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2.2. Aspectos Gerais do Uso do Crédito pelas Famílias

2.2.7. Perspectiva de Processo no Uso do Crédito

Segundo Oliveira e Jesus (2013), a decisão de obtenção de crédito acontece em dois momentos: no primeiro impera a força da motivação relacionada à compra e no segundo, às avaliações dos custos do crédito. Esses custos são sempre avaliados em comparação com custos de não se efetivar a compra. Assim, a decisão de usar o crédito reveste-se de real valor psicológico. Já Kamleitner e Kirchler (2007) projetaram um modelo conceitual que destaca os passos essenciais na utilização de crédito. O modelo sugere que qualquer tipo de comportamento econômico é influenciado por várias características individuais (por exemplo, atitudes diante do crédito), circunstanciais e situacionais (por exemplo, situação financeira), que podem interagir de várias maneiras, influenciando o padrão de utilização do crédito.

Esse modelo divide o processo de tomada de decisão sobre o uso do crédito em três etapas: antes da aquisição do crédito, a aquisição do crédito e após a aquisição e uso do crédito. Segundo o modelo, no processo antes da tomada do crédito o consumidor irá reconhecer suas necessidades e desejos, decidirá sobre o tipo de produto que irá adquirir, o que o levará a três tipos de compra: a habitual – ocorre nos casos de produtos baratos, que são adquiridos várias vezes; a espontânea – compra feita de forma imediata e espontaneamente; e a de decisão extensiva – ocorre raramente e em geral diz respeito a produtos mais caros, exigindo maior quantidade de informações.

39 Essa primeira fase, em particular, envolve questões de motivação e tomada de decisão intertemporal. Ocorre a busca por informações sobre produtos e formas de financiamento. Nessa fase é realizada a avaliação das informações e propostas levantadas, e o processo avaliativo dependerá, em grande parte, das características pessoais, bem como das circunstâncias situacionais (KAMLEITNER; KIRCHLER, 2007).

Na segunda etapa ocorre a escolha do bem, podendo o resultado assumir três formas básicas: (a) as pessoas decidem que o produto desejado não é acessível, renunciando completamente a compra; (b) decidem esperar e aguardar até que o bem desejado se torna acessível e, em seguida, reiniciar o processo de tomada de decisão; e (c) a pessoa decide que quer e precisa do bem imediatamente e vai comprá-lo. Por último, se o consumidor escolher comprar o bem, pode fazê-lo utilizando de fundos próprios. No caso de não terem os recursos próprios ou não quiserem utilizá-los no momento, as pessoas podem decidir pelo uso do crédito (KAMLEITNER; KIRCHLER, 2007).

Nos casos em que o consumidor decide usar o crédito permanecem duas alternativas. Na primeira alternativa, a decisão pode ser tomada e executada espontaneamente, caso em que o uso do crédito e a compra acontecem ao mesmo tempo. Compras com cartão de crédito ou com o uso de crediário de lojas podem ser classificadas como decisões de crédito espontâneas. Na segunda alternativa, a assinatura de um contrato de crédito pelo consumidor pode ser o resultado de um processo de decisão mais extenso (por exemplo, buscar crédito em um banco). Nesse caso são procuradas informações, opções de crédito são avaliadas e uma escolha pode ser feita adequadamente (KAMLEITNER; KIRCHLER, 2007).

Finalmente, o último passo do processo ilustra a principal característica de uma compra financiada. O pagamento das parcelas continua após a compra do produto. Dificuldades financeiras podem ocorrer temporariamente, além do fato de os usuários de crédito terem que lidar com o dilema entre o prazer da compra do bem financiado e o desconforto causado pelo pagamento das parcelas em curso. Nesta fase final, o consumidor está particularmente preocupado com a percepção da situação real de crédito e comportamentos relacionados ao reembolso. Esta fase termina quando o pagamento final é feito e a dívida é liquidada (KAMLEITNER; KIRCHLER, 2007).

40 O modelo reconhece que qualquer tipo de comportamento econômico é influenciado por diversas características pessoais (temperamento, atitudes, idade, estado civil) e circunstâncias situacionais – como a situação financeira – que podem interagir de várias maneiras e ser influenciadas pelo comportamento de crédito próprio. Esses fatores são assumidos como influenciadores de todos os passos do modelo do processo (KAMLEITNER; KIRCHLER, 2007).

O ponto de partida para as decisões do uso do crédito pelas famílias são as necessidades ou desejos de um ou ambos os cônjuges. Tais desejos são advindos da esfera pessoal ou das ofertas de mercado, e no andamento desse processo algumas informações são necessárias sobre o conjunto de alternativas. Em alguns casos, o desejo pode ser satisfeito imediatamente, sem informação a ser recolhida e sem um processo de tomada de decisão demorado (compra espontânea), ou pode ter lugar rotineiramente (rotineira). Em outras situações, um processo de decisão completo é necessário. Nesse caso, os fatores que levam às decisões são o nível dos custos envolvidos, o número de pessoas afetadas, o grau de visibilidade social e o horizonte temporal das consequências (KIRCHLER et al., 2008).

Kirchler et al. (2008) argumentam que o parceiro ativo no processo, isto é, aquele que tem e expressa o desejo de determinado produto, tem papel importante nesse processo, pois é o iniciador de toda a ação. O tipo de decisão (espontânea, habitual, autônoma ou conjunta) dependerá das características do produto e das características do relacionamento (por exemplo: harmonia). Segundo Kirchler et al. (2008), a decisão conjunta é menos provável de acontecer se o parceiro ativo exerce maior poder na relação e se a qualidade da relação é pobre, ou em relações tradicionalmente orientadas com rigorosa divisão de papéis, em que a decisão diz respeito a uma área controlada pelo parceiro ativo.

Nas decisões conjuntas, o processo entre os parceiros começa com a fase do desejo, a coleta de informações ou a fase de escolha. Conflitos podem aparecer quando o nível de informação ou os objetivos dos parceiros forem diferentes durante o processo. Nos conflitos em relacionamentos entre cônjuges, dois grandes objetivos muitas vezes são perseguidos simultaneamente: por um lado, as pessoas gostariam de satisfazer as suas

41 necessidades egoístas, mas, por outro, a qualidade do relacionamento não deve sofrer (KIRCHLER et al., 2008).

Em relacionamentos harmoniosos, os parceiros levam em conta as consequências para o outro parceiro e procuram maximizar o benefício comum. As preferências de um parceiro dependem, em maior ou menor grau, das preferências assumidas do outro parceiro. Quanto maior a satisfação com o relacionamento, maior a probabilidade de a interação ser guiada pelo princípio do amor e que os parceiros irão dar igual, se não maior, peso para a satisfação antecipada de seu parceiro com o produto do que para sua própria satisfação (KIRCHLER et al., 2008).

O processo de tomada de decisão sobre crédito pode ser influenciado pelos papéis de gênero, isto é, o papel de cada cônjuge no domicílio. Para Kirchler et al. (2012), a influência relativa de homens e mulheres é diferente em relação ao conteúdo da decisão, e os tipos de produto que o marido ou a mulher têm mais influenciam e, muitas vezes, correspondem a essa diferença de papéis. Nesse sentido, a responsabilidade por artigos técnicos fica a cargo dos homens, enquanto a responsabilidade pelos itens de casa fica com as mulheres. Percebe-se que os homens ainda têm mais influência nas decisões de compra de carros, televisores e seguros, ao passo que as mulheres ainda têm influência sobre aparelhos domésticos, móveis e alimentos (KIRCHLER et al., 2008).

Kirchler et al. (2008), ao se referirem sobre distribuição de influência em questões financeiras nas famílias, relatam que é mais frequentemente os homens que decidirem sobre o montante a ser pago e o método de pagamento do que as mulheres. Para esses autores, nos domicílios a maior influência em relação à possibilidade de adquirir empréstimo ou não será do marido. Também para eles existem algumas razões pelas quais os homens têm mais influência na decisão de crédito. Na primeira razão, a mulher geralmente tem rendimentos mais baixos, sendo o cônjuge com valor creditício inferior. Na segunda, os homens podem ser mais impacientes e, assim, mais a favor ao uso do crédito em relação à poupança. Na terceira, as mulheres são mais avessas ao risco, em se tratando de decisões financeiras, do que os homens, enquanto estes se sentem mais competentes e orgulhosos de suas

42 habilidades de manuseio do dinheiro, o que os encoraja a assumirem mais riscos financeiros.

Outro fator influenciador do processo de obtenção e uso de crédito pelas famílias é a presença de crianças. Segundo Kirchler et al. (2008), no geral, as crianças podem exercer influência direta ou indireta nas decisões dos pais. Quando se trata da compra de um carro, mobiliário e equipamento doméstico, a influência das crianças é leve. Entretanto, as crianças mais velhas têm mais influência do que as mais jovens e também mais domínio sobre produtos.

No contexto das decisões de crédito, a influência direta das crianças é muito provável que seja negligenciável. Relativamente às decisões de crédito no domicílio, a influência das crianças é mais provável que seja indireta. Além do que os pais podem considerar que tomar empréstimo representa risco, pois reduz a renda disponível para os filhos.

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