• Nenhum resultado encontrado

3 REDES SOCIAIS E MÍDIAS DIGITAIS COMO SUPORTE AO MODELO DE NEGÓCIOS DOS FOOD TRUCKS NEGÓCIOS DOS FOOD TRUCKS

3.1 A influência estética no empreendedorismo

O conceito de empreendedor advém da nomenclatura francesa

entrepreneur, que traduzido para a língua portuguesa cotidiana significa “aquele que

incentiva as brigas”, e que, posteriormente, influenciou a criação da palavra

entrepreneurship, a qual remete diretamente ao empreendedorismo.

Na ótica de Mises (2010), a figura do empreendedor está associada à tomada de decisões e não engloba apenas riscos, mas, principalmente, a descoberta de oportunidades produtivas que podem ser exploradas no mercado, como complementa Hayek (1958). O seu papel social restou amplamente difundido após Schumpeter (1982, p. 83) expor o caráter inovador e proativo desses agentes através de suas obras:

Chamamos “empreendimento” à realização de combinações novas; chamamos “empresários” aos indivíduos cuja função é realizá-las. Esses conceitos são há um tempo mais amplos e mais restritos do que no uso comum.

A função do empreendedor na cadeia econômica é realizar a destruição criativa, sendo essencial a constante criação e substituição de novos produtos, serviços, modelos logísticos, entre todas as inovações inerentes a um negócio (SCHUMPETER, 1982). Para Schumpeter (1982), a transformação econômica de um setor, na maioria das vezes, é iniciada pelos agentes empreendedores que determinam a mudança, apresentam inovações aos seus consumidores e os habituam a tal novidade.

É, contudo, o produtor que, via de regra, inicia a mudança econômica, e os consumidores, se necessário, são por eles “educados”; eles são, por assim dizer, ensinados a desejar novas coisas, ou coisas que diferem de alguma forma daquelas que tem o hábito de consumir (SCHUMPETER, 1982, p. 8).

Nota-se que os empreendedores são importantes agentes ativos no processo de influência na cultura do consumo, principalmente no tocante às práticas que ainda não fazem parte dos hábitos da sociedade e necessitam de um processo de inserção e habituação para que possam ser introduzidos na cultura da população, sendo esse esforço suportado pelos atores sociais. O entendimento deste cenário exige a compreensão conceitual do que é inovação e sua inclusão no mercado:

Uma inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, com um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas (MANUAL DE OSLO, 2005, p. 55).

O processo inovador possui sua relevância em diversos pontos de cada segmento comercial que se apresenta, principalmente na diversificação e vanguarda a qual diferencia um negócio dos demais concorrentes.

A inovação garante vantagens competitivas às empresas em seus mercados e, algumas vezes, novas oportunidades para realizar processos de diversificação. A força da empresa está numa política de inovação que lhe garante defesa contra a concorrência em sua área de especialização (PENROSE, 1959, p. 92).

A inovação, no entendimento da pesquisa, é um elemento funcional novo que nasce da percepção empreendedora sobre as necessidades presentes no bojo da sociedade e suas relações. Ela também é idealizada e posta em prática pelos empreendedores através de testes, validações, upgrades e processos cíclicos de

feedback que permitem a introdução de um novo paradigma. Por fim, ressalta-se

que esse processo pode alcançar sucesso se atendidas as necessidades do público- alvo, como também precisa se agregar à cultura dos beneficiados para serem utilizadas ou consumidas, ou seja, é um processo complexo e gradual de inserção cultural. Drucker (1997, p. 147) complementa:

1. É um trabalho árduo, intencional e objetivo, com grandes exigências de diligência, persistência e empenho. Requer conhecimentos, talento e pré-disposição [sic]; 2. Para ser bem- sucedido, o inovador tem de apostar naquilo em que é forte. Os inovadores bem-sucedidos analisam uma gama de oportunidades e depois perguntam: "Qual dessas oportunidades se adapta a esta empresa, se relaciona com aquilo em que nós somos bons, com aquilo que provamos ser capazes de fazer?”; e 3. A inovação é uma realidade econômica e social, uma mudança no comportamento das

pessoas em geral. Isto é, no modo como as pessoas trabalham e produzem algo. Por isso, a inovação tem de estar sempre próxima do mercado, centrada no mercado e, principalmente, ser movida pelo mercado.

A atividade empreendedora no Brasil vem chamando atenção do cenário global ante a sua intensidade e desenvolvimento, como se percebe na última atualização do Global Entrepreneurship Monitor (GEM) de 2015. Esta demonstrou que a taxa nacional de empreendedorismo em estágio inicial (TEA) atingiu o 8º lugar global, ultrapassando os países componentes da Coordenação entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (BRICS).

O mesmo estudo inseriu a nação brasileira como a mais empreendedora do globo terrestre, quando se trata de empreendedorismo em seu âmbito geral, corroborando para a afirmativa de Dornelas (2008, p. 6):

O momento atual pode ser chamado de a era do empreendedorismo, pois são os empreendedores que estão eliminando barreiras comerciais e culturais, encurtando distâncias, globalizando e renovando os conceitos econômicos, criando novas relações de trabalho e novos empregos, quebrando paradigmas e gerando riqueza para a sociedade.

Neste sentido, nota-se, atualmente, uma crescente abertura de empresas, microempresas e outras pessoas jurídicas empreendedoras. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), estima que até fevereiro de 2019 estivessem ativas 20.448.231 empresas no Brasil (CNC, 2017), número significativo quando comparado ao resto do globo. Ressalta-se também que persistem milhares de empresas que não regularizaram e formalizaram suas pessoas jurídicas, atuando em caráter informal e que não estão inseridas nesse índice. Numa pesquisa produzida pelo SEBRAE (2014), a região Nordeste se apresentou como a principal região empreendedora do Brasil entre as pessoas de 18 a 64 anos.

O empreendedorismo no segmento estudado, o de alimentação fora de casa, se encontra numa realidade de crescimento em âmbito nacional, tendo movimentado R$ 100,85 bilhões no ano de 2014 (SEBRAE, 2014) e aproximadamente R$ 200,00 bilhões no ano de 2017, conforme dados da Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos (ABIA). Esses números

representam uma mudança cultural dos consumidores, que estão criando novos hábitos relacionados à alimentação de rua.

No caso dos food trucks, o movimento cultural surgiu em conjunto com a onda gourmet que trouxe novos significados na relação do consumidor com a comida (CARNEIRO, 2003). Nessa lógica, os elementos estéticos presentes na gastronomia profissional acabaram por migrar para esse segmento comercial de comida de rua.

Na ótica de Hayashi (2016, p. 24), o termo gourmet está associado a um “excesso de apreço ao refinamento da comida e da bebida, até como forma de evidenciar o status pelo conhecimento de ingredientes mais refinados e restritos a um determinado grupo”. Isto, teoricamente, justificaria a cobrança de valores mais elevados por produtos já conhecidos pelos consumidores. Desta forma, surgiram produtos amplamente conhecidos com a influência gourmet, como, o brigadeiro, a tapioca, o hambúrguer, o geladinho, entre outros que foram ressignificados a partir dessa premissa.

Figura 29 – Charge sátira ao gourmet do food truck

Fonte: Blog Íris Cor de Mel, 2017.

Assim, a união dos valores presentes em cada uma dessas esferas fez com que o fenômeno dos food trucks pudesse se transformar num movimento da cultura moderna. Além disso, os novos hábitos derivados da evolução comunicacional e tecnológica permitiram que as inovações criadas pudessem se adaptar de forma

mais orgânica ao mercado de consumo. Há algumas décadas, não se pensaria num processo comunicativo em tempo real que permitisse que empresas sem sede física pudessem atuar de forma itinerante, numa jornada diária aleatória e tivessem sucesso no consumo dos seus produtos.

Sob outra perspectiva, é importante compreender as influências do movimento estético, do surgimento do conceito gourmet11 e da apropriação das tecnologias no processo comunicativo, especialmente, no interior das redes sociais digitais, que transformaram o segmento gourmet numa atração explorável economicamente para os empreendedores (SEBRAE, 2014). O poder simbólico desta nomenclatura está diretamente ligado à racionalidade estética vivida pela sociedade do consumo. De acordo com Guimarães et al. (2006, p. 14), a concepção da experiência estética apresenta algumas linhas de entendimento, por exemplo, a visão fundamentalista defendida por Adorno, Gadamer, Heidegger, Hegel, e Schelling, que “nega a racionalidade estética em nome de um conceito integral de verdade e de conhecimento, revelados unicamente pelas obras de arte”.

Neste sentido, a obra de arte seria a única forma de transmitir fundamentalmente os elementos capazes de preencher a experiência estética, a qual caminha em paralelo com a segunda percepção, denominada purista.

Presente em Nietzsche, Valéry, Bataille, Iser, e Bubner, além do Kant da Analítica da faculdade de juízo estética – nega a racionalidade estética em nome de um conceito exclusivo da reflexão pura ou da intensidade inefável, na qual a percepção estética se liberta das significações e dos conceitos de uma compreensão cognitiva do mundo (GUIMARÃES et al., 2006, p.14).

A partir dessas linhas de pensamento pôde se notar que a estética possui uma relação direta com as obras de arte. Sob a visão de Guimarães et al. (2006), os elementos dessa conexão vêm sendo utilizados na sociedade como base de uso na racionalidade comunicativa, com objetivo de atrair e criar uma simbologia capaz de fomentar o consumo. Todavia, vale ressaltar que, na ótica de Bourdieu (2007), não é a obra de arte que estabelece a estética. Tal pensamento é extraído da possibilidade que objetos naturais ou superficiais podem ser percebidos pelo seu viés estético, ou

11

O significado da palavra gourmet provém da língua francesa e está relacionada à apreciação do refinamento em matéria de comida e bebida, salientando o caráter gastronômico do termo (MICHAELIS, 2017).

seja, é o ponto de vista estético que determina esse caráter em seu objeto, e, consequentemente, nas obras de arte e produtos culturais.

Sob o ponto de vista de Lipovetsky e Serroy (2015), persistem quatro eras de estetização do mundo, sendo a primeira a “Era de Artealização Ritual” a qual intencionava um consumo puramente estético relacionado aos rituais da sociedade e suas convenções, cuja morfologia não estava direcionada a ser apreciada por sua beleza, mas sim pelo seu caráter prático. O segundo momento é conceituado como a “Era da Estetização Aristocrática”, pois se afastou dos seus primeiros objetivos em comunicar os rituais, principalmente de cunho religioso, e passou a estabelecer uma relação com a classe consumidora que desejava a estética, segmentando e conceituando a obra de arte a partir do caráter estético.

A terceira era ocorreu diante de uma moderna estetização do mundo que organizou a arte e a sociedade segundo a linha de pensamento estético ocidental. Neste lapso temporal, que se passa entre os séculos XVIII e XIX, o artista se desprende totalmente das amarras religiosas e conquista a autonomia e soberania de sua arte. Este momento histórico é marcado pela luta entre a arte propriamente dita e a obtenção de lucro, ou arte comercial.

Tudo opõe esses dois universos da arte: sua estética, seu público, bem como sua relação com o “econômico”. A era moderna se moldou na oposição radical entre a arte e o comercial, a cultura e a indústria, a arte e a diversão, o puro e o impuro, o autêntico e o

kitsch, a arte de elite e a cultura de massa, as vanguardas e as

instituições. Um sistema de dois modos antagonistas de produção, de circulação e de consagração, que se desenvolveu essencialmente apenas nos limites do mundo ocidental (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 16-17).

O último recorte histórico da estética é determinado pelo seu caráter denominado transestético. Sob a ótica de Lipovetsky e Serroy (2015), uma superabundância estética se infiltrou nos diversos setores e roldanas da economia e das relações sociais.

A partir disso, “o domínio do estilo e da emoção se converte ao regime híper [sic]: isso não quer dizer beleza perfeita e consumada, mas generalização das estratégias estéticas com finalidade mercantil [...] das indústrias de consumo” (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 16-17).

Diante desse ambiente voltado para a valorização do caráter estético nascem modelos de empresas com estruturas, processos e estratégias capazes de conquistar o mercado por meio da utilização do capital simbólico, numa hipermodernidade presente no capitalismo denominado artista (LIPOVETSKY; SERROY, 2015). Sobre esse conceito expõem os autores:

O capitalismo artista é o sistema em que são desestabilizadas as antigas hierarquias artísticas e culturais, ao mesmo tempo que as esferas artísticas, econômicas e financeiras se interpenetram. Onde funcionavam universos heterogêneos se desenvolvem processos de hibridização que misturam de maneira inédita estética e indústria, arte e marketing, magia e negócio, design e cool, arte e moda, arte pura e divertimento (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 34).

Posto isso, observa-se que os produtos e serviços receberam influências no que se refere à forma lógica, criativa e produtiva desse sistema estético, com o objetivo de sensibilizar o consumidor e fomentar seu imaginário além das antigas premissas de compra, as quais se limitavam às necessidades dos potenciais clientes, criando uma espécie de indivíduo transestético ilimitado (LIPOVETSKY; SERROY, 2015).

O capitalismo artista não só desenvolveu uma oferta proliferante de produtos estéticos, como criou um consumidor faminto de novidades, de animações, de espetáculos, de evasões turísticas, de experiências emocionais, de fruições sensíveis: em outras palavras, um consumidor estético ou, mais exatamente, transestético (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 44).

Ademais, verifica-se que a relação entre o indivíduo e a natureza estética é “guiada pelo interesse concedido à presentificação de conteúdos de experiência que, no interior de uma dada forma de vida, tornam perceptíveis a atualidade e a disposição interna de nossa experiência” (GUIMARÃES et al., 2006, p. 15). Isto é, a comunicação estética se dá por meio de uma percepção da significação dos objetos em contato com a bagagem simbólica da experiência trazida por cada pessoa.

Além disso, o consumo percebido por esse novo contexto está carregado de experiências originais que ressaltam as sensações, sensibilidade e emoção. A aquisição está permeada por elementos subjetivos os quais compõem o produto, serviço ou até mesmo o negócio e ratificam a ideia de consumo experiencial e

transestético determinado por esse processo de artealização estética (LIPOVETSKY; SERROY, 2015).

O espetáculo cultural estético necessita de meios para se difundir e fortalecer suas premissas. Neste sentido se enaltece o atual papel das tecnologias de comunicação e estratégias de marketing como principais ferramentas fomentadoras das intenções estéticas enquanto hábito de consumo:

Nossa perspectiva se aproxima mais das que salientam o deslocamento do capitalismo de produção para um capitalismo de tipo cultural. Nessa nova economia que repousa nas tecnologias de comunicação, no marketing, nas indústrias culturais e no turismo, a prioridade não se volta apenas para a fabricação material dos produtos, mas também para a criação de imagens, de espetáculos, de lazeres, de roteiros comerciais que possibilitam a distração e experiências excitantes (LIPOVETSKY; SERROY, 2015, p. 47).

A estrutura empresarial representada pelos food trucks está intimamente ligada aos hábitos consumeristas influenciados por essa intenção estética e pela utilização de estratégias comunicacionais que apontam as redes sociais digitais como sendo as principais plataformas de interação com seu público e fomento do consumo.