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A INSERÇÃO PROFISSIONAL E A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA

No documento (5) ANAIS - Educação e Desenvolvimento (páginas 163-167)

NOTA INTRODUTÓRIA

A INSERÇÃO PROFISSIONAL E A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA

Apresentamos, nesta terceira parte do artigo, os resultados da investigação que mais directamente se relacionam com a temática da aprendizagem ao longo da vida.

A construção progressiva da capacidade de desempenho profissional

Em termos globais, os resultados da investigação indicam que os diplomados da FCT tendem a considerar que existe correspondência entre a área do diploma e a área de actividade profissional em que exercem após a obtenção do mesmo, sendo esta mesma tendência constatada em duas outras pesquisas sobre diplomados de ensino superior realizadas no nosso país (Odes, 2002, Alves, 2001). Assim, em nosso entender, este aspecto mereceria um aprofundamento seguindo metodologias qualitativas que permitissem perceber melhor qual o sentido e significado atribuído pelos diplomados a estas correspondências. Também em termos globais, verifica-se a tendência para os diplomados da FCT considerarem que o diploma facilita a obtenção de emprego.

Não obstante, entre os actores entrevistados parece ser consensual a ideia de que o diploma representa apenas a fase inicial de construção da competência profissional, a qual se prolonga posteriormente através dos contributos da experiência e da formação pós - licenciatura frequentada. É neste sentido que se atribuem especificidades à fase de transição para a vida profissional, entendendo a mesma como um período em que tem lugar um processo de aprendizagem de inserção.

11 Poderá argumentar-se que esta opção é limitativa. Porém, a mesma pareceu-nos adequada tendo em conta a

impossibilidade de entrevistar a comunidade académica na sua totalidade e a ausência de investigação anterior neste domínio que fazia com que, em nosso entender, fosse incorrecto construir um inquérito por questionário para conhecer as concepções e práticas desta população. Acresce que tinhamos a intuição, confirmada no momento de realização das entrevistas, de que, pelos cargos ocupados, estes eram informantes privilegiados para detectar os principais posicionamentos, estratégias e opiniões presentes na comunidade académica.

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A análise das representações dos sujeitos sobre as relações entre formação académica e desempenho profissional, evidencia que os espaços universitário e da profissão tendem a ser vistos de uma forma dicotómica e não como realidades em interacção (no sentido em que a reflexão teórica tem vindo a evidenciar). Esta dicotomização é notória, nomeadamente, a partir dos adjectivos utilizados, com sentidos opostos, para caracterizar o espaço da universidade e o espaço da profissão, bem como pelo facto de as capacidades mais desenvolvidas na formação académica não serem, no entender dos entrevistados, necessariamente as mais úteis no desempenho profissional. Este desfasamento entre capacidades sugere que os diplomados, através da conclusão de um curso universitário, não se encontram automaticamente capacitados para o desempenho de uma actividade profissional.

Nestas condições, a competência profissional decorre do diploma, mas é também resultado da aprendizagem que tem lugar através da experiência quotidiana, bem como das aprendizagens resultantes da frequência de formação a que os sujeitos vão tendo acesso ao longo do percurso profissional. No contexto global da existência dos indivíduos, há indícios na investigação de que o diploma confere algum estatuto no plano da vida social, ou seja, está associado ao diploma um certo valor simbólico e social.

No que diz respeito à aprendizagem através da experiência, verifica-se nas entrevistas que os sujeitos revelam dificuldades em equacionar o que se aprende através da experiência e de que maneira esta pode ser formativa. Porém, após alguma reflexão identificam-se três domínios para os quais, segundo os entrevistados (diplomados e empregadores), a experiência pode contribuir enquanto espaço de aprendizagem: conhecimentos técnicos, competências não técnicas, conhecimentos sobre as organizações de trabalho e seus processos produtivos.

No que se refere à frequência de formação após a licenciatura, os dados da investigação revelam que a mesma tende a ser uma oportunidade mais frequente para diplomados que exerçam actividade profissional em empresas de maior dimensão e que tenham um percurso profissional mais longo. Quer dizer, as empresas tendem a investir na formação dos trabalhadores que já têm mais anos de experiência profissional e as oportunidades de formação estão mais presentes em empresas de maior dimensão.

De notar também que os diplomados tendem a procurar formação de cariz profissionalizante mais do que formação do tipo académico. Sublinhe-se, ainda, que o facto de se ser do sexo feminino e de se ter concluído o curso com médias mais elevadas parece tender a provocar uma procura mais intensa de formação pós-licenciatura.

A formação pós - licenciatura parece ser, de forma clara e consensual, identificada pelos académicos entrevistados como um domínio em que importa investir, na medida em que estes sujeitos consideram que a formação académica inicial é apenas o início da preparação para a vida profissional. De acordo com esta perspectiva, é de registar que na FCT foi criado, em 1999, um instituto - IFORNOVA - que deverá ocupar-se desta área de formação. Em síntese, a reflexão sobre os resultados da investigação que temos vindo a sistematizar reforça a ideia de que se aprende a desempenhar uma actividade profissional ao longo da vida e em vários contextos.

167 A necessidade de ultrapassar a dicotomia entre teoria e prática

Em nosso entender, a aceitação do pressuposto, por parte de diplomados e de empregadores, de que a capacidade de desempenho profissional se vai construindo progressivamente, está associada à inexistência, para estes sujeitos, de grandes expectativas relativamente à preparação inicial para a vida profissional. Na verdade, é geral a consideração de que a formação académica inicial é demasiado teórica, sendo tal facto percepcionado como algo natural. É que, ao nível das representações, é usual existir uma dicotomia entre ensino superior e profissão, associando-se a teoria ao espaço da educação e sendo a prática característica do espaço da profissão.

Note-se ainda que, para os académicos entrevistados, a preparação para a vida profissional não é consensualmente aceite como uma orientação à qual atribuir relevo no quadro da formação universitária. Existe também alguma divergência, entre os académicos, sobre os contornos dessa preparação para a vida profissional, nomeadamente sobre se a mesma deverá estar mais centrada em conhecimentos disciplinares de base ou na promoção do desenvolvimento pessoal dos alunos que engloba também capacidades e atitudes.

De facto, os académicos entrevistados revelam diferentes visões quanto às características dessa formação inicial básica, em acordo com as suas concepções relativamente à educação. Enquanto uns se centram mais no aluno e no seu desenvolvimento pessoal, outros colocam a ênfase nos conhecimentos e saberes disciplinares de base que os diplomados devem possuir. Assim, embora os dados da investigação não pretendam, de modo nenhum, ser representativos do universo dos académicos, permitem, pelo menos, antever a existência de posicionamentos contraditórios neste domínio no interior do meio académico.

É também de realçar que, entre diplomados e académicos, há quem sublinhe que o tempo em que se frequenta a universidade é não só um período de construção de conhecimentos técnicos e teóricos, mas também, o que é considerado igualmente importante, uma fase de maturação e de desenvolvimento de capacidades pessoais. O convívio com colegas e docentes e a saída de casa dos pais, quando é necessária para frequentar a universidade, são aspectos que os diplomados identificam como relevantes para esse processo de desenvolvimento pessoal. A nosso ver, este desenvolvimento não deixará de facilitar a transição para o mundo profissional e a integração em contextos de trabalho, tal como também se sugere numa outra pesquisa (Harvey, Moon e Geall, 1997).

Na nossa perspectiva, a presente investigação evidencia a importância de ultrapassar a dicotomia entre teoria e prática, correntemente utilizada para pensar as articulações entre educação e trabalho/emprego, na medida em que tal dicotomia se revela claramente insuficiente e inadequada.

Assim, para repensar o papel do ensino superior na preparação profissional dos seus diplomados importa centrar a atenção, alternativamente, sobre a necessidade de encontrar formas de convergência entre o ponto de vista problematizado do plano teórico (geralmente atribuído ao espaço do ensino superior) e a perspectiva pragmática e predominantemente orientada para a resolução de problemas no domínio prático

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(comummente associado ao espaço da profissão). Designadamente, parece relevante repensar as finalidades, estratégias e práticas da formação académica inicial, reflectindo sobre os conhecimentos e competências que aqui são fundamentais, bem como interessa estar atento ao seu papel no desenvolvimento pessoal e na construção identitária.

A necessidade de repensar, no ensino superior, a preparação para a vida profissional Um outro aspecto que surge frequentemente associado à questão do desemprego dos diplomados é a ideia de que os mesmos dispõem de uma preparação considerada negativa e desajustada para a vida profissional. Diplomados e empregadores entrevistados concordam com esta afirmação, indicando consensualmente que essa preparação negativa se deve sobretudo ao facto de a mesma ser demasiado teórica. Entre os académicos entrevistados, as opiniões dividem-se em dois grupos: há quem considere que essa má preparação é inevitável num contexto em que a rápida mudança do mercado de trabalho torna difícil saber o que é uma boa preparação, enquanto outros não aceitam essa adjectivação de má preparação.

Não obstante, são mencionadas, por parte de diplomados e empregadores, algumas lacunas na formação académica inicial na FCT, designadamente ao nível das línguas (português e inglês) e dos conhecimentos de informática na óptica do utilizador, bem como a existência de um desfasamento entre as competências e conhecimentos mais importantes para o exercício da actividade profissional e mais desenvolvidos no espaço da universidade. É, ainda, de assinalar que os diplomados consideram, em grande número, desconhecer as normas, os comportamentos, os procedimentos de comunicação e relacionamento internos, bem como a cultura e valores das organizações de trabalho no momento em que terminam o curso superior.

Estes elementos, conjugados com a análise do contexto em que actualmente se processa a inserção profissional de diplomados de ensino superior (decorrente da expansão e diversificação deste sub - sistema de ensino e das tendências de mudança no plano económico e profissional), levou-nos a considerar que se colocam presentemente dois grandes desafios à preparação profissional dos diplomados. Por um lado, a emergência de organizações do trabalho mais flexíveis origina a necessidade de formar profissionais com outras características, designadamente com mais capacidade de iniciativa e autonomia. Por outro lado, a instabilidade a nível económico e profissional dá lugar à necessidade de preparar os estudantes, tanto quanto possível, para construir os seus próprios percursos, fazendo escolhas e opções num contexto marcado pela incerteza e pela inexistência de carreiras pré - definidas.

Nestas condições, não é de espantar o reconhecimento, por parte dos académicos entrevistados, da necessidade de efectuar algumas mudanças nas actividades lectivas (planos curriculares, estratégias pedagógicas,...) e na forma de funcionamento da instituição universitária (cumprimento de regras e prazos das actividades lectivas, por exemplo), com o objectivo de melhorar a preparação dos alunos para a vida profissional. Contudo, esta necessidade de mudança ainda não se concretizou plenamente na FCT, no entender dos

169 académicos entrevistados, o que pode ser explicado por razões diversas, quer ligadas aos modos de funcionamento interno da própria instituição (nomeadamente o "corporativismo" dos departamentos), quer relacionadas com condicionalismos externos (designadamente os critérios de atribuição do financiamento por parte do Ministério). Neste contexto, colocamos a hipótese de que tais mudanças não se realizarão sem que tenha lugar uma profunda alteração das representações dos académicos sobre as finalidades do ensino superior e sobre a relevância e contornos da preparação dos seus diplomados para a vida profissional. É que, a nosso ver, esta alteração profunda das representações é essencial para permitir a emergência de novas práticas e estratégias, quer pedagógicas quer organizativas, no quadro do ensino superior.

No documento (5) ANAIS - Educação e Desenvolvimento (páginas 163-167)