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A influência da academia e do terceiro setor para a constituição do

CAPITULO III – A (RE) CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO DAS PRÁTICAS

3.5 A influência da academia e do terceiro setor para a constituição do

Em 1989, a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) “Amigos da Terra124” foi criada. No ano de 2000, a OSCIP lançou o projeto “Eco-Finanças” que, segundo informações em sua página eletrônica, visa “assegurar que investimentos e financiamentos de instituições financeiras minimizem o impacto adverso sobre os recursos naturais, [e que] estimulem o desenvolvimento sustentável e respeitem as comunidades eventualmente afetadas por seus projetos125”. Deste modo, o projeto “Eco-Finanças” procura desenvolver atividades na interface entre as instituições financeiras e o meio-ambiente. Uma das atividades do projeto consistiu no treinamento de mais de 1500 funcionários do Banco ABN AMRO Real em 2002 (MANO, 2004).

Este treinamento é emblemático, pois apresenta uma convergência entre um projeto do terceiro setor [Eco-Finanças] liderado por atores sociais atuantes na esfera acadêmica126 da Fundação Getúlio Vargas-EAESP, aplicado em um banco comercial privado (ABN AMRO Real). Este encontro permitiu a criação de um espaço de convergência entre os líderes do Banco ABN AMRO REAL que vinham desenvolvendo projetos na área da Sustentabilidade com líderes interessados em criar e monitorar estas práticas a partir da área acadêmica e do terceiro setor.

Os participantes do projeto Eco-Finanças que atuaram no treinamento dos gerentes do ABN AMRO Real foram o então seu coordenador, Mário Monzoni, e a então responsável pela comunicação, Gladis Ribeiro. Juntos com Rubens Mazon criaram em 2003,

124 A ONG amigos da terra- Amazônia Brasileira é parceira de uma rede internacional chamada Friends of the Earth. http://www.foe.org/ Acessado em 16 de fevereiro de 2009 .

125Informação disponível em

http://ef.amazonia.org.br/?fuseaction=guiaDetalhes&id=223366&tipo=6&cat_id=157&subcat_id=549 Acessado em 11 de fevereiro de 2009.

126 No ano de 2000, a Amigos da Terra criou um programa de cooperação com a Fundação Getúlio Vargas.

Informação disponível em

http://www.ces.fgvsp.br/index.cfm?fuseaction=content&IDassunto=43&IDsubAssunto=26&IDidioma=1 Acessado em 16 de fevereiro de 2009

o Centro de Estudos de Sustentabilidade (CES) na Fundação Getúlio Vargas com o intuito de disseminar o conceito de Sustentabilidade no mundo dos negócios.

A Fundação Getúlio Vargas já estava atuando em estudos sobre a ética nos negócios através da criação do Centro de Estudos de Ética nas Organizações (CENE) em 1997. Este centro cooperava com a FIDES127. Assim, no âmbito das instituições acadêmicas, a Fundação Getúlio Vargas, tanto pela existência do CENE em 1997 como pela posterior criação do CES em 2003, procura criar um perfil diferenciado de administradores e economistas com a ênfase na Sustentabilidade.

O ano de 2003 foi marcado pelo crescimento de arranjos institucionais com o intuito de colocar o setor financeiro no debate da Sustentabilidade. O contexto internacional que contribuiu para a elaboração do CES foi o lançamento da Declaração de Colevecchio128

em 2003 com o intuito de conscientizar o setor financeiro para o Desenvolvimento Sustentável. A declaração foi elaborada em 2002 em um encontro na cidade de Colevecchio na Itália no qual o então coordenador do projeto Eco-Finanças, Mário Monzoni, esteve presente.

O CES virou referência no desenvolvimento de atividades e ferramentas para a inserção da Sustentabilidade no mundo dos negócios. Dentre os projetos do CES, aparece o desenvolvimento da metodologia para a elaboração da carteira teórica do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bovespa.

A participação do CES no ISE é por eles entendida como uma atividade dentro de um campo maior que o instituto denomina Finanças Sustentáveis que “diz respeito à atuação do sistema financeiro de forma economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente correta129”. Assim, “Finanças Sustentáveis” procura englobar todas as atividades desenvolvidas pelo setor financeiro para alcançar o Desenvolvimento Sustentável 127 Informações disponíveis em http://www.eticaempresarial.com.br/site/pg.asp?cat_pai=112&pag=2&subcat=2&tit=2&m=1&mdata=sim&orde nacao=DESC&mcat=2&nomecat=n&pagina=subcategorias&tit_pagina=%C3%89TICA%20E%20NEG%C3%9 3CIOS e http://www.eticaempresarial.com.br/site/pg.asp?pagina=detalhe_artigo&codigo=166&tit_pagina=ENTREVIST AS&nomeart=n&nomecat=n Acesso em 27 de janeiro de 2010

128 A declaração de Colevecchio foi lançada em 2003 no Fórum Econômico Mundial. A declaração é composta por 6 princípios os quais devem ser abraçados pelas instituições financeiras para tornarem o seu impacto positivo na sociedade. São eles: (1) Compromisso com a sustentabilidade; (2) Compromisso de não provocar dano (3) Compromisso com a Responsabilidade; (4) Compromisso com a prestação de contas (5) Compromisso com a transparência (6) Compromisso com a sustentabilidade dos mercados e da governança. A declaração foi lançada por uma rede chamada Bank Track formada por militantes advindos dos meios da Friends of the Earth. No Brasil, a OSCIP Amigos da Terra é representante da Bank Track e portanto é signatária da declaração de Colevecchio. Informações disponíveis em http://edmarrp.wordpress.com/biblioteca/declaracao-de-collevecchio- sobre-as-instituicoes-financeiras-e-a-sustentabilidade/ acessado em 16 de fevereiro de 2009

129 http://www.ces.fgvsp.br/index.cfm?fuseaction=content&IDassunto=80&IDsubAssunto=209&IDidioma=1 Acessado em 16 de fevereiro de 2009

tanto na questão do investimento (Investimento Socialmente Responsável), concessão de crédito e inclusão bancária. O CES, junto ao Internacional Finance Corporation (IFC) e com o apoio da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN) lançou em 2005, o Fórum Latino Sobre Finanças Sustentáveis (LASFF) com o objetivo de “promover o desenvolvimento de práticas e iniciativas em sustentabilidade para o setor financeiro da América Latina130”

Segundo o LASFF, um dos aspectos das Finanças Sustentáveis é o mercado de capitais que engloba as práticas de Investimento Socialmente Responsáveis que “usam critérios sociais, ambientais, éticos ou de governança na seleção ou gerenciamento dos portfólios131”.

No que concerne à questão de inserir critérios extra-financeiros na decisão de investimentos, o CES amplia a sua atuação para além da esfera do mercado de capitais através de seu projeto “New Ventures”.

O projeto New Ventures surge em 2004 pela iniciativa de Luiz Eduardo Passos Maia, através de seu contato com a rede mundial do programa New Ventures, pelo World Resources Institute132 em Washington nos Estados Unidos. Segundo Monzoni, Luiz Maia o procurou e sugeriu que o CES hospedasse e executasse o projeto. Segundo Monzoni, “O Maia está com a gente desde o começo, na verdade o Maia é o começo e ele estava [no projeto New Ventures] já antes da gente”. (MONZONI, 2008133).

Segundo informações em sua página eletrônica, o programa New Ventures procura “apoiar empreendedores no amadurecimento dos seus modelos de negócio, capacitá- los na incorporação de sustentabilidade à gestão dos empreendimentos, e aproximá-los de investidores-anjos e de fundos de capital empreendedor134”. O programa New Ventures é uma iniciativa do Sustainable Enterprise Program do World Resources Institute, uma organização não governamental norte americana. O programa é realizado no Brasil135, na China, na Indonésia, no México e na Índia.

Se por um lado, o conceito de Investimento Socialmente Responsável encontra eco no mercado de capitais através da incorporação de critérios de análises extra-financeiros

130 http://www.lasff.org/pt/index.cfm?fuseaction=conteudo&idSecao=38 Acessado em 16 de fevereiro de 2009. 131 http://www.lasff.org/pt/index.cfm?fuseaction=conteudo&idSecao=46 Acessado em 16 de fevereiro de 2009. 132 O World Resources Institute também criou uma cooperação institucional com a FIDES. http://www.eticaempresarial.com.br/site/pg.asp?pagina=detalhe_artigo&codigo=166&tit_pagina=ENTREVIST AS&nomeart=n&nomecat=n Acesso em 27 de janeiro de 2010

133 Fala de palestra do Fórum do Investidor realizado na Bolsa de Valores do Estado de São Paulo em 11 de dezembro de 2008.

134 http://www.new-ventures.org.br/ Acessado em 16 de fevereiro de 2009.

135 No caso brasileiro, o New Ventures é apoiado pelo Banco ABN AMRO Real, Natura e Citi Group além de ter parceria com o projeto Inovar da FINEP.

na formação de uma carteira de investimentos, o projeto New Ventures procura incorporar nos investidores o princípio de investimento em negócios de base tecnológica136 sustentáveis.

No caso brasileiro, o CES elabora a ferramenta para definir quais são os melhores empreendimentos sustentáveis para serem apresentados aos investidores. Os investidores deste tipo de empreendimento são chamados investidores-anjo, uma tendência que vem crescendo no país (ARAGÃO, 2008). Os investidores anjos são, na maioria das vezes, empresários, herdeiros com alto poder aquisitivo que aplicam seu próprio capital e experiência em um empreendimento (ARAGÃO, 2008; VIEIRA, 2008). O intuito do New Ventures é incorporar empreendimentos sustentáveis na carteira de investimentos dos investidores anjos.

Em conferência realizada em 2008, Luiz Eduardo Passos Maia anunciou a criação de um fundo no qual o portfólio seria composto por empresas eleitas pelo New Ventures. Este fundo segue a lógica do ISE no sentido de que reúne os melhores empreendimentos sustentáveis, com a diferença de que se dirige para um público de investidores fora do mercado de capitais e reúne em seu portfólio empresas de pequeno e médio porte que estão ainda em sua fase de nascimento.

Assim, como executor do programa New Ventures e de metodologia do ISE o CES, em parceria com as empresas e com o terceiro setor, se situa na posição de propagação da idéia de Investimento Socialmente Responsável ao criar137 as diferentes ferramentas de análise da atuação sustentável das empresas ao mesmo tempo em que cria e legitima um mercado próprio de atuação. A militância da instituição pela implementação do ISR fica explícita na fala de Monzoni (2008) quando afirma que a “Sustentabilidade será o mainstream – não haverá outra possibilidade de investimento que não incorpore questões de governança, sociais e ambientais”.

Na França, o mercado do Investimento Socialmente Responsável ganhou impulso a partir da criação de uma agência de notação social chamada ARESE, ou seja, a partir da existência de um grupo reconhecido como expert na temática em atribuir notas para as empresas sustentáveis. Posteriormente, outras agências surgiram. (LOISELET, 2003). O CES da Fundação Getúlio Vargas ocuparia no Brasil uma posição análoga à ARESE no

136 O projeto foca empresas pequenas e médias que têm dificuldades de acesso ao crédito nos bancos comerciais. O intuito do projeto é servir de ponte para os investidores ávidos por novos empreendimentos e empreendedores ávidos por financiamentos. Empresas como a Google e a Microsoft surgiram a partir do aporte de investidores anjos.

137 Além da incorporação de critérios de sustentabilidade nos projetos New Ventures e ISE, o CES anunciou uma parceria com o Centro de Estudos em Private Equity para analisar a sustentabilidade presente nesta forma de investimento.

começo do mercado ISR na França, pois consiste no único grupo de profissionais que não atua no mercado financeiro a disponibilizar este tipo de serviço de notação social.

Se por um lado temos os atores sociais que circularam na esfera do terceiro setor e da academia, por outro temos a segunda geração que também passou pelo projeto Eco- Finanças e ao encontrar o mercado do ISR mais estruturado, formou a consultoria “Finanças Sustentáveis” com o intuito de “contribuir para que as empresas gerem valor econômico, social e ambiental138”. Seus idealizadores, os ex-bancários, Cássio Trunkl e Victorio Mattarozzi realizaram a elaboração dos critérios sócio-ambientais do Índice de Sustentabilidade em suas versões de 2005-2006.

Assim, os desenvolvimentos institucionais na área da Sustentabilidade e das Finanças no começo do século XXI, abriram o espaço para que profissionais com passagem pelo terceiro setor encontrassem um nicho de atuação: enquanto o primeiro grupo buscou a consagração pela esfera acadêmica, o segundo buscou a consagração na esfera do conselho especializado a partir da criação de uma consultoria. Ambos os grupos tiveram uma ligação com o Índice de Sustentabilidade Empresarial apontando para a tendência de que, uma passagem pela esfera do ISE torna o profissional legítimo para a atuação no âmbito das Finanças Sustentáveis.

3.6 A influência Internacional para a constituição do mercado do Investimento