, o professor Dr. Cristóvão Brito, por ter me atendido tão prontamente nos momentos cruciais do processo de investigação e por ter possibilitado o desenvolvimento de um diálogo extremamente agradável.

Ao Mestrado em Geografia da Universidade Federal da Bahia, pela acolhida. À CAPES que, por meio de bolsa de pesquisa, possibilitou o financiamento deste trabalho.

Aos amigos e colegas do Mestrado em Geografia, por terem me proporcionado o amadurecimento acadêmico durante as aulas; suas idéias e suas compreensões de mundo me marcaram muito.

À minha esposa, meu filho, minha mãe e minha irmã por terem tolerado os longos dias e horas que tive que subtrair do convívio com eles, pois precisava me dedicar às leituras, escrita e trabalho de campo.

Aos meus amigos da cidade de Santo Estevão-BA que, com suas reflexões poéticas e filosóficas, fizeram com que meu pensamento pudesse se expandir: José Agnaldo Barreto de Almeida (Kiko), Ricardo Leal, Edson Oliveira, Tasciano Santa Isabel, Xan Falcão. Em especial ao amigo, eterno patrão, Mestre em Políticas Públicas, José Agnaldo de Almeida, por ter lido os originais deste trabalho e sugerido correções.

Aos trabalhadores, chefes e gerentes da fábrica de calçados Dass Clássico em Santo Estevão-BA, por me atenderem com presteza quando da realização de entrevistas e aplicação de questionários. Aos diretores e ex-diretores do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Calçados (SINTRACAL) por terem aceitado abrir as portas do sindicato e responder os questionários e entrevistas. Aos dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão, principalmente a Senhora Jacirene e ao Senhor Otávio.

Aos integrantes da Secretaria de Obras (SEOBS) e da Secretaria de Finanças (SEFIN), por fornecerem as informações solicitadas.

Aos professores da rede estadual e municipal de ensino da cidade de Santo Estevão. Aos trabalhadores em educação das Escolas: Professora Maria Irene Santiago (em Santo Estevão) e da Escola Estadual Ieda Barradas Carneiro (em Ipecaetá).

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O desenvolvimento econômico, [...], é uma ilusão. A riqueza do Ocidente é análoga à riqueza oligárquica de Harrod. Não pode ser generalizada porque se baseia em processos relacionais de exploração e de exclusão que pressupõem a privação relativa continuamente reproduzida da maioria da população mundial (ARRIGHI, 1998, p. 282).

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RESUMO

O processo de instalação de fábricas de calçados na Bahia, a partir da década de 1990, tem sua origem na reestruturação produtiva, no acirramento da competitividade mundial e na “guerra fiscal”. O município de Santo Estevão-BA se insere nesta lógica de instalação de novas fábricas a partir do ano 2001, com o funcionamento da fábrica de calçados do grupo empresarial Dass Clássico. A proposta do presente trabalho de pesquisa foi analisar o processo que resultou na instalação da fábrica de calçados Dass Clássico na cidade de Santo Estevão – BA, enfocando as características da produção de calçados e as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa e suas principais implicações socioespaciais. Como resultado foi possível compreender e identificar os principais motivos da instalação da fábrica de calçados em Santo Estevão - BA, as práticas espaciais desenvolvidos pela empresa para manter a localização geográfica da unidade produtiva, caracterizar e analisar as principais implicações socioespaciais da instalação da fábrica de calçados no município.

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ABSTRACT

The installation process of manufactures footwear in Bahia, starting from decade in 1990, has its origin in the restructuring process, the intensification of global competition and “fiscal war". The municipality of Santo Estevão-BA inserts in this logic of installation of new factories starting in 2001, with operation of manufacture footwear business group Dass Clássico. The propose of this research was to analyze the process that resulted in the installation of manufactures footwear Dass Clássico in Santo Estevão-BA, focusing on the features of shoes production and the spatial practices developed by the company and its main implications sociospatial. As result was possible understand and identify the main reasons for the installation of the manufactures footwear in Santo Estevão-BA, the spatial practices developed by company to keep the geographic location of the plant, characterize and analyze the main implications sociospatial of the installation manufactures of footwear in the municipality.

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MAPAS E CROQUIS

Mapas – 1 Município de Santo Estevão... 20 Mapas – 2 Brasil - Porcentagem de empregos na fabricação de calçados por

estado – 2007... 63 Mapas – 3 Brasil - porcentagem de empresas na fabricação de calçados por estado

– 2009... 65 Mapas – 4 Municípios da Bahia que possuem fábricas de calçados (2010)... 66 Mapas – 5 Distribuição espacial das unidades produtivas e administrativas do

Grupo Dass Clássico – 2011... 83 Mapas – 6 Distribuição espacial das fábricas de componentes e assessórios para a

produção de calçados na Bahia – 2010... 108 Mapas – 7 Municípios de origem dos produtos que são vendidos na Feira Livre de

Santo Estevão – BA, 2011... 134

Croqui – 1 Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2001... 117 Croqui – 2 Uso da terra urbana em Santo Estevão-BA, 2010... 127

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

Tabela 1 – Principais países produtores de calçados: 1994 e 2004... 36

Tabela 2 – Principais produtores mundiais de calçados: produção em milhões de pares por ano (2004/2010)... 46

Tabela 3 – População absoluta e produção de calçados por país em 2011... 47

Tabela 4 – Desligamento de trabalhadores dos subsetores da indústria de transformação – Anos selecionados... 51

Tabela 5 – Importação brasileira de calçados – 2008... 52

Tabela 6 – Principais economias mundiais, importação e exportação de calçados - 2006... 53

Tabela 7 – Fábricas e sede administrativa do Grupo Dass Clássico – 2011... 82

Tabela 8 – Empresas que compõem o Grupo Orsa – 2008... 104

Tabela 9 – Relação de empresas, investimentos e mão de obra – 2006... 102

Tabela 10 – Estrutura fundiária em Santo Estevão-BA, 2006... 113

Tabela 11 – Santo Estevão-BA: PIB Municipal – 1999 a 2007... 114

Tabela 12 – Unidades indústrias existentes em Santo Estevão-BA – 1996... 115

Tabela 13 – Santo Estevão-BA: número de veículos automotores - 2006 a 2009... 119

Tabela 14 – Atividades econômicas em Santo Estevão-BA – 2000 a 2006... 120

Tabela 15 – Santo Estevão-BA: trabalhadores da Dass Clássico e aquisição de bens – 2010... 121

Tabela 16 – Santo Estevão-BA: evolução da instalação de novas empresas comerciais (2002 - 2010)... 123

Tabela 17 – Santo Estevão-BA: população que realiza movimento migratório pendular – 2010... 124

Tabela 18 – Crescimento demográfico entre municípios – 2000 e 2010... 125

Tabela 19 – Município de Santo Estevão-BA: adicional no PIB municipal por setor de atividade (R$ mil) – 2003 a 2008... 126

Tabela 20 – Santo Estevão-BA: número de domicílios particulares permanentes - 1996 a 2010... 126

Tabela 21 – Dass Clássico em Santo Estevão-BA: trabalhadores que possuem casa própria – 2010... 126

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Tabela 23 – Santo Estevão-BA: número de residências com energia elétrica e água

encanada, 1985 – 2011... 129 Tabela 24 – Santo Estevão-BA: classificação quanto aos índices econômicos e

sociais entre os municípios da Bahia – 2002 a 2006... 130 Tabela 25 – Santo Estevão-BA: população rural e população urbana – 1970 a 2010.... 133 Tabela 26 – Santo Estevão-BA: local de residência dos feirantes entrevistados, 2011... 135 Tabela 27 – Santo Estevão-BA: desigualdade de renda - índice de Gini, 1970 a 2006... 136 Tabela 28 – Município de Santo Estevão-BA: intensidade da pobreza, 1991 – 2003... 137

Gráfico 1 – Brasil -exportações de calçados - 1970 a 2008... 35 Gráfico 2 – Histórico da exportação brasileira de calçados em milhões de pares por

ano – 1970 a 1990... 58 Gráfico 3 – Bahia: evolução do PIB em indústria de transformação – 2002 a 2010... 75 Gráfico 4 – Evolução de PIB Municipal Santo Estevão–BA (R$ Milhões) – 1999 a

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Fábrica Dass Clássico em Santo Estevão-BA: produtos, insumos e resíduos-2010... 87 Quadro 2 – Relação de fábricas pertencentes ao Grupo FCC... 101

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

ABICALÇADOS – Associação Brasileira das Industriais Calçadistas

APAEB – Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira

APL – Arranjo Produtivo Local

BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CME – Conselho Municipal de Educação

CDL – Câmara de Dirigentes Lojista

DEM – Partido Democrata

DESENVOLVE – Programa de Desenvolvimento Industrial e de Integração Econômica

EBDA – Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola

FCC– Grupo Empresarial Fornecedora

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços

IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas

IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano

IR – Imposto de Renda

ISS – Imposto Sobre Serviços

NPIs – Novos Países Industrializados

PFL – Partido da Frente Liberal

PIB – Produto Interno Bruto

OCPE – Orsa Celulose, Papel e Embalagens

PALNDEB – Plano de Desenvolvimento do Estado da Bahia

PROBAHIA – Programa de Promoção do Desenvolvimento da Bahia

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PT – Partido dos Trabalhadores

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

RMS – Região Metropolitana de Salvador

SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

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SEOBS – Secretaria de Obras de Santo Estevão

SINE – Sistema Nacional de Emprego

SINTRACAL – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Calçados

SUDIC – Superintendência da Indústria e Comércio

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 18

1 ESPAÇO GEOGRÁFICO E INDÚSTRIA:... 25

1.1 A INDÚSTRIA NO CONTEXTO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO... 25

1.2 A IDEIA DE DESENVOLVIMENTO E A INDUSTRIALIZAÇÃO... 27

1.3 A GLOBALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E O MODELO DE ACUMULAÇÃO... 34

1.4 AS REDES E ESCALAS GEOGRÁFICAS... 39

2 A INDÚSTRIA CALÇADISTA MUNDIAL E BRASILEIRA... 44

2.1 A INDÚSTRIA DE CALÇADOS E O CONTEXTO DA RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES PRODUTIVAS... 45

2.2 BRASIL: DO SURGIMENTO DAS PRIMEIRAS FÁBRICAS DE CALÇADOS À RELOCALIZAÇÃO DE UNIDADES FABRIS... 55

2.3 A INSERÇÃO DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS BRASILEIRA NA COMPETITIVIDADE MUNDIAL: O NORDESTE BRASILEIRO EM DESTAQUE... 59

2.4 A POLÍTICA DE ATRAÇÃO DE EMPREEDIMENTOS INDUSTRIAIS NA BAHIA... 68

2.4.1 Os programas de atração empreendimentos industriais... 72

3 O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO E AS PRÁTICAS ESPACIAIS... 78

3.1 O GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO: ORIGEM, FORMAÇÃO CORPORATIVA E PRÁTICAS ESPACIAIS... 80

3.2 AS PRÁTICAS ESPACIAIS DO GRUPO EMPRESARIAL DASS CLÁSSICO... 84

3.2.1 Seletividade espacial... 84

3.2.2 Expansão espacial... 88

3.2.3 Marginalidade espacial... 90

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3.3 EMPRESAS FORNECEDORAS DE COMPONENTES E

ASSESSÓRIOS... 100

3.3.1 A empresa Fortik e o grupo FCC... 100

3.3.2 Brisa: indústria de tecidos tecnológicos... 102

3.3.3 Grupo ORSA... 103

3.4 SÍNTESE DA REDE PRODUTIVA DA EMPRESA DASS CLÁSSICO NO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA... 105

4 O MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO-BA E AS PRINCIPAIS IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS PÓS-INSTALAÇÃO DA FÁBRICA DE CALÇADOS... 111

4.1 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS SOCIOESPACIAIS DO MUNICÍPIO DE SANTO ESTEVÃO ANTERIORES À INSTALAÇÂO DA FÁBRICA DE CALÇADOS... 111

4.2 IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA URBANA... 114

4.3 IMPLICAÇÕES SOCIOESPACIAIS NA ZONA RURAL... 133

4.4 ALGUNS INDICADORES SOCIOECONÔMICOS... 136

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 138

(18)

INTRODUÇÃO

Desde a década de 1990, o estado da Bahia, bem como outros estados do Nordeste brasileiro, a exemplo do Ceará, tem sido o destino para a instalação de inúmeras unidades de produção de várias empresas, dentre elas fábricas de calçados oriundas do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Ao construírem suas redes de filiais industriais, de fornecimento de insumos e componentes, essas empresas convergem no sentido de moldar a organização do espaço geográfico, por meio de práticas espaciais que resultam em modificar algumas características socioespaciais locais. Esse processo de instalação de fábricas obedece aos ditames da reestruturação produtiva que ocorre globalmente, sobretudo com a inserção da China e da Índia na produção industrial de baixo custo, e de uma nova lógica de divisão territorial do trabalho nas distintas escalas espaciais: desde o local até o mundial.

As transformações ocorridas na economia capitalista mundial, notadamente no que se refere aos novos padrões de concorrência e de competitividade entre os países, implicam modificações na organização do espaço nacional, regional e local. O estado da Bahia, apesar de historicamente não possuir tradição na produção calçadista, vem adquirindo posição de destaque nesse segmento produtivo por causa das ações dos sucessivos governos estaduais, desde 1990 quando implantou-se programas de atração de empresas via utilização dos mecanismos de incentivos fiscais que dão origem à “guerra fiscal” e também pela ação das próprias empresas em busca da redução de custos de operação.

Ao longo da década de 1990, os programas de atração de investimento, fortemente influenciados pela ideias de competitividade divulgadas pela “onda” neoliberal que atinge o Brasil, bem como outros países da América Latina, tiveram um êxito significativo em atrair e instalar novas fábricas do setor calçadista em diversos municípios do interior baiano. As vantagens econômicas adquiridas pelas empresas desse setor produtivo vão desde a diminuição dos custos de produção até os benefícios advindos dos incentivos fiscais e infraestrutura cedida pelos governos nas três escalas governamentais – federal, estadual e municipal.

Todavia, as vantagens da localização geográfica para as empresas calçadistas não estão separadas de um conjunto complexo de outras variáveis. Existe uma gama de fatores que torna certas localidades do interior baiano muito atrativas para a expansão das atividades

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fabris: a possibilidade de utilização de uma numerosa força de trabalho dócil1 e de baixa remuneração; a fragilidade da organização classista em sindicatos; a oferta de infraestrutura de transporte e energia elétrica, etc. Pode-se dizer que a expansão de parte da produção calçadista para alguns estados do Nordeste brasileiro trata-se, com efeito, de mais um processo de expansão do capital, renovado e específico, cujo motivo principal é o esgotamento das condições objetivas de reprodução ampliada em outras localidades, tais como na região Sul do Brasil e também em alguns países europeus.

Neste contexto de instalação da indústria calçadista na Bahia, o município de Santo Estevão-BA, onde se encontra em atividade uma grande fábrica de calçados pertencente ao grupo empresarial DASS CLÁSSICO (ex Dilly Nordeste), desde 2002, vem passando por rápidas e significativas redefinições na organização socioespacial. Essas transformações que passaram a envolver o município estão associadas, sobretudo, à forte dinâmica econômica imposta pelo aumento da circulação de dinheiro com o aumento da massa de trabalhadores formais que recebem salários e pela consequente desenvolvimento de novas redes geográficas que tornam os fluxos comerciais e empresariais mais complexos.

A grande corporação empresarial não só pode tornar os espaços mais complexos nos locais onde são instaladas as unidades fabris (atraindo também novas empresas comerciais) como também cria um conjunto de práticas e relações corporativas que atravessa diversas escalas espaciais. Conexões entre a grande fábrica de calçados, as lojas de varejo e demais firmas fornecedoras de insumos e componentes contribuem para a efetivação e manutenção da fabricação de mercadorias, originando assim verdadeiras redes empresariais que, em conjunto, mantém as condições de lucratividade das empresas e a gestão da organização do espaço geográfico.

Nesse processo, o município de Santo Estevão-BA, com 47.880 habitantes em 2010, dos quais 27.690 residentes na área urbana, localizado na região Econômica do Paraguaçu, redefinida e denominada, em 2007, pelo Governo do estado como “Território de Identidade Portal do Sertão”, constitui a área de influência urbana da cidade de Feira de Santana-BA, passou a fazer parte da rede coorporativa do Grupo Empresarial Dass Clássico. Esse município passou a fazer parte, no ano de 2002, dos locais nos quais foram instaladas grandes fábricas de calçados. Uma complexa rede corporativa calçadista que envolve fluxos de insumos, acessórios, componentes, design, patentes, pontos de vendas etc. passou a ter, na cidade de Santo Estevão-BA, um dos nós da conexão. As características produtivas e

1

O termo aqui está empregado no sentido de que a organização sindical dos trabalhadores ainda é muito insipiente, o que os faz, à curto prazo, aceitar as regras estabelecidas pelos dirigentes da fábrica.

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econômicas que até então vigoravam no município, tais como as atividades agropecuárias, comerciais e de prestação de serviços, passaram a ter novas densidades e relações provocadas pela instalação da fábrica de calçados Dass Clássico.

(21)

As novas atividades econômicas atraídas pelo crescimento do mercado consumidor na cidade de Santo Estevão-BA e o fluxo migratório proveniente de municípios vizinhos e da zona rural do próprio município desencadearam a instalação de lojas de redes comerciais (vestuário, eletrodomésticos, motocicletas, calçados, utilidades etc.) e supermercados. O crescimento do mercado imobiliário (bem como a especulação imobiliária) e o valor dos alugueis criaram dificuldades para a população com renda baixa na medida em que comprar ou alugar uma residência se tornou mais caro; o crescimento horizontal da cidade e o maior número de carros e motocicletas contribuíram para a expansão do uso comercial da cidade; além disso, houve a migração de parte da população do campo para a cidade. A divisão do trabalho entre os municípios circunvizinhos, como também no interior do município, adquiriu uma dimensão mais evidente, sendo que a cidade de Santo Estevão-BA se afirmou como um centro comercial e de fornecimento de serviços.

Com base nesse contexto, compreende-se que, diante das transformações na economia nacional e mundial nas últimas décadas (a reestruturação produtiva, desconcentração industrial, divisão territorial do trabalho e redefinição no papel do Estado na economia) e levando-se em conta as relações entre processo que se desenvolvem entre escalas de análise que vão desde o global até o local (reproduzindo as relações sociais e de produção capitalistas e a divisão territorial do trabalho) com a configuração de novos fluxos e redes geográficas, busca-se entender e explicar nesta pesquisa os motivos da instalação da fábrica de calçados do grupo empresarial DASS CLÁSSICO no município de Santo Estevão-BA e suas principais implicações socioespaciais. Outros objetivos são: analisar e compreender as práticas espaciais desencadeadas pelo Grupo Empresarial Dass Clássico tendo como referência a unidade fabril localizada no município de Santo Estevão-BA, caracterizar e explicar as principais implicações socioespaciais no município de Santo Estevão a partir da instalação da fábrica de calçados.

Entende-se que esta pesquisa justifica-se pelo fato de ainda serem poucos os estudos sobre a geografia da indústria de calçados na Bahia, sobretudo por ser uma atividade inteiramente nova e robusta, no interior do estado, com muitas características do fordismo periférico2, intensiva em mão-de-obra e que paga salários baixos a seus funcionários, mas lança uma grande soma de dinheiro mensalmente na economia local a título de pagamento de salários e atrai outros negócios, funções urbanas, populações externas e também jovens da

2

O fordimo periférico é caracterizado por Lipietz (1989) como um modelo de industrialização dos países periféricos, com a adoção parcial e frequentemente ilusória do modelo de produção e de consumo dos países centrais da economia capitalista. O modelo fordista periférico não possui e não desenvolveu as relações sociais que correspondessem ou fossem similares às características do fordismo central.

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área rural do próprio município.

Nesse sentido, foram elaboradas as seguintes questões de pesquisa:

1- No contexto da reestruturação produtiva mundial e diante das características inerentes a produção de calçados, quais os motivos da instalação de uma grande fábrica calçadista no município de Santo Estevão-BA?

2- Que práticas espaciais são desenvolvidas pela empresa de calçados em Santo Estevão-BA e como tais práticas contribuem para a manutenção da localização da fábrica?

3- Quais as principais implicações socioespaciais ocasionadas pela instalação da grande fábrica de calçados no município de Santo Estevão-BA?

Por ser uma pesquisa que tem como um dos objetivos analisar a dimensão socioespacial da instalação de um grande empreendimento fabril sobre uma determinada escala geográfica, os procedimentos metodológicos pautaram-se por um caminho que permitisse articular as diferentes variáveis do processo de localização industrial (econômico, político e institucional) e as principais dimensões das transformações socioespaciais (mudanças nas características econômicas e sociais, adensamento e desenvolvimento de novas redes e fluxos). Por isso, a pesquisa não se limita à fábrica em si, mas considera também todo o entorno geográfico que se transforma com a instalação da unidade fabril. Compõe o campo desta pesquisa: o processo de localização da grande fábrica de calçados esportivos, as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa e os efeitos do funcionamento da fábrica sobre o espaço geográfico.

A pesquisa envolveu dados quantitativos e o uso de técnicas qualitativas. Os primeiros foram utilizados para dimensionar as mudanças pelas quais passaram a indústria calçadista no Brasil e na Bahia, traçar o perfil de alguns trabalhadores empregados na fábrica calçadista no município de Santo Estevão-BA e caracterizar algumas mudanças econômicas nos espaços rural e urbano do município.

Alguns dados quantitativos foram adquiridos no site eletrônico da empresa DASS CLÁSSICO, em informativos publicados pela empresa e no site da ABICALÇADOS, na internet, e de empresas fornecedoras de componentes, pois a gerência da fábrica em Santo Estevão-BA rechaçou qualquer possibilidade de prestar maiores informações alegando que as empresas internacionais (sobretudo a norte-americana Nike) exigem completo sigilo quanto às informações mais precisas sobre as fábricas que produzem os calçados que levam sua marca. De posse das informações quantitativas disponíveis no site eletrônico, foi possível a elaboração de um mapa com a rede corporativa do grupo empresarial Dass Clássico, bem como a confecção de tabelas e quadros com número de trabalhadores e função de cada unidade produtiva distribuída pelo Brasil e no exterior. Outros dados quantitativos foram

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adquiridos com a aplicação de questionário a trabalhadores que estudam em escolas da rede pública estadual durante o turno noturno. Também foram adquiridos dados junto ao site eletrônico da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), na Agência da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Secretaria de Finanças do município de Santo Estevão-BA (SEFIN).

Foram realizadas diversas entrevistas semi estruturadas3 junto a representantes e ex-representantes de instituições sindicais, ex-representantes de órgãos governamentais municipais, ex-prefeitos, gerentes da fábrica e chefes de setor de produção. Cada entrevista possuía objetivos preliminares, quais sejam: a entrevista junto a sindicalistas e ex-sindicalistas associados a trabalhadores na produção de calçados visava conhecer a organização daqueles que reivindicam melhores condições de trabalho, bem como buscar conhecer suas relações com os representantes da empresa e do Governo do estado. As entrevistas junto aos ex-prefeitos objetivavam elucidar o processo político de tomada de decisão quanto à instalação da fábrica no município bem como as relações institucionais e políticas que a prefeitura tinha/tem com a administração da empresa. As entrevistas com alguns chefes e gerentes da fábrica objetivaram levantar informações quanto à rede de empresas fornecedoras de materiais, componentes e acessórios para a fabricação dos calçados; no entanto, vale destacar preliminarmente que não foi possível identificar todas as empresas que fornecem componentes para a fábrica de calçados em Santo Estevão-BA. As entrevistas junto aos líderes do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Santo Estevão-BA buscaram revelar algumas mudanças ocorridas no espaço rural que sejam relacionadas à presença da fábrica de calçados na cidade4.

Para conhecer melhor as características e funcionamento da fábrica, tentou-se por três vezes, via ofício, solicitar a marcação de uma visita ao interior da mesma, porém não se obteve respostas. Os dois únicos documentos produzidos pela empresa Dass Clássico, analisados nesta pesquisa, foram um “Manual de Integração” que é fornecido aos trabalhadores recém-ingressos na fábrica (que os informa quanto à organização interna da empresa e da fábrica) e uma publicação intitulada “fala! Dass” em comemoração aos 9 anos da empresa.

3

A escolha por este tipo de entrevista se deu em função da necessidade de combinar questões fechadas (ou estruturadas) com questões abertas, possibilitando aos entrevistados mais liberdade para tratar algumas questões e suscitar outras.

4

Haja vista que a produção de calçados precisa de uma grande quantidade de trabalhadores em decorrência da elevada taxa de rotatividade.

(24)

O trabalho de campo foi utilizado para observar e mapear a expansão física da cidade de Santo Estevão-BA, como também para observar e anotar os nomes das empresas contidos nos veículos que transportavam materiais para o interior da fábrica. A partir do nome das empresas foi possível constatar que a rede corporativa entre a fábrica de calçados e os seus fornecedores ultrapassa as fronteiras do estado da Bahia e da região Nordeste. Foram feitas várias anotações e observações de acontecimentos na cidade de Santo Estevão-BA que estavam associados a alguma “prática espacial” exercida pela empresa Dass Clássico.

Por fim, a dissertação está dividida em quatro capítulos:

No capítulo 1, destaca-se a concepção de espaço geográfico que permeia todo o trabalho de pesquisa, colocando-o à luz do processo de industrialização que ocorre nos NPIs (Novos Países Industrializados), sobretudo após a crise do fordismo, a formulação de um novo modelo de acumulação e a reestruturação produtiva. Nesse capítulo, também se evidencia a importância das redes e das escalas geográficas como mecanismos teórico-conceituais relevantes para entender as novas configurações do espaço geográfico.

O capítulo 2 situa o debate a respeito do processo de relocalização de unidades produtoras de calçados nas escalas mundial e nacional, fazendo-se um breve resumo do surgimento das primeiras fábricas de calçados no Brasil até o processo de relocalização das unidades fabris, mencionando o papel da região Nordeste brasileira e do estado da Bahia em particular.

O capítulo 3, intitulado “O grupo empresarial Dass Clássico e as práticas espaciais”, versa sobre a história do Grupo Empresarial Dass Clássico, seu crescimento, a distribuição de suas unidades produtivas, a rede funcional entre as unidades fabris (bem como a lógica da divisão territorial do trabalho) e as práticas espaciais desenvolvidas pela empresa tendo como referência a unidade produtiva localizada na cidade de Santo Estevão-BA.

O capítulo 4 tem como objetivo caracterizar e analisar as principais implicações socioespaciais ocorridos no município de Santo Estevão-BA após a instalação e funcionamento da fábrica de calçados DASS CLÁSSICO. Expõe-se algumas características econômicas e sociais do município antes do efetivo funcionamento da fábrica de calçados, comparando com as características socioeconômicas presentes até o ano de 2010.

(25)

1. ESPAÇO GEOGRÁFICO E INDÚSTRIA

A localização das atividades industriais e suas implicações na transformação do espaço geográfico têm sido um tema frequentemente discutido na geografia e nas demais ciências que estudam o desenvolvimento local e regional (economia, sociologia, administração etc.). Autores importantes para os estudos geográficos como Harvey (2005), Santos, M., (2003, 2006, 2008), Smith (1988), Lipietz (1988), entre outros, contribuem diretamente para a interpretação dos fatos, processos e para o enriquecimento dos debates sobre a produção do espaço. Subjacente ao fenômeno da produção, esses autores fazem referência à importância que possui o grande capital representado pelas grandes corporações e suas implicações na produção do espaço geográfico.

Os estudos disponíveis sobre o tema “indústria e espaço geográfico” são diversos. Centraremos as análises e investigações contidas neste trabalho nas referências produzidas por autores que estão mais próximos das discussões teóricas e metodológicas da geografia em razão da importância ímpar dessa ciência no entendimento da produção do espaço social: vide, por exemplo, a localização dos agrupamentos humanos, das lavouras, das jazidas de minério, das atividades produtivas em geral e a organização do espaço subjacente a elas. No âmbito da geografia é, prioritariamente, a produção e organização do espaço, como mediação entre a sociedade e a natureza por meio do trabalho, que se constitui o centro da investigação, sobretudo porque as atividades econômicas, entre as quais as industriais, fomentam, de maneira acelerada, transformações substanciais no espaço geográfico, a partir dos locais onde estão instaladas.

1.1. A INDÚSTRIA NO CONTEXTO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO

Com relação ao conceito de espaço geográfico, vários autores formularam contribuições teóricas e metodológicas que possibilitaram, cada vez mais, novos avanços no entendimento dos processos de produção e organização do espaço e suas respectivas formas espaciais. Durante a década de 1970, com base nos pressupostos da dialética e da geografia crítica marxista, Santos, M., (1978) defendia a ideia de que o espaço geográfico se constituía como

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uma linguagem do modo como a sociedade se reproduz. O autor ressaltou que o espaço geográfico não é apenas o reflexo da sociedade de uma determinada época, como se fosse um espelho. Como em uma relação dialética, o espaço geográfico seria uma instância que ao mesmo tempo em que é condicionada pela sociedade, também a condiciona.

Desta forma, abordando o espaço geográfico como uma totalidade social, Santos, M., (1978, p. 145) destaca que “[...] o espaço organizado pelo homem é como as demais estruturas sociais, uma estrutura subordinada-subordinante. E como as outras instâncias, o espaço, embora submetido à lei da totalidade, dispõe de certa autonomia [...]”. Em obras posteriores e com uma abordagem mais complexa no que se refere à totalidade dos processos sociais, Milton Santos concebe o espaço geográfico como sendo formado por “[...] um sistema indissociável, solidário e também contraditório, de sistema de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá” (SANTOS, M.,1996, p. 51).

Nessa perspectiva, entende-se que o espaço geográfico é produzido pela sociedade, por meio de relações sociais em seus mais diversos aspectos (econômicos, políticos e culturais), sendo que o espaço é também uma instância que influencia a forma como a própria sociedade se reproduz. Assim, escreve Milton Santos: “A organização do espaço é também uma forma, um resultado objetivo de uma multiplicidade de variáveis atuando através da história” (SANTOS, M., 2008, p. 45). Na sociedade capitalista, diferenciada internamente por uma complexa organização de classes e desigual desenvolvimento das forças produtivas, a organização espacial resultante é necessariamente desigual, em qualquer parte do mundo, por causa da dinâmica própria do sistema capitalista que se baseia essencialmente no lucro dos diversos empreendimentos econômicos, nas diferenças entre as próprias classes e frações de classes sociais, na divisão social e territorial do trabalho e no desenvolvimento geograficamente desigual.

A instalação intencional de objetos no espaço geográfico, segundo Santos, M., (1996), faz com que a natureza artificializada funcione como máquina. É por meio da existência de hidroelétricas, fábricas, portos, estradas, cidade etc. que o espaço é marcado por conteúdos técnicos. Assim, “[...] o espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade, e cada vez mais tendentes a fins estranhos ao lugar e aos seus habitantes” (SANTOS, M., 1996, p. 51).

No contexto das transformações sociais proporcionadas pela indústria, desde a Revolução Industrial, na Inglaterra, a expansão do modo de produção capitalista, tendo por base a atividade industrial, ganhou força a ponto de influenciar grandemente a organização do

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espaço geográfico segundo a lógica da produção e reprodução ampliada do capital (grandes corporações empresariais nacionais e transnacionais). Em termos gerais, como a história tem evidenciado, grande parte da população tende a migrar das áreas rurais para pequenas, médias e grandes cidades, sobretudo como resultado da expropriação dos meios de produção e das condições de sobrevivência; as trocas comerciais são ampliadas; as atividades agropecuárias e extrativistas no campo passam a ter como mercado consumidor preferencial os médios e grandes centros urbanos, transformando sua lógica de produção e, consequentemente, organizando o espaço geográfico segundo as necessidades de reprodução das mercadorias e sua troca.

Desta forma, a acumulação capitalista está assentada na ampliação da taxa de lucro, na internacionalização das trocas comerciais e na produção industrial como mecanismos para a reprodução ampliada do sistema social. A expansão para “novos” espaços, muitas vezes classificados como “áreas reserva”, onde o custo da força de trabalho é mais baixo e onde as matérias primas são mais abundantes e baratas, possibilita o aumento da taxa de mais-valia, levando à expansão crescente e de maneira seletiva da atividade industrial em países (e regiões) periféricos, que são assim, mais efetivamente integrados em um amplo e complexo sistema econômico mundial por meio das redes corporativas (CORRÊA, 2001).

1.2. A IDEIA DE DESENVOLVIMENTO E A INDUSTRIALIZAÇÃO

A costumeira relação de equivalência entre industrialização, crescimento e desenvolvimento atravessou as escolas de pensamento da “Dependência” e da “Modernização”. Para ambas as escolas, desenvolver-se era equivalente a crescimento da produção industrial. A rápida industrialização de países classificados como pobres foi, em geral, considerada como equivalente ao “desenvolvimento” nos moldes ocidentais. Os defensores desta idéia de desenvolvimento (muitas vezes sinônimo de crescimento econômico) viam na industrialização o único meio de buscar a produção de riqueza, ou de poder, ou de bem estar, ou da combinação disso (ARRIGHI, 1997). Porém os questionamentos elaborados por Arrighi (1997), com base nas idéias de Emmanuel Wallerstein, colocam um ponto de interrogação na possibilidade de os países periféricos e semiperiféricos da economia capitalista mundial conseguirem adquirir riquezas, poder e bem-estar, alicerçando-se nos pressupostos e premissas de equivalência entre industrialização e

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crescimento produtivo difundidos até então.

Nesses termos, é importante esclarecer que a ideia de “desenvolvimento”, veiculada pelos organismos internacionais durante o século XX (OMC, BID, FMI etc.), foi construída tomando como modelo as características econômicas e industriais que predominavam em alguns países europeus (França, Alemanha, Inglaterra) e nos Estados Unidos da América. Esse modelo de “desenvolvimento” que foi propagado com fórmulas pensadas e arquitetadas nos países do “Norte”, desconsiderava as características culturais, históricas e ambientais das diferentes localidades dos países do “Sul”. Mais uma vez as regiões do mundo que não se enquadravam no modo capitalista ocidental de vida foram atingidas por ideias “colonialistas” que visavam subjugá-las. Com relação à produção desse modelo, Esteva (2000) afirma que:

O modo de produção industrial, que era nada mais que uma entre as muitas formas de vida social, tornou-se por definição o estágio final de um caminho unilinear para a evolução social. Esse estágio, por sua vez, passou a ser visto como a culminância natural de potenciais já existenetes no homem neolítico e como sua evolução lógica. Assim, a história foi reformulada nos termos Ocidentais (ESTEVA, 2000, p. 63).

Presumir que o modelo de crescimento econômico, criado por países capitalistas europeus e pelos Estados Unidos, seja o melhor exemplo a ser seguido pela humanidade rumo a um suposto desenvolvimento faz pensar também que todas as localidades ou regiões do planeta onde vivem comunidades indígenas, ribeirinhos, comunidades rurais cooperativas etc, que não se enquadram nas metas de industrialização e produções crescentes, sejam classificadas com termos pejorativos como: atrasados, pobres, subdesenvolvidos etc. Tal visão capitalista e ocidental deixa de levar em conta todas as mazelas criadas pela expansão do modelo capitalista. Como afirma Esteva, “a metáfora do desenvolvimento deu hegemonia global a uma genealogia da história puramente ocidental, roubando de povos com culturas diferentes a oportunidade de definir as formas de sua vida social” (ESTEVA, 2000, p. 63).

A compreensão a respeito da concentração de riquezas e capital nos países centrais do capitalismo mundial, e consequentemente das desigualdades regionais e nacionais, não pode estar desvinculada de um entendimento a respeito da colonização e subjugação de vários povos africanos, asiáticos e americanos que tiveram seu habitat destruído pela força do crescimento econômico. Neste caso, pode-se afirmar que o “subdesenvolvimento” é consequência do “desenvolvimento”. Segundo Esteva (2000):

Ninguém parece compreender que “subdesenvolvimento” é um adjetivo comparativo cuja base de apoio é a premissa, muito ocidental, mas inaceitável e não demonstrável, da unicidade, homogeneidade e linearidade da evolução do mundo. Ela exibe uma falsificação da realidade produzida através de um desmembramento

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da totalidade de processos interligados que compõem a realidade mundial e a subseqüente utilização de um dos fragmentos resultantes deste desmembramento, isolamento dos demais, como ponto de referencia geral (ESTEVA, 2000, p. 66)

O dito crescimento capitalista ocidental (em muitos casos, restrito à vertente econômica), por meio da industrialização, não seria possível de ser alcançado nos países considerados “pobres” pelo fato de que as trocas comerciais, entre os países, na economia de mercado, são desiguais por natureza, existindo também diferenças de nível salarial entre os trabalhadores, diferenças de produtividade e de taxas de lucros, além da transferência de capital a título de remessa de lucros dos países pobres para os países ricos. Por conta da dinâmica própria da economia capitalista, que promove reconcentrações de capital em diferentes locais e épocas, a idéia de desenvolvimento econômico permanente, considerando apenas determinados recortes espaciais, não seria possível (ARRIGHI, 1997).

Para dois terços da população mundial, o modelo de crescimento econômico difundido por países ocidentais capitalistas significou completamente o contrário daquilo que geralmente se prometia. Profundamente enraizado, após dois séculos de sua construção social, esse modelo faz com que muitos povos se lembrem de uma condição indesejável e indigna, efetivada a partir da escravização às experiências e sonhos alheios (ESTEVA, 2000).

De acordo com a teoria da análise do “sistema mundo” (ARRIGHI, 1997; WALLERSTEIN, 2009), a capacidade de um país em se apropriar dos benefícios da divisão mundial do trabalho está relacionada à hierarquia de riquezas entre os próprios países. Essa capacidade é determinada principalmente por sua posição, não apenas numa rede de trocas, mas numa hierarquia de riqueza. As oportunidades de avanço econômico não constituem oportunidades equivalentes de avanço na riqueza para todos. A riqueza e o suposto “desenvolvimento” apregoados pelos governos dos países que ocupam o núcleo orgânico do capitalismo mundial “[...] não podem se generalizar porque se baseiam em processos relacionais de exploração e processos relacionais de exclusão que pressupõem a reprodução continua da pobreza da maior parte da população mundial” (ARRIGHI, 1997, p. 217).

Mesmo centrando sua análise na vertente econômica, Arrighi (1997) traz contribuições substanciais para o entendimento das relações entre países ricos e pobres. Na análise contida na obra “A ilusão do desenvolvimento”, fica claro que o modelo calcado na industrialização não pode ser generalizado e não conduz à distribuição da renda e da riqueza produzida mundialmente, tampouco promove o bem estar para a maioria da população. Isso, pois, segundo Arrighi (1997):

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Os processos de exclusão são tão importantes quanto os processos de exploração. [...], esses últimos se referem ao fato de a pobreza absoluta ou relativa dos Estados periféricos ou semiperiféricos induzir continuamente seus dirigentes e cidadãos a participar da divisão mundial do trabalho por recompensas marginais que deixam o grosso dos benefícios para os dirigentes e cidadãos dos Estados do núcleo orgânico (ARRIGHI, 1997, p. 217).

Seguindo essa análise, compreende-se que os processos de exclusão e concentração de riqueza são complementares no modo de produção sociometabólico do capital (MÉSZÁROS, 2011). Os processos de exploração fornecem aos países do núcleo orgânico do capital e a seus agentes os meios para iniciar e sustentar os processos de exclusão. Os processos de exclusão, por sua vez, geram a pobreza necessária para induzir os dirigentes e cidadãos dos países periféricos e semiperiféricos a buscar continuamente a reentrada na divisão mundial do trabalho em condições desfavoráveis a eles próprios. Arrighi (1997) compreende que a industrialização da periferia e da semiperiferia foi, em último caso, um canal, não de subversão, mas de reprodução da hierarquia da economia mundial.

Ao trazer para dentro de suas fronteiras algumas das características dos países mais ricos, como a industrialização e a urbanização, os governos dos países periféricos e semiperiféricos esperavam (e de certa forma ainda esperam) desvendar o segredo do sucesso e, dessa maneira, atingir o nível de riqueza e poder dos países mais ricos. A célebre metáfora do “bolo” (“é preciso primeiro esperar o bolo crescer, para só então distribuí-lo”), proferida pelo ex-ministro da fazenda do Brasil, Delfin Neto, nos anos 1970, talvez seja fruto desta “ilusão” em acreditar que a industrialização promoveria o crescimento e, logo após, a distribuição da riqueza. Os países ricos, com isso, conseguiram manter o padrão de renda e riqueza relativamente na mesma proporção de distância com relação aos países pobres e, em alguns casos, a diferença de renda entre as populações dos países ricos e a população dos países pobres chegou a aumentar significativamente na década de 1980 (ARRIGHI, 1997).

A busca desenfreada pela industrialização, como sinônimo de crescimento econômico generalizado, que pudesse ser permanentemente sustentado e levasse os países pobres a condições econômicas e sociais similares aos países ricos, constituiu-se numa verdadeira ilusão. De acordo com Arrighi (1997),

Quanto mais os Estados nacionais competem entre si no fornecimento de espaços produtivos seguros, rentáveis e de suprimento de mão-de-obra barata e disciplinada, piores eram os termos que cada um deles obtinha pelo desempenho dessas funções subordinadas na acumulação global do capital (ARRIGHI, 1997, p. 236).

As condições de trabalho para as quais são submetidos milhões de trabalhadores em diferentes regiões dos países pobres e em países considerados ricos indicam que a

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industrialização não apenas deixou de promover o tão sonhado “desenvolvimento”, mas, pelo contrário, promoveu a mutilação, a carga horária de trabalho excessiva e, em muitos casos, a ausência de direitos trabalhistas que pudessem promover a integridade e a dignidade dos trabalhadores. Basta ressaltar que os índices de mutilação e de doenças laborais que acometem os trabalhadores da indústria calçadista espalhados por vários países do mundo são bastante altos, sobretudo em países como Vietnã, China, Índia e Brasil (SANTOS, L., 2008).

A análise crítica feita por Arrighi (1997) traz uma contribuição muito peculiar quanto à compreensão do processo de industrialização e do desenvolvimento econômico. Porém, de acordo com Souza (1997), a ideia de desenvolvimento, sobretudo a de desenvolvimento socioespacial, deve ser encarada numa vertente multiescalar (global, nacional, regional e local) que possa abrir margem à autonomia dos agentes posicionados nessa escala para a decisão a respeito das estratégias e políticas de desenvolvimento. Segundo Souza (1997), urge, nos dias atuais, a formulação de uma “teoria aberta do desenvolvimento sócio-espacial”, onde o caráter multidimensional, multifacetado e multiescalar possam não apenas levar em conta a escala mundial, mas também as escalas nacional, regional e local.

Para Souza (1997; 2003), o conceito de desenvolvimento não se esgota na dimensão puramente econômica. Refletindo a respeito da importância do espaço geográfico para a “teoria do desenvolvimento”, o autor busca fomentar a dimensão socioespacial do mesmo, de modo que os aspectos econômicos, políticos, culturais e ambientais possam ser expostos e levados em conta na formulação de novas abordagens a respeito da temática.

Ratificando a crítica, àqueles que limitam a ideia de desenvolvimento apenas ao viés econômico, Souza (1997) destaca que as tentativas de quantificação de elementos que pudessem “medir” o grau de desenvolvimento de determinado país, inclusive por meio da noção de renda per capita, podem representar uma ficção estatística, uma vez que nada revelam a respeito da distribuição da riqueza socialmente produzida. Os milhares de empregos, gerados com a industrialização, em inúmeros países e regiões pobres em todo o mundo, não produziram verdadeiros saldos positivos na distribuição da riqueza. Pelo contrário, a industrialização desses países ocorreu em virtude dos baixos salários pagos à força de trabalho e da possibilidade das grandes empresas transnacionais conseguirem concentrar mais riqueza e ampliar a exploração sobre a força de trabalho.

A obsessão pelos números, pela posição no ranking industrial, a euforia por vencer a concorrência na atração de novos investimentos, o crescimento do PIB, tudo isso parece suplantar qualquer ideia de desenvolvimento mais amplo do ponto de vista de possibilitar a maior autonomia da população dos municípios onde, por exemplo, as grandes fábricas de

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calçados estão instaladas. Autonomia essa que deve ser respeitada até mesmo quando determinados grupos humanos resolvem rejeitar os padrões de sociabilidade e consumo difundidos pelo mundo moderno.

Apesar da multiplicidade de visões e críticas a respeito da ideia de desenvolvimento capitalista, o crescimento econômico continua a se constituir como o grande objetivo dos governos nas diferentes escalas de análise. A oportunidade de uma interação local e até mesmo regional efetiva que possa fazer emergir os distritos industriais “marshallianos” ou os arranjos produtivos locais com possibilidades para incluir amplos setores de diversos seguimentos produtivos/criativos/educacionais e culturais (e, por que não, autonomia política classista), não entram na pauta da discussão quando da decisão da instalação de grandes empreendimentos industriais, sem mencionar que as populações locais podem ter sua base produtiva completamente alterada e criar um vínculo de dependência com uma única empresa5.

O espaço das grandes empresas é tratado pelo Estado como um espaço diferenciado do espaço “banal” e é favorecido pelas ações de planejamento e aplicações orçamentárias estatais. O resultado desse favorecimento para as grandes empresas e discriminação para com os outros espaços é o quase abandono das populações (SANTOS, M., 2003). É sabido que a supervalorização da abordagem econômica e industrial não pode ser encarada como a única vertente do desenvolvimento em geral e, até mesmo, deve ser criticada pelo fato de que, segundo Souza (1997), o modo de produção vigente não pode abdicar do imperativo do crescimento, da espiral da degradação ambiental e da exclusão socioespacial. Tais características do capitalismo parecem ser um fato bastante sério e não podem ser corrigidas mediante ajustes econométricos.

Dessa forma, a abordagem escalar é importante no sentido de entender o processo, não só de industrialização, mas também das estratégias de desenvolvimento. Evocando a particularidade dos recortes espaciais e temporais, Souza (1997) entende que o “desenvolvimento” (enquanto meta aceita e acordada entre os membros de uma sociedade) deve ser atrelado a cada um destes recortes, levando-se em conta o universo cultural e social particular, sendo logo, em um nível de detalhe que se preste à operacionalização, variável, plural.

O termo “autonomia” é evocado por Souza (2003) para questionar a imposição de uma

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Às vezes, nem mesmo essa grande fábrica interage com o local, agindo como um enclave; é como se não existisse e somente sugam do lugar suas forças – a juventude e a energia dos trabalhadores, os recursos ambientais etc.

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determinada concepção e “estratégia de desenvolvimento” (acrescentaríamos: de industrialização) de cima para baixo. A autonomia se constitui, para Souza (2003), na base do desenvolvimento, o processo de auto-instituição da sociedade rumo a mais liberdade e menos desigualdade. A repartição do poder de decisão entre as populações de determinado recorte espacial, não raro doloroso (pois encontra a resistência de determinados agentes privilegiados), mas muito fértil, não está presente nos planos governamentais, sobretudo nos planos de alocação de grandes fábricas. O autor esboça uma concepção de desenvolvimento onde a territorialidade assume importância capital. Segundo o autor:

[...] sem que se aborde preliminarmente essa questão, que é a questão do exercício do poder de decidir em uma sociedade (e não apenas no âmbito amesquinhado de um “projeto de desenvolvimento”), o discurso da emancipação cultural, da tecnologia adaptada etc. cairá no vazio (SOUZA, 2003, p. 103).

Levando-se em conta esta abordagem a respeito do poder decisório, pode-se afirmar que o fenômeno da expansão das indústrias em direção aos países “pobres” deve ser analisado não como uma garantia de desenvolvimento socioespacial, mas apenas de crescimento econômico e produtivo. Dessa forma, os ganhos de eficiência e produtividade econômica dos países e regiões onde essas indústrias são instaladas promovem uma aceleração da circulação de bens e pessoas, porém a objetividade dessa eficiência embutida no próprio espaço é o pré-requisito da acumulação de capital, e não a melhoria das condições de vida. Assim, afirma Souza (1997):

[...] a organização espacial precisa estar em consonância com as relações de produção e necessidade tecnológica, com as relações de poder e com as representações sociais – enfim, com o imaginário instituído – de uma dada sociedade, e precisará ser modificado para adaptar-se a cada transformação social (SOUZA, 1997, p. 29).

O espaço geográfico, em suas múltiplas dimensões e escalas, tem um papel importante na concepção e formulação de estratégias de desenvolvimento, sobretudo no que se refere à efetivação da autonomia das populações de determinadas regiões e países periféricos. A forma como o espaço se apresenta está estreitamente ligada à forma como se dão os processos sociais. Os processos desencadeados pela dinâmica do sistema econômico capitalista, nesse sentido, imprimiram uma suposta homogeneização econômica e funcional do espaço para atender os objetivos de acumulação e exclusão. Conforme Brandão (2007):

O processo homogeneizador é atinente à imposição do capital, em qualquer espaço, de seus pressupostos imanentes; à capacidade do capital em incorporar massas

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humanas à sua dinâmica; à atração de todos os entes à órbita de seu mercado; à subordinação a si de todas as unidades societárias; busca de construção de um espaço uno de acumulação à destruição de quaisquer barreiras espaciais e temporais que possam gerar atrito e fricções a seu movimento geral (BRANDÃO, 2007, p.73).

Deixando de considerar as características e fatores sociais próprios nas diferentes regiões e localidades, os governos dos estados nacionais (principalmente em países sulamericanos e asiáticos) aceitam a suposta homogeneização imposta pelas forças econômicas industriais e formulam estratégias para a alocação de grandes empreendimentos produtivos. As populações de diferentes países, estados e regiões do mundo, principalmente as populações dos países de industrialização tardia (Brasil, México, Chile etc), não são incluídas nos diálogos a respeito dos projetos de desenvolvimento e de instalação de fábricas em suas localidades, tendo, muitas vezes, modificada fortemente a dinâmica de suas vidas e ampliadas as péssimas condições de sobrevivência a que são submetidas.

1.3. GLOBALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E O MODELO DE ACUMULAÇÃO

Para facilitar a fluidez do capital e proporcionar às empresas uma maior lucratividade, os Governos dos países têm negociado protocolos bilaterais, o que leva, preponderantemente, a desobrigações dos Estados para com os serviços públicos e ao favorecimento das atividades privadas (SANTOS, 2001). As ideias neoliberais6 tornam-se hegemônicas, e o estímulo à concorrência provoca disputas entre Governos estaduais e municipais por investimentos privados.

No Brasil, a partir da década de 1990, a concorrência entre municípios e estados no sentido de atrair investimentos econômicos, sobretudo unidades fabris que pudessem dar origem a um número significativo de empregos, passou a ser chamada de “guerra fiscal” ou “guerra dos lugares”. Esse processo de competição entre os países e unidades subnacionais pode ser interpretado como o resultado de uma busca mais voraz e constate das grandes corporações empresariais no sentido de manter favoráveis as taxas de lucros. Isso reflete as transformações no modelo de acumulação pós-fordista.

Após a Segunda Guerra Mundial, o fordismo, regime de acumulação intensiva, pôde ser aplicado em alguns países considerados subdesenvolvidos. Isso porque a produção havia

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Apesar de em alguns países da América Latina ter ocorrido a chegada ao poder de governantes que se intitulam contrários às ideias neoliberais, o livre comércio continua a ser apregoado por muitos integrantes desses governos (vide o caso Brasil) como a única via necessária para se alcançar o crescimento econômico.

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incorporado o consumo de massa no mercado interno, em países centrais da economia capitalista, sobretudo nos Estados Unidos da América, em proporção aos ganhos de produtividade. Em outras palavras, a produtividade e a lucratividade estavam proporcionalmente associadas à incorporação do consumo. Com o crescimento dos salários nos países centrais sob modelo fordista de acumulação (Estados Unidos, Inglaterra etc.), o objetivo principal era um novo modo de regulação que permitisse o pleno crescimento econômico, pelo acréscimo de uma vertente na qual a adaptação contínua do consumo de massa fizesse crescer os ganhos de produtividade (LIPIETZ, 1988).

Para Lipietz (1988), a crise do modelo fordista de acumulação tornou-se mais clara entre os anos 1967 – 1974. Segundo ele, o fato mais claro da crise do regime de acumulação consiste na desaceleração geral dos ganhos de produtividade nos países centrais, que começou no fim da década 1960 e afetou até os ramos mais tipicamente fordistas, como, por exemplo, a indústria automobilística. Justamente durante a década de 1970, o Brasil e outros países de industrialização tardia começaram a obter ganhos significativos na produção e exportação de calçados. Conforme se pode observar nos dados a respeito das exportações de calçados contidos no Gráfico 1, houve um crescimento significativo nos últimos 40 anos.

Gráfico 1: Brasil - exportações de calçados - 1970 a 2008

FONTE: Elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira, com base em ABICALÇADOS, 2009

Entre 1994 a 2004, a produção mundial de calçados deslocou seu eixo de produção em direção aos países asiáticos, tanto por um aumento do consumo interno em algumas partes do mundo como por uma verdadeira revolução em termos de terceirização, exportação e

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afirmação de marcas.

Os números contidos na Tabela 1 podem evidenciar o grande avanço do continente asiático e, em particular, da Ásia oriental; passaram de um percentual total de 67,7% de produção mundial de calçados, em 1994, para 83,3%, em 2004 (SANTOS, F; DIAS, A. M., 2007).

Tabela 1

Principais países produtores de calçados: 1994 e 2004

Países Milhões de pares

em 1994 Milhões de pares em 2004 Variação % China 3.750 8.800 135 Índia 540 850 57 Brasil 590 750 27 Indonésia 436 564 29 Itália 471 281 -40 Vietnã 135 445 230 Tailândia 350 260 -26 Paquistão 175 250 43 França 155 53 -66 Portugal 110 86 -22 Espanha 190 147 -23 Reino Unido 106 16 -85 E.U.A 234 35 -85 Japão 245 102 -58 Demais países 2.269 1.751 -23 Produção Mundial 9.756 14.390 47

FONTE: elaborado por Ildo Rodrigues Oliveira com base em SANTOS, F; DIAS, AIRTON M., 2007.

É evidente o declínio dos países tradicionalmente produtores de calçados, principalmente no período de 1994/2004. A Itália, que se constituía em uma referência mundial em produção e exportação de calçados na década de 1970, passou de 471 milhões de pares produzidos em 1994 para 281 milhões de pares em 2004; a Espanha caiu de 190 milhões para 147 milhões de pares; Portugal passou de 110 milhões de pares para 86 milhões; França caiu de 155 milhões para 53 milhões; Reino Unido teve queda de 106 milhões para 16 milhões (SANTOS, F; DIAS, AIRTON M., 2007).

Com a crise do modelo fordista de produção, desenvolvem-se novos mecanismos para manter os ganhos de produtividade das empresas calçadistas. Além de muitas empresas instalarem suas unidades fabris em países considerados subdesenvolvidos (como o Brasil e a China), o toyotismo tornou-se, no Japão, uma resposta à crise do modelo fordista.

No modelo toyotista de gestão da produção, contrariamente ao fordismo, o operário torna-se polivalente; no lugar da linha de montagem individualizada, os operários são

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integrados em uma equipe; em vez da produção em massa, a empresa produz sob demanda para evitar custos com perdas e estoques. Com o toyotismo, a produção é variada, diversificada e pronta para suprir as encomendas dos consumidores. É o consumo que influencia a decisão a respeito do que será produzido e não o contrário como se procedia na produção em série e de massa do fordismo (ANTUNES, 2010).

Considerando a crise do fordismo no final da década de 1960, com a dificuldade em manter a regularidade do crescimento dos ganhos de capital e manter também a regularidade do crescimento do consumo, o grande capital, representado por empresas transnacionais, vê no exterior (sobretudo na China, Índia e Brasil) um reservatório onde existe aquilo que não poderia, naquele momento, estar disponível nos países centrais da economia capitalista: força de trabalho barata e matéria prima em abundância, bem como a ampliação do mercado de consumo.

Dados divulgados pelo Banco Mundial, em 1995, apontam que a força de trabalho global dobrou de tamanho entre 1966 e 1995, sendo que a maior parte dessa força de trabalho assalariada vivia nas mais lamentáveis condições (HARVEY, 2006). Nesse contexto de precarização das condições de vida em diversos países, começam a surgir os Novos Países Industrializados (NPIs), onde uma espécie de fordismo periférico é colocada em prática com o objetivo de aumentar os ganhos de produtividade e de lucratividade das grandes empresas monopolistas, através da utilização intensa de força de trabalho e da grande demanda encabeçada pelas pessoas do grupo de renda classes média e alta dos países periféricos. Segundo Harvey (1992),

Foi também perto dessa época [1966 - 1967] que as políticas de substituição de importação em muitos países do Terceiro Mundo (da América Latina em particular), associada ao primeiro grande movimento das multinacionais na direção da manufatura no estrangeiro (no Sudeste Asiático em espacial), gerando uma onda de industrialização fordista competitiva em ambientes inteiramente novos, nos quais o contrato social com o trabalho era fracamente respeitado ou inexistente (HARVEY, 1992, p. 135, acréscimo nosso).

Corroborando com os argumentos de Harvey (1992), Wallerstein (2009) destaca que no bojo das mudanças geopolíticas no sistema-mundo a década de 1970 foi intitulada pelas Nações Unidas como a década do desenvolvimento. Conforme Wallerstein (2009), o que se presenciou nessa década do desenvolvimento foi justamente o contrário do que se poderia vislumbrar:

Os anos 1970 se tornaram a década da morte do desenvolvimento como idéia e como política. O que aconteceu foi que a expansão da economia-mundo tinha

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