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O terceiro momento: caminhando para a idéia de Sustentabilidade

CAPITULO III – A (RE) CONSTITUIÇÃO DO ESPAÇO DAS PRÁTICAS

3.2 O terceiro momento: caminhando para a idéia de Sustentabilidade

Paralelamente ao desenvolvimento da idéia de Responsabilidade Social e Investimento Social Privado, a década de 90 apresentou dois movimentos que possibilitaram a eclosão da idéia de Sustentabilidade Empresarial: a incorporação da idéia de Desenvolvimento Sustentável a partir da realização da conferência mundial sobre o meio ambiente (ECO-92) e o desenvolvimento do conceito de Governança Corporativa no Brasil.

O conceito de Desenvolvimento Sustentável foi difundido através da United Nations Conference on Environment and Development UNCED-92, porém a origem oficial do conceito é comumente atribuída ao relatório divulgado pelas Nações Unidas em 1987 intitulado, “Our Common Future” ou “Relatório de Brundtland” segundo o qual, “a humanidade tem a habilidade de realizar o Desenvolvimento Sustentável para garantir que ela satisfaça as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades 95” (BRUNDTLAND, 1987)

A UNCED-92 tem como um de seus desdobramentos a constituição da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) criada por Israel Klabin

94 AKATU, Instituto. Hélio Mattar : « eu sou um sonhador, mas não sou o único ». In Notícias Akatu. 13 /05/2010. Disponível em http://www.akatu.org.br/central/noticias_akatu/2010/helio-mattar-201ceu-sou-um- sonhador-mas-nao-sou-o-unico201d Acesso em 10 de Agosto de 2010.

95 Tradução do trecho [humanity has the ability to make development sustainable to ensure that it meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs] por Marina Sartore.

com o objetivo de ser um think tank sobre as práticas sustentáveis dos empresários aliando conhecimento prático e científico96.

No plano internacional, a UNCED-92 provocou a criação do World Business Council for Sustainable Development (WBCSD), uma associação global de executivos que lidam com a Sustentabilidade e os negócios97 e que, em 1997 lançaram a sua filial brasileira, o Conselho Empresaria Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) que reúne líderes empresariais brasileiros sob o comando de Fernando Almeida.

Israel Klabin nasceu em 1926 e participou, em 1960 do Conselho Consultivo da empresa familiar Klabin Celulose e Papel98. Em 1979 foi prefeito do Rio de Janeiro e acabou se engajando em prol de causas ambientais o que o levou a fundar a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, atuando, portanto, no terceiro setor. Desta maneira, Klabin contribui para uma distinção entre o empresário tradicional que atua fora do âmbito político e social e o empresário que atua no âmbito político e social.

Nascido em 1952, Fernando Almeida fez pós-graduação em engenharia ambiental nos Estados Unidos. Quando voltou, trabalhou em agências público-estatais, na área acadêmica e como consultor. Acabou participando das discussões da Eco-92 as quais o inspiraram para a publicação de seu primeiro livro em 2002, “O Bom negócio da sustentabilidade”. Desta maneira, Fernando Almeida passou a ser um dos porta-vozes da atuação empresarial para o desenvolvimento sustentável da sociedade99.

Assim, se por um lado, tanto a FBDS quanto o CEBDS eram desenvolvidas no Rio de Janeiro associando as ações sociais do empresariado com o meio ambiente e com uma visão do longo prazo a partir das idéias explicitadas na UNCED-92, em São Paulo, era desenvolvida a idéia de Investimento Social Privado e de Responsabilidade Social Empresarial, esta última influenciada pelo Business for Social Responsibility. Em outras palavras, enquanto no Rio, nasce uma ação empresarial priorizando o meio-ambiente e uma visão de longo prazo, em São Paulo é estruturada a idéia de ação empresarial para voltada para os stakeholders.

Mesmo que a idéia de ação do empresário em prol da sociedade ganhou espaço, a idéia de que o executivo deve prestar contas para o acionista foi desenvolvida

96 Dados retirados de http://www.fbds.org.br/article.php3?id_article=66 Acessado em 09 de fevereiro de 2009.

97 Informações sobre o WBCSD disponível em

http://www.wbcsd.org/templates/TemplateWBCSD5/layout.asp?type=p&MenuId=NjA&doOpen=1&ClickMenu =LeftMenu

98 Informação Disponível em http://www.klabin.com.br/pt-br/klabin/historicoKlabin.aspx acesso em 29 de Março de 2010

99 Dados retirados de http://www.fernandoalmeida.com.br/perfil/index.asp?pag=perfil Acesso em 28 de Março de 2010.

paralelamente junto ao crescimento dos investidores institucionais, do mercado financeiro e dos hostile takeovers (OCASIO, 2005). O retorno às idéias de Friedman (1970) pode ser associado ao surgimento da Governança Corporativa com o intuito de desenvolver ferramentas para que a relação entre o executivo e o acionista seja transparente, priorizando os interesses dos acionistas.

Segundo Grün (2003, p.03), a Governança Corporativa acaba se confundindo com o processo de financeirização o qual aponta a “prevalência absoluta do ponto de vista financeiro sobre outras considerações na estratégia da empresa e a focalização deste na valorização do retorno dos investimentos dos acionistas”.

Segundo Ocasio (2005), o contexto dos escândalos de prestação de contas representados pelo caso da ENRON levou os acionistas norte-americanos a recuperarem o movimento da Governança Corporativa como uma ferramenta de criação de valor e construção da transparência na relação entre proprietário e executivo. Esta concepção é introduzida no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

O IBGC foi formalmente fundado em 1999 como um desdobramento do Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração fundado em 1995. “A idéia era fortalecer a atuação [do] órgão de supervisão e controle nas empresas. Com o passar do tempo, entretanto, as preocupações se ampliaram para questões de propriedade, diretoria, conselho fiscal e auditoria independente100”.

A biografia de José Guimarães Monforte, representante do IBGC no Conselho do Índice de Sustentabilidade Empresarial é representativa do tipo de profissional ligado ao IBGC. Ele atua com gestão de patrimônios e participa de diferentes Conselhos de Administração, inclusive no exterior. Da mesma forma, os agentes ligados ao surgimento do IBGC são profissionais internacionalizados [o próprio fundador do IBGC não é brasileiro], atuantes em São Paulo e representam o grupo de acionistas de grandes empresas 101.

Observa-se, portanto o surgimento de dois movimentos, à primeira vista, paradoxais: enquanto a Responsabilidade Social Empresarial, representada pelo Instituto Ethos, prega o foco das ações do executivo nos públicos interessados, a Governança

100 Dados disponíveis em http://www.ibgc.org.br/Historico.aspx Acesso em 03 de julho de 2010.

101 Para o fundadores do IBGC foram mapeados dois nomes na página eletrônica do Instituto. A biografia de José Guimarães Monforte foi introduzida, pois ele é o representante do IBGC na formação das primeiras versões do conselho do ISE.

Corporativa, representada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa102, prega o foco nas boas relações das empresas com seus acionistas.

Este paradoxo é ao menos aparentemente solucionado no âmbito do setor financeiro através da progressiva incorporação da dimensão da Responsabilidade Social Empresarial como um dos pilares da Governança Corporativa. Segundo Sartore (2006), esta união é particularmente bem evidenciada no setor bancário brasileiro que passou a ser um dos setores mais atuantes em RSE no Brasil. Este setor apresenta uma distinção: Se por um lado, os bancos comerciais associam as suas práticas de Responsabilidade Social às suas Fundações, por outro, eles incorporam os princípios da Responsabilidade Social Empresarial em seu setor de Relações com Investidores (RI).

Incorporar as dimensões sociais da empresa (todos os seus stakeholders) junto a sua dimensão financeira (shareholder) passou a significar Sustentabilidade Empresarial. Esta nova significação é simbolizada pelo depoimento de Cunha ao relatar o motivo pelo qual o Banco Real não publica o “Balanço Social”, mas sim um “Relatório de Sustentabilidade”. Em 2002, 2003 e 2004 o Banco ABN AMRO REAL publicou relatório social cujo título é “Valores humanos e econômicos juntos”. A partir de 2005, o Relatório passa a chamar “Relatório de Sustentabilidade”.

A gente tem uma luta diária para falar que não estamos presos somente às questões sociais, é mais do que isso: é meio-ambiente, sociedade e lucro. Quando se fala em balanço social, leva-se a crer somente que é apoio social: destinar dinheiro à ONG é preocupar-se somente com questões sociais, mas, na verdade se têm mais coisas (...) que são os stakeholders. Por isso a gente fala em relatório de sustentabilidade. (Não é nenhuma crítica ao IBASE) porque começou assim, no balanço social, não se falava muito de sustentabilidade, mas a gente vê isso como uma coisa maior, e, esse nome, balanço social, pode levar a pensar em prestação de contas sociais, mas não é só isso. Muito pelo contrário, quando a gente fala as matérias aqui, a gente diz como isso deve se inserir nos negócios, como a gente consegue bons resultados levando a sustentabilidade em conta. (CUNHA, 2005 entrevistado e citado por SARTORE 2006, p.06).

A fala de Cunha no momento em que atuava no departamento de relações com investidores no ABN AMRO REAL aponta para duas tendências no começo do século XXI: A primeira trata da mudança de conotação da palavra Sustentabilidade e a segunda trata da possível incorporação da idéia, por parte dos investidores, de que as empresas Socialmente

102 As informações a seguir sobre o IBGC estão disponíveis em http://www.ibgc.org.br/Historico.aspx Acessado em 09 de fevereiro de 2009.

Responsáveis apresentariam uma boa performance financeira e uma diminuição do risco no longo prazo.

A distinção expressa por Cunha (2005) é emblemática no sentido em que situa o balanço social no lado estritamente “social” e o relatório de Sustentabilidade em uma esfera mais abrangente considerando o meio-ambiente, a sociedade e o lucro. A visão de sustentabilidade de Cunha é análoga à idéia de Triple Bottom Line cunhada pela consultoria inglesa SustainAbility em 1994 e cujos princípios são baseados na idéia de People, Planet and Profit [Pessoas, Planeta e Lucro] através da qual uma empresa é avaliada pelas suas dimensões sociais, econômicas e ambientais. Neste sentido, a Sustentabilidade passa a ser expressa nas idéias de Triple Bottom Line somada à idéia de preocupação no longo prazo pertencente a sua definição original pelo relatório de Brundtland.

O conceito de Triple Bottom Line foi difundido mundialmente e foi incorporado explicitamente no Brasil pelo Instituto Ethos. Isto fica evidente pela participação de John Elkington, fundador da Sustainability no Conselho Internacional do Instituto Ethos103 e pela participação de Ricardo Young como membro da Consultoria SustainAbility104.

Deste modo, se a definição de RSE proposta pelo Instituto Ethos versava sobre a ação social dos empresários para os seus stakeholdes, a definição atual é acrescida da idéia de transparência e de longo prazo.

Responsabilidade Social Empresarial é a forma de gestão que se define pela relação ética e transparente105 da empresa com todos os públicos com os quais se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais que impulsionem o desenvolvimento sustentável da sociedade. Isso deve ser feito preservando recursos ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo a redução das desigualdades sociais106.

103 Dado disponível em

http://www1.ethos.org.br/EthosWeb/pt/1384/o_instituto_ethos/quem_somos/conselhos/conselho_internacional/c onselho_internacional.aspx Acessado em 09 de fevereiro de 2009.

104 Dado disponível em http://www.sustainability.com/aboutsustainability/profile.asp?id=118 Acessado em 09 de fevereiro de 2009.

105 Grifo da autora

106 Dado disponível em http://www1.ethos.org.br/EthosWeb/pt/29/o_que_e_rse/o_que_e_rse.aspx Acessado em 09 de fevereiro de 2009.

O conceito de Triple Bottom Line é representado no Brasil pela união do Ethos (representando o people and planet) e o IBGC (representando o profit) culminando na idéia de Sustentabilidade Empresarial107.

Além da tendência à mudança de conotação do termo Sustentabilidade, a incorporação deste pelo mundo das finanças não teria ocorrido se não fosse a cristalização da idéia de que empresas sustentáveis dão melhor retorno econômico-financeiro, ou seja, pela idéia de que investir em ações de empresas sustentáveis seria mais lucrativo.

Esta concepção abre espaço para o surgimento da idéia de Investimento Socialmente Responsável (ISR), ou seja, a aplicação dos critérios ambientais, sociais e econômicos na hora de investir em uma empresa ou em suas ações no mercado acionário. No entanto, só é possível o surgimento do Investimento Socialmente Responsável a partir do momento em que existe uma referencial de empresas socialmente responsáveis que são o alvo de investimentos.

O início do século XXI vivencia a construção de uma distinção cognitiva entre a Responsabilidade Social Empresarial, pertencente ao mundo dos empresários e industriais inovadores e a idéia de Investimento Socialmente Responsável (ISR) pertencente ao mundo dos investidores e gestores de fundos de investimentos também inovadores e em busca de uma distinção profissional.

Assim, se num primeiro momento, com o triunfo dos industriais, ocorre a emergência da Responsabilidade Social Empresarial, em um segundo momento, com a revolução dos acionistas vê se o surgimento de fundos de investimento responsáveis, índices de sustentabilidade etc. Como isso ocorreu?