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2.2. Aspectos Gerais do Uso do Crédito pelas Famílias

2.2.4. A Influência dos Fatores Psicológicos e Pessoais

A economia convencional centra-se na escolha racional e na utilidade para explicar as decisões de uso do crédito pelos consumidores. A psicologia procura oferecer alternativas para entendimento desse comportamento. Para a psicologia, a racionalidade é limitada, e as pessoas utilizam as heurísticas enquanto instrumentos cognitivos racionais, eficientes e adaptativos ao contexto da escolha. Nesse sentido, pressupõe-se “que as decisões de consumo e, consequentemente, o recurso ao crédito não são necessariamente racionais, podendo, no entanto, ser corrigidas por dispositivos (voluntários) que disciplinem o comportamento individual” (SANTOS et al., 2013, p. 20). Isso indica que, apresar de o crédito ser uma questão matemática, a decisão de obter ou não um empréstimo não segue a lógica racional dos números.

Com o intuito de verificar os fatores que se correlacionam com as dívidas do consumidor, Lea et al. (1995) investigaram a influência de variáveis psicológicas nas causas ou nos efeitos da dívida. Como base de suas análises, esses autores afirmam que, em relação ao crédito, a dívida é mais comum entre aqueles com renda mais baixa e despesas mais elevadas. Para além dessa relação econômica existem fatores sociais e psicológicos que estão associados a níveis mais altos de endividamentos. O apoio social para a dívida, a socialização econômica, as comparações sociais, o estilo de gestão do dinheiro, o comportamento do consumidor e a atitude e horizonte de tempo são fatores não econômicos que podem influenciar o uso de crédito e as dívidas.

O apoio social para a dívida pode ser entendido como maior aceitação social do crédito como parte da moderna sociedade de consumo. Essa

31 aceitação pode ser chamada de “cultura” do endividamento. A aceitação do crédito decorre da maior socialização econômica baseada nas experiências de pessoas dentro de suas famílias, de onde a mudança da aversão passou para a aceitação do crédito (LEA et al., 1995).

O comportamento do consumidor diz respeito aos padrões de compras de uma ou grupo de pessoas. Comportamentos inadequados podem ser estimuladores do uso do crédito. Nesse sentido, a compulsão, a busca por posição social, gastos com produtos supérfluos, o estar na moda e o não planejamento do orçamento doméstico são comportamentos que influenciam a obtenção e uso do crédito. Associada ao comportamento está a atitude em relação ao crédito. Consumidores com atitudes positivas sobre o crédito tendem a usá-lo como forma de aquisição de bens e serviços desejados (LEA et al., 1995).

Lea et al. (1995) não encontraram resultados significativos em relação às atitudes em relação ao grau de endividamento, e, segundo eles, esse resultado contrasta com outros estudos que descobriram que as atitudes em relação ao crédito se correlacionam com o comportamento dos devedores. Em suas conclusões, esses autores, do ponto de vista da compreensão psicológica do comportamento do consumidor em relação à dívida, as atitudes são apenas uma etapa intermediária.

A influência das atitudes das famílias em relação ao crédito foi tema do trabalho de Cosma e Pattarin (2012). Estudando famílias italianas endividadas, na busca de identificar a relação entre as motivações e as formas contratuais de créditos, esses autores embasaram suas hipóteses em um referencial teórico contendo fatores que impulsionam a demanda por crédito. Entre esses fatores, eles destacaram a atitude favorável ao endividamento para satisfação das necessidades de consumo da família. Também, definem atitude como avaliação favorável ou desfavorável sobre determinado objeto. No caso do crédito, a atitude mais ou menos favorável pode afetar as decisões da família, e há tendência maior ou menor de usá-lo. Ainda, afirmam que a relação entre atitude e recurso ao crédito também está associada aos tipos de créditos, sendo atitudes positivas em relação ao crédito mais suscetíveis de conduzir as famílias a empréstimos com prestações e a atitudes negativas quanto ao uso do cartão de crédito.

32 No estudo de Cosma e Pattarin (2012), verificou-se a associação entre atitudes e uso do crédito. Os valores das atitudes foram mais elevados para os utilizadores de crédito do que para os que não utilizam. A atitude relaciona-se também com as necessidades declaradas pelas famílias e com as motivações para usá-lo. A diferença maior e mais significativa foi encontrada quando o uso do crédito foi motivado por despesas imprevistas, não discricionárias, por ser de pequeno valor ou para a realização de um projeto considerado importante para a família.

Cosma e Pattarin (2012) identificaram também que a preferência declarada por diferentes formas de crédito (por exemplo, empréstimos pessoais, cartões de crédito) também é influenciada pelas atitudes. Quando a atitude é positiva, os usuários de crédito são mais propensos a financiar o consumo por meio de cartões de crédito ou crédito no ponto de venda, em vez de empréstimos com crédito direto (via banco), enquanto o oposto é verdadeiro para os não usuários.

Brown et al. (2005) sugerem que existe um custo psicológico associado à cultura do crédito ao consumidor, em que a dívida pode estar relacionada com o aumento do nível de estresse psicológico dos devedores. Esses autores relatam também que um dos fatores determinantes do nível de endividamento das pessoas ou famílias são as atitudes pró ou contra a dívida. Essas atitudes podem conduzir a níveis de endividamento mais elevados. A renda, a posse da casa própria e o tamanho da família têm impacto positivo no grau de endividamento das famílias. A dívida também pode ser influenciada pela situação do mercado de trabalho, idade e acesso à seguridade social. Sugerem também que famílias com expectativas financeiras mais otimistas incorrem no uso maior do crédito.

As consequências da dívida são os problemas psicológicos derivados das dificuldades financeiras das famílias. Os problemas incluem depressão, angústia e preocupações exageradas. A tensão financeira e a preocupação com a dívida podem levar a um estado de declínio do bem-estar psicológico dos indivíduos, o que é contrário à ideia de que o crédito é obtido para financiar a compra de bens de consumo duráveis com o intuito de aumentar o bem-estar psicológico e social da família (BROWN et al., 2005).

33 Segundo os achados de Brown et al. (2005), os chefes de famílias que utilizaram o crédito relataram níveis significativamente mais baixos de bem- estar psicológico do que aqueles sem dívidas. Os chefes de famílias com hipoteca não obtiveram diferenças significativas nos níveis de sofrimento psíquico em relação aos sem dívidas. Isso indica que diferentes formas de crédito podem acarretar níveis distintos de sofrimento psicológico. Os resultados demonstraram que os chefes de famílias que poupam regularmente são mais propensos a relatar um completo nível de bem-estar psicológico do que os não poupadores.

As evidências encontradas por Brown et al. (2005) indicam associação negativa entre o valor da dívida em atraso e os níveis de bem-estar psicológico, ou seja, à medida que o valor da dívida em atraso aumenta, o nível de bem- estar diminui. Outra relação é a correlação positiva entre a quantia poupada e o nível de bem-estar psicológico dos chefes de família. A dívida está associada com a elevação dos níveis de sofrimento psíquico dos indivíduos, e a dívida sem garantias (sem hipoteca) tem maior influência negativa no nível de bem- estar psicológico do que a dívida garantida (com hipoteca). As simulações realizadas neste estudo indicaram que mudanças proporcionais nos níveis de utilização do crédito estão associadas com redução na probabilidade de relatar alto nível de bem-estar psicológico, concluindo-se, assim, que existe um custo psicológico substantivo relacionado à cultura do crédito (BROWN et al., 2005).

Segundo Brown et al. (2005), as expectativas financeiras otimistas têm impacto positivo tanto no montante da dívida quanto no seu crescimento. Por meio de reflexão teórica, esses autores verificaram que a expectativa de renda futura superior às atitudes em relação ao crédito, a aversão ao risco, a dívida garantida por hipoteca, as expectativas dos consumidores em relação à economia e as variáveis psicológicas associadas a situações de incerteza em um contexto do ciclo de vida são determinantes do endividamento dos indivíduos e das famílias. Essas variáveis são importantes para o entendimento da expectativa otimista do consumidor em relação ao crédito. Em uma análise empírica, utilizando amostras provenientes das décadas de 1995 e 2000, do Household Panel Survey britânico, aqueles autores encontraram apoio estatístico consistente para a hipótese principal do trabalho, ou seja, expectativas otimistas impactam positivamente o montante da dívida assumida.

34 Pessoas otimistas financeiramente têm de 6 a 15 vezes mais chance de contrair empréstimo do que aquelas com expectativas pessimistas.

Os fatores pessoais também explicam as dívidas das famílias quando elas tendem a comprar com base na comparação com um grupo de referência que se encontra em situação financeira semelhante, conforme citado por Lea et al. (1993). As características dos usuários do crédito concentram fatores subjetivos e pessoais sobre o significado do crédito e o estar em dívida.

Para Cosma e Pattarin (2012), os fatores pessoais dizem respeito a personalidade, motivações, habilidades, preferências, percepções e situação financeira do indivíduo. Quando foram considerados outros fatores como as variáveis demográficas, renda per capita, número de pessoas no domicílio, expectativa da renda futura e posse da casa própria, verificou-se que a renda familiar não influenciou significativamente a utilização do crédito. Já o número de pessoas no domicílio beneficiadas pela renda e a expectativa da renda futura tiveram impacto direto e positivo sobre o uso do crédito.

Para Oliveira e Jesus (2013), outra forma de entender o que motiva as pessoas a procurar o crédito é a ideia da sociedade da abundância, em que, tendo suas necessidades básicas satisfeitas, as pessoas buscaram níveis mais elevados de bem-estar por meio da aquisição de novos produtos mais sofisticados. A satisfação das pessoas é orientada para alívio da dor e a manutenção do prazer ou para o conforto e a felicidade, por meio da busca por novidades.

Semelhante a essa visão, Cosma e Pattarin (2013) descrevem a finalidade do uso do crédito para as famílias: atendimento às necessidades básicas, para aquisição de bens duráveis ou para a compra da casa própria. Nesse sentido, a demanda por crédito deriva de comportamentos desviantes da racionalidade econômica e da maximização da utilidade, sendo influenciada por fatores psicológicos, sociais e pessoais. Além disso, as decisões sobre o uso do crédito têm nos significados materiais e sociais associados aos bens adquiridos um fator crucial. A busca de identificação social, padrões de vida e estilo de vida não deve ser deixada de lado na explicação do uso do crédito (COSMA; PATTARIN, 2012).

Os fatores motivadores que levam os consumidores a usarem o crédito são diversos. Souza (2013), ao explanar esse assunto, identificou que a

35 facilidade de comprar bens e serviços de maneira parcelada está estampada em anúncios publicitários, em que produtos de alto valor são ofertados em prestações que parecem suavizar o seu impacto no orçamento e, assim, persuadir os consumidores a comprá-los. Além desses estimuladores de consumo, a influência da moda e a natureza de novidade do produto são desafios para os consumidores controlarem a ansiedade e o impulso no ato de compra.

No uso do crédito existe tendência das pessoas de perceberem o benefício da compra de um produto desejado de forma imediata, no entanto os malefícios ou o caráter aversivo do pagamento são deixados de lado ou aparecem no longo prazo. Um fator que pode potencializar essa percepção é o otimismo do consumidor em relação às suas condições financeiras futuras e de que poderão honrar os compromissos assumidos (SOUZA, 2013). Nesse contexto, os consumidores podem usar de uma heurística simples para a tomada de decisão em relação ao uso do crédito, não fazendo planejamento adequado, o que poderá gerar problemas futuros.

Os fatores motivadores são essenciais para a compreensão do que impele os indivíduos a usarem o crédito para satisfazerem suas necessidades de consumo. Entretanto, quando se trata do uso do crédito, algumas consequências psicológicas advindas do bom ou do mau uso podem afetar as famílias. Souza (2013) destaca alguns fatores, como a autoeficácia, que é o sucesso na execução de uma atividade, por exemplo, de resistir à compra compulsiva e manter o controle do orçamento ou a capacidade de enfrentar situações adversas no caso de endividamento. Em relação ao mau uso do crédito, Souza (2013) cita o estresse provocado pelos problemas financeiros, cobranças vexatórias e sentimentos de impotência ou de incapacidade diante das situações de dificuldade.

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