• Nenhum resultado encontrado

A influência das relações sociais acadêmicas na discriminação cotidiana

Faz-se necessário identificar os motivos de discriminação vivenciados, buscando compreender como eles se relacionam no contexto de pobreza vivenciado pelos jovens.

SÍNTESE ANALÍTICA

6.2.2 A influência das relações sociais acadêmicas na discriminação cotidiana

Tajfel (1982) e Jones (1973) atentam para a observação das relações intergrupais a fim de compreender como se dão os processos excludentes. Como já amplamente discutido, é nas relações assimétricas do meio acadêmico que geralmente ocorrem as discriminações

cotidianas, especialmente nas relações entre colegas e professores. Assim, foi realizada análise através de regressão linear múltipla para testar um modelo de predição das Relações com os Colegas (RC) e Relação com os Professores (RP) sobre a Discriminação Cotidiana (DC) experenciada pelos universitários que vivem em contexto de pobreza. Já que o fator Discriminação Cotidiana se relacionou com o critério IPM, conforme Análise do item 5.1 (Tabela 15), na qual ao aumentar o nível de pobreza multidimensional, observa-se o aumento de vivências discriminatórias, podemos inferir que este constructo se configura como um mecanismo de opressão da pobreza. Utilizou-se os preditores RC e RP, com método enter para predição do critério DC (Tabela 16).

A análise a priori determinou a necessidade de um tamanho amostral de 70 participantes, critério satisfeito. Quanto aos pressupostos de normalidade, foram observados nos preditores RP (ZK-S=0,05; p=0,081); RC (ZK-S=0,05; p=0,070), exceto no critério DC (ZK- S=0,10, p<0,001). No entanto a excelente potência estatística e a magnitude de efeito moderada possibilitam a análise (NUNNALLY; BERNSTEIN, 1994). Outros pressupostos foram observados: VIF=0,06; teste d de Durbin-Watson=1,69 (Tabela 16).

Tabela 16 – Regressão linear múltipla para predição da Discriminação Cotidiana Modelo Geral de Regressão F(2,248)=17,58; p<0,001; R2=0,12; f2=0,13; Pobs=0,99 Preditor T B EP Β Relação com os Colegas t(250)=-3,07 p<0,005 -0,18 0,06 -0,19 Relação com os Professores t(250)=-4,20 p<0,001 -0,25 0,06 -0,26

Fonte: dados da pesquisa.

Nota: índices psicométricos: f2=R2/1 - R2.

Assim, como observado na Tabela 16, o resultado do modelo geral de regressão foi significativo, com magnitude de efeito moderada. As relações de predição negativas para cada regressor indicam que maiores níveis de Relação com os Colegas podem sugerir (necessidade de replicação) e maiores níveis de Relação com Professores sugerem menores níveis de Discriminação Cotidiana. Observa-se que o fortalecimento da integração social na universidade, tanto das relações com os colegas quanto das relações com os professores, é importante para diminuir as vivências de discriminação cotidiana. Por outro lado, o enfraquecimento dessas dimensões da integração social aumenta os níveis de opressão.

As relações com os colegas se constituem, enquanto importante fonte de apoio (DINIZ; ALMEIDA, 2012) no enfrentamento das adversidades do meio acadêmico através da

formação das redes sociais (RIBEIRO; PEIXOTO; BASTOS, 2017), o que foi destacado pelos sujeitos que dizem não haver grandes assimetrias dentro dos grupos, e que não percebem mecanismos discriminatórios e excludentes:

É, particularmente em relação a minha turma, a gente tem uma convivência muito boa, sem atritos, todo mundo é... se ajuda da forma que pode, psicologicamente se apoia, apesar das dificuldades (Carol, ENF.URCA).

[...] É tranquilo a relação. Sempre tem os grupos que se formam porque alguns tem mais afinidade, gostam de alguma coisa que os outros também gostam, mas… é tranquilo, não tem nenhuma exclusão (Francisco, ENG.URCA).

Rodriguez e Cohen (1960) destacam que o fortalecimento da relação entre pares é fundamental para a promoção do bem-estar psicológico dos sujeitos. No caso oposto, o enfraquecimento dessas relações predispõe mecanismos de discriminação. Como exemplo, os alunos entrevistados advindos de meio acadêmico mais assimétrico, que vivenciam algum tipo de discriminação, seja por motivo de rendimento, como João (ENG.UFC) ou por disparidade socioeconômica, como Laura (DRT.URCA), relatam dificuldades no relacionamento com os colegas, assim como não se sentem incluídos nas suas turmas:

[...] eu praticamente não convivo com eles porque eu tô atrasado no curso, eu só tô fazendo é... uma cadeira com minha turma, eu tô fazendo outra com o pessoal que também atrasou, reprovou, repondo cadeira, mas assim no semestre de cadeira regular, eu só tô fazendo uma com eles. [...] eu não me relaciono tanto, muito com eles assim (João, ENG.UFC).

[...] na medida do possível tem aquelas pessoas assim mais próximas, né, que, que me ajudam, mas é uma minoria [...] por conta dessas amizades, além dos muros da universidade, dentro também eu me sinto, de certa forma, excluída. [...] das quarentas pessoas da minha turma, tem umas cincos pessoas que eu tenho uma boa convivência (Laura, DRT.URCA).

Assis (2014) observa que as diferenças sociais e educacionais entre alunos cotistas e não cotistas são geradoras de mecanismos excludentes. No caso da turma de Maria (MED.UFC) o relacionamento com os colegas melhorou após a divisão das turmas por afinidade, quando diminuíram as assimetrias entre os colegas:

[...] Tem, tipo, da divisão de turma, geralmente é quem tem mais condição fica junto… difícil ter amizade, assim, com quem tem condição melhor com quem não tem. Geralmente é bem dividido, assim, você percebe. [...]

[...] a partir do ciclo clínico as turmas de dividem, fica… fica 80 alunos aí fica 40 - 40. O pessoal da minha metade é muito tranquilo, tá sendo de boas, mas a outra metade… eu dei graças a Deus que (risos) não tá mais junto. [...] Acho que tinha muito… brigas (risos) às vezes (Maria, MED.UFC).

Já em relação aos professores, observa-se que a questão do relacionamento se dá de acordo com cada um deles, “é de pessoa”, como relatado por um dos sujeitos. O capital social necessário à inclusão e pertencimento dos grupos marginalizados é adquirido através das relações com os outros alunos e com os professores, (CAVALCANTE, 2014) o que fortalece o estudante nas vivências universitárias. Em geral, os estudantes sentem o suporte dos professores:

É, eu também não tenho o que falar mal dos professores, eles são muitos bons, eles demostram que realmente dominam a... o... os conteúdos. Alguns deles são um pouquinho mais próximos, nos apoiam, nos aconselham, então eu não tenho o que falar (Carol, ENF.URCA).

Depende do professor. Tem professor que é tranquilo, né? [...] tem uma parte que são muito bom lá. É relativo, é de pessoa (risos) (Maria, MED.UFC).

Da mesma forma que os alunos se fortalecem com o apoio de alguns professores, há relatos de que outros, que por falta de compreensão, conforme descrito por Laura (DRT.URCA) ou por declarações preconceituosas, acabam por ter atitudes discriminatórias que acabam por fazer com o que os alunos se sintam humilhados, como relatou Maria (MED.UFC):

[...] os professores também não entendem essa nossa necessidade, aí a questão de faltas, tanto por causa do filho, como por falta, e de transporte pra ir também é um empecilho (Laura, DRT.URCA).

Um professor uma vez falou que tinha muita depressão, muito problema no curso de medicina, e isso tinha sido depois que os alunos cotistas vieram. [...]

Que… não… tem um rendimento pior… às vezes, principalmente (risos) os professores da cirurgia, que eles são mais… não sei nem como dizer (risos). Eles acabam… eu já ouvi coisas desse tipo, mas é mais, assim, subentendido, ninguém fala, assim, claramente sobre isso. [...] incomoda eles acharem que um aluno cotista muitas vezes não tem condição de ser um bom médico. Porque tem muita gente que pensa assim lá dentro (Maria, MED.UFC).

Observa-se que vários tipos de atitudes discriminatórias são percebidos em relação aos professores, tais como: machismo, homofobia, conforme relatado no tópico 5.2.1. Observa- se, na fala de Maria (MED.UFC), a falta de credibilidade no aluno cotista, a atribuição de problemas de saúde mental à entrada dos cotistas. Estas questões são potencializadas pela relação de poder que o professor exerce sobre o aluno.

Conclui-se que as relações acadêmicas fortalecidas desempenham um importante papel, entre alunos e, destes com os professores, para a diminuição dos mecanismos de opressão. Por outro lado, o enfraquecimento dessas relações potencializa as atitudes discriminatórias. Interessa-nos também refletir qual o impacto que a discriminação vivenciada em seus mais diversos tipos, produzidas a partir das assimetrias acadêmicas nas relações sociais,

tem no sofrimento psíquico. Ademais, é relevante compreender como as vivências discriminatórias são percebidas e concretizadas na subjetividade dos estudantes.