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Introdução

Neste capítulo irei abordar o processo de institucionalização da composição no contexto da produção musical da EN, referindo as principais mudanças que ocorreram no decorrer das diferentes administrações. Pretendo sobretudo sublinhar a relação existente entre os principais compositores, as orquestras e as linhas de orientação estratégica adoptadas em diferentes momentos da vida da rádio pública.

A análise dos dados recolhidos permite definir momentos que marcam mudanças significativas desta actividade no quadro institucional da EN. Neste sentido, focarei os seguintes vectores: a reconfiguração do trabalho do compositor no contexto dos média e a articulação entre diferentes campos de produção musical como o teatro de revista, o cinema e a rádio; a composição enquanto actividade profissional no contexto da produção musical da EN; a criação de estruturas específicas de incentivo à composição musical, o seu funcionamento e os seus intervenientes; as estratégias de cada administração e as políticas de programação implementadas.

Abordarei uma primeira fase que engloba o período compreendido entre 1934 e 1941, e uma segunda fase entre 1942 e 1949, esta última marcada pelo lançamento dos

Concursos de Composição e do Gabinete de Estudos Musicais (GEM), procurando

realçar as contingências internas e os valores subjacentes ao processo de institucionalização da composição no âmbito da rádio pública.

4.1) A organização da composição na Emissora Nacional (1934-1941)

A emergência de um quadro institucional para o apoio à composição musical no contexto radiofónico constituiu um dos mais significativos momentos na reconfiguração da produção musical na EN. A necessidade de fomentar a produção de repertório a ser interpretado pelo “complexo orquestral” requereu, ao longo das três administrações, diferentes estratégias enformadas pelas políticas de programação. Uma das estratégias passou pela contratação de compositores e arranjadores que desempenhavam também o papel de director de orquestra e que tinham, em alguns casos, ligação a outras actividades no âmbito das indústrias da música, como o teatro de revista ou o cinema, onde desempenhavam funções semelhantes. Destacam-se os compositores e maestros

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Lopes da Costa, Flaviano Rodrigues, Belo Marques, António Melo, Fernando Carvalho, Tavares Belo e Frederico de Freitas (1902-1980)158 escolhidos pelas diferentes administrações e pelos respectivos chefes da Secção Musical da EN.

A institucionalização da composição na EN e a sua articulação com o Serviço Musical, não constituiu uma prioridade desde a primeira administração, em parte devido ao modelo de gestão adoptado, centrado no “complexo orquestral”. No entanto, a fase de emissões experimentais, coevas com o período vigente da primeira comissão administrativa foi, antes de mais, o período onde as orquestras e os concertos se destacaram como elemento central.

Na administração de António Joyce (1934-1935), a organização da composição deveria ter um sentido de “utilidade” prática, denotando a ligação que deveria existir entre o “complexo orquestral” e o repertório produzido para o mesmo.

A primeira grande medida no sentido de institucionalizar a composição foi a criação, em 1934, da Secção de Música Portuguesa (SMP) dirigida por Rui Coelho, que

158 Frederico Guedes de Freitas (1902-1980) foi um dos mais importantes maestros e compositores, no

âmbito da música erudita, ligado à EN. Desenvolveu também uma intensa actividade como pedagogo e investigador de assuntos sobre música e compositor de “música ligeira”. Iniciou a sua formação musical em piano com a sua mãe, ingressando em 1915 no Conservatório Nacional, que conclui em 1925, nos cursos de Piano, violino, Ciências Musicais e Composição. A sua afirmação como jovem compositor veio no ano seguinte, em 1926, quando apresentou um andamento do Quarteto Concertante, e lhe foi atribuída uma bolsa do Estado para prosseguir os estudos musicais, rumando inicialmente à Alemanha, mas acabando por se fixar em Paris para estudar com o compositor Florent Schmidt, regressando no mesmo ano a Portugal, onde venceu o prémio 1.º Prémio Nacional e Composição. Em 1927 iniciou uma longa e profícua carreira no âmbito da “música ligeira”, em particular ligada ao teatro de revista e operetas e cinema. No âmbito dos denominados “fonofilmes”, compôs a música para o 1.º filme sonoro português, A Severa, em 1930, realizado por Leitão de Barros. A sua visibilidade como compositor de “música ligeira” foi amplamente reconhecida no início dos anos 30, não só pela publicação de vários sucessos pelas principais casas editoras, como pela gravação fonográfica. De resto, Frederico de Freitas estabeleceu uma relação estreita com a editora discográfica His Master’s Voice, dirigindo a secção de Lisboa (Côrte Real e Latino 2010:526). A sua carreira como maestro no âmbito da música erudita estabilizou-se com a entrada em 1935 para a EN, onde dirigiu, a convite de Henrique Galvão, a Orquestra Portuguesa e, posteriormente a Orquestra de Câmara e Orquestra de Arco, substituindo, por vezes, Pedro de Freitas Branco na direcção da OSEN, alcançando o cargo de maestro titular daquela orquestra de 1963 a 1975. Nos anos 40, para além de convidado como responsável pela parte musical das Comemorações dos Centenários, em 1940, desenvolveu uma intensa actividade ligado aos Bailados Portugueses Verde Gaio, para os quais compôs a música (p. ex.: Nazaré, O muro do Derrête, e.o.) e que tinham como um dos protagonistas o bailarino Francis (Francisco Florêncio Graça), que havia sido seu colega de carteira no Liceu Nacional de Camões. Desde o final dos anos 30 e anos 40 apresentou-se em vários países da Europa e nos E.U.A., onde divulgou repertório erudito português, incluindo obras suas, destacando-se o concerto em Haia (1939), com o apoio do Instituto de Alta Cultura, e outros concertos resultantes das relações com algumas rádios europeias, como a BBC, a rádio Phillips, na Holanda, o Ibero- Amerikanische Institut em Berlim, e.o. Após o 25 de Abril, dirigiu a OSN nos concertos de entrada livre organizados pelo Movimento das Forças Armadas, para o qual efectuou também a orquestração de Grândola, vila morena, de José Afonso, retirando-se da actividade de director de orquestra em 1978. No ano seguinte assumiu a função de presidente honorário da SPA e continuou a sua actividade lectiva no Instituto Gregoriano de Lisboa, colaborando intensamente nas suas atividades. A sua obra musical é extensa, destacando-se no âmbito da música erudita, as composições para bailado, música de câmara, obas para solista, Ópera, música sinfónica, musica coral, música de cena e harmonizações. No domínio da “música ligeira”, compôs música para revistas, operetas, marchas e cinema (Id. ibid.:524-9).

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visava organizar e angariar repertório português para as orquestras da EN, bem como incentivar as recolhas e arranjos de melodias de matriz rural (Arquivo Histórico RDP- Acta da Reunião da EN, 1935). Constituía, portanto, objectivo do SMP receber e centralizar as recolhas etnográficas com vista à sua posterior utilização no contexto radiofónico:

“(...) pode enviar as canções tal qual o povo as canta, isto é, com a melodia e letra. Podem pôr a harmonia (acompanhamento), mas só a usada. É indispensável indicar, a tinta bem visível junto ao título, não só a região da canção, como todos os elementos que sirvam a sua total revelação etnográfica, tais como épocas em que se canta, festas, trabalhos, etc.” (O Século, 04/07/1934).

No caso da música erudita, Rui Coelho ficaria encarregue de solicitar a vários compositores portugueses uma listagem das suas obras inéditas para integrarem aquela secção, com o objectivo de constituir um corpo de repertório para as orquestras e assim divulgar mais “música portuguesa”. A ausência de registos das obras que ali deram entrada torna difícil perceber qual o impacte real de tal medida. Sabemos no entanto que Rui Coelho se dirigiu efectivamente aos compositores no sentido de pedir a sua colaboração. Segundo uma carta localizada no espólio de Pedro do Prado, surge uma das poucas reacções ao pedido realizado por Rui Coelho, por parte de Fernando Lopes- Graça (1906-1994):

“Recebi hoje, assinada pelo Ruy Coelho, como director da Secção de Música Portuguesa da Emissora Nacional, uma circular em que era pedida uma indicação das minhas “obras inéditas”, que possam ser radiodifundidas. Caí, como deves supor, das nuvens, se não de mais alto ainda, e perguntei a mim mesmo se o homem teria endoidecido (...) ou foi coagido, por ordens superiores a dirigir-me o convite; ou então, assinou o expediente, que lhe apresentaram, sem cuidar de saber, saber mesmo a quem eram as circulares dirigidas.” (MM/EPP- Envelope II A, carta 32, s.d.).

A actividade de Rui Coelho não se revelou pacífica na tentativa de implementação de uma estratégia para a SMP da EN. Segundo a Acta da Reunião da Comissão de Programas de 4 de Julho de 1935, é perceptível que o alcance da SMP foi assaz limitado, falhando o objectivo de reunir repertório de compositores portugueses, assim como de assegurar a recolha de melodias em contexto rural e a sua respectiva harmonização.

Após a intervenção de Couto dos Santos e de Duarte Pacheco, em 1935, no sentido de questionarem a viabilidade financeira da EN e a estratégia de programação levada a cabo por António Joyce, Henrique Galvão não teve dúvidas em apontar a inutilidade da SMP, o seu mau funcionamento e, sobretudo, a deficiência da sua liderança. O alvo do novo administrador da EN, em Julho de 1935, foi Rui Coelho:

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“Em 1º logar não encontrou, como disse, o mais ligeiro vestígio do trabalho do snr. Ruy Coelho. Um ano depois da sua admissão o que havia de matéria de música portuguesa era o que existia á sua entrada. O snr. Ruy Coelho ganhava mil escudos por mês. Esse vencimento representava uma despesa feita em pura perda.

Em 2º logar a acção do snr Ruy Coelho, á margem da secção que dirigia, tornou-se extremamente perniciosa para a administração da Emissora. Sua Excelência servindo-se da sua situação dentro da casa fazia incluir nos programas, frequentemente, obras suas - o que até certo ponto estaria bem porque algumas dessas obras teem real mérito mas aproveitava a circunstância para alugar depois os materiais dessas obras á Emissora por preços exorbitantes superiores por vezes ao preço de compra de outros materiais de categoria correspondente. Também recebeu quantias suplementares pelos raros concertos que deu apesar de ter um vencimento fixo em troca do qual nada fez de útil ou produtivo.

Parece-lhe pois que dispensando os serviços de uma pessoa, embora ilustre, que nada produzia, e que, ao mesmo tempo se tornava administrativamente pezada, não praticou violência ou injustiça quer na ordem artística quer na ordem administrativa. Da sahida do Snr. Ruy coelho, de facto, só resultaram vantagens.” (ANTT/AOS/CO/OP/7 -Acta da Reunião da EN, 04/06/1935).

As acusações a Rui Coelho provocaram a sua reacção assim que Henrique Galvão lhe comunicou a dispensa dos seus serviços a partir de 1 de Julho de 1935. A 26 de Junho de 1935 dirigiu-se ao Presidente do Conselho, apelando à sua “humanidade”, com o intuito de manter o seu trabalho na EN. Para o compositor e maestro, “O Estado Novo, não pode fechar na Emissora Nacional, as portas do Nacionalismo musical português, para as escarnar ainda mais, às toneladas desnacionalizantes dos discos estrangeiros, do “jazz” e do resto” (ANTT/AOS/CO/OP/7/4, carta de Rui Coelho a António de Oliveira Salazar, 26/06/1935). Para Rui Coelho, o motivo pelo qual a SMP não tinha cumprido a sua função devia-se ao facto de “nunca ter tido aquela secção, como as outras, um só escudo de subvenção mensal, para sua montagem e desenvolvimento” (ANTT/AOS/CO/OP/7 - Acta da Reunião da EN, 04/06/1935).

Não obstante a situação específica da SMP criticada pela administração liderada por Henrique Galvão, a necessidade de repertório a ser executado pelo “complexo orquestral” da EN constituía um dos principais problemas a resolver no domínio da produção musical da rádio pública.

No âmbito da “música ligeira”, cuja composição se destinava inicialmente à

Orquestra de Salão dirigida por Lopes da Costa, o repertório englobava composições

originais e arranjos de melodias populares de matriz rural e urbana, sobretudo dos números mais popularizados pelo teatro de revista. Tal como Lopes da Costa, os compositores e arranjadores que colaboraram neste período com a EN no âmbito da “música ligeira”, estavam ligados profissionalmente ao teatro de revista e tinham já

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experiência nas rádios “minhocas” lisboetas tais como: Fernando Carvalho,159

António Melo,160 Frederico de Freitas,161 Venceslau Pinto162 e, numa segunda fase, Tavares Belo e Jaime Mendes (1903-1997).163

José Lopes da Costa, o director da Orquestra de Salão da EN representou o paradigma, no âmbito da “música ligeira”, do maestro, compositor e arranjador da produção musical da EN, dependendo de si uma parte do repertório interpretado pela sua própria orquestra. No repertório que servia às actuações da supracitada orquestra, algum da autoria ou com arranjo de Lopes da Costa, contam-se arranjos de melodias populares urbanas ou de matriz rural, composições originais de fados orquestrados,

Fado o Variado, Rabela e Fado, Fados N.º 3 e Fadista Moderna, de composições

inspiradas em géneros coreográficos tidos como “tradicionais”, Vira das Rendilheiras e

Vira do Amor, e de “canções ligeiras” compostas ou arranjadas para orquestra como Amar e Dançar, Mangericos, e.o.164 Para além das composições originais, Lopes da Costa encarregou-se de produzir vários arranjos musicais para a sua orquestra de motivos “populares” (segundo a indicação que surge na partitura), como Senhora micas

e Senhor Queiroz, a canção Maria Cachucha, Corridinho – dança Algarvia, Cantiguinhas – 3 canções populares, e.o., assim como arranjos de obras de outros

compositores como Aldeia pequenina, de António Viana, Chanson Indoue, de Rimsky- Korsakov (AME/RDP/02276, s.d.), Bairro Alto (Opereta), de Venceslau Pinto, e.o.165

A inexistência de directivas que regulem a actividade e selecção de repertório de “música ligeira”, dificultam o entendimento da selecção do repertório e o enquadramento da composição no âmbito da rádio estatal no período anterior a 1937,

159 Começou a sua actividade no teatro de revista em 1935, com “Perna de pau”, para a empresa José

Loureiro, em co-autoria com Jaime Mendes e António Lopes, no Teatro Apolo.

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Compunha para o teatro de revista desde 1931, com a revista “Ai-ló”, em co-autoria com Frederico de Freitas.

161 Estreou-se em 1927, com “Água Pé”, para a Companhia Satanella – Amarante, em co-autoria com

Hugo Vidal, Angel Gomez, no Teatro Avenida (Bailados a cargo de Francis, que integraria posteriormente os Bailados Portugueses Verde Gaio).

162 Desenvolveu uma intensa actividade 20 a 40 nos géneros teatro-musicais, como a revista, Opereta

popular, Mágica, etc.

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Jaime Mendes (1903-1997), flautista compositor e director de orquestra. Depois de concluir os seus estudos no Conservatório Nacional, ingressou na OSEN como flautista. Paralelamente, dedicou-se à composição música para o teatro de revista entre os anos 20 e 50, destacando-se, por exemplo, “Viva o Jazz! (1931), Pernas ao léu (1933), Viva a folia (1934), Cantiga da rua (1943)”, e.o. (Rebello 2010:769). Compôs ainda música para vários filmes (Id. ibid.).

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As cotas das obras citadas são, respectivamente: AME/RDP/02200, s.d.; AME/RDP/02258, s.d.; AME/RDP/02263, 1936; AME/RDP/02199, s.d.; AME/RDP/02227, s.d.;AME/RDP/02247, s.d.; AME/RDP/02734, s.d.; AME/RDP/02286, 1937.

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As cotas das obras citadas são, respectivamente: AME/RDP/02256; AME/RDP/02257; AME/RDP/02262; AME/RDP/02295; AME/RDP/02182; AME/RDP/02276; AME/RDP/03939.

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altura em que surge pela 1.ª vez a referência específica ao repertório recomendado para cada unidade do “complexo orquestral” (Ordem de Serviço n.º 8, 18/01/1937).

A tomada de posse de Henrique Galvão e a necessidade de impor uma “ordem administrativa” não só ao “complexo orquestral”, mas também a outros sectores de produção musical da EN teve implicações nas necessidades imediatasde repertório para a orquestra dirigida por Lopes da Costa, que passara de uma a duas actuações semanais em 1934, para uma média de 5 em 1935 (Rádio Semanal, 1934-1935). Neste sentido, assistimos, a partir de Junho de 1935, a um aumento do número de colaborações de outros compositores e arranjadores externos à rádio oficial, como Cruz e Sousa, Júlio Almada, Raul Campos, Mendes Canhão, Raul Ferrão, e.o.

O aumento das actuações das orquestras afectas à EN e consequente necessidade de repertório acentuou a importância do arranjo para orquestra de composições originais publicadas para piano ou piano e voz, provenientes do mercado da edição musical nacional (Sassetti e Valentim de Carvalho), internacional (Irmãos Vitale - Brasil) e do teatro de revista. Os arranjos musicais para a Orquestra de Salão realizados a partir de partituras para piano e canto são recorrentes no seu repertório, como Madrugada Valsa (1935) de Figueira Fabião (parte de piano- Sassetti), O dia da espiga, de Alves Coelho (1926) (parte de piano - Valentim de Carvalho), e.o.166

Além da prática do arranjo de repertório corrente no âmbito da EN, compravam- se ocasionalmente partituras originais e o respectivo arranjo a editoras estrangeiras. É o caso de algumas composições de Ary Barroso (1903-1964) orquestradas pelo compositor, maestro, arranjador e pianista brasileiro Lyrio Panicali (1906-1984), para a casa editora brasileira Irmãos Vitale, como Chiribiri Quaqua (c.1936), Como “vaes”

você? (c.1936), Foi de Madrugada (c.1936), e.o. obras de compositores brasileiros

como Assis Valente (1911-1958), Herve Cordovil (1914-1979) e Paulo Barbosa (1900- 1955).167

A necessidade de “fixar os géneros de música dentro dos quais as diversas orquestras da Emissora Nacional deverão exercer a sua actividade” (Ordem de Serviço n.º 8, 18/01/1937) resultou do crescimento de concertos e do número de orquestras, existindo em 1937 vários agrupamentos dedicados exclusivamente à denominada “música ligeira”, como a Orquestra Ligeira, a Orquestra de Variedades e o Quarteto

166 As cotas das obras citadas são, respectivamente: AME/RDP/02050; AME/RDP/02249. 167

As cotas das obras citadas são, respectivamente: AME/RDP/02688; AME/RDP/02690; AME/RDP/02705.

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Vocal Masculino (ibid.). Para além de Lopes da Costa, a EN passou a contar, em 1937, com a colaboração do músico da OSEN Fernando Carvalho, que dirigiria a partir daquele ano a Orquestra de Variedades e, ocasionalmente, a Orquestra Ligeira. Ao longo da sua actividade na EN, até aos anos 60, efectuou cerca de 250 arranjos e 290 composições originais (AME/RDP), incluindo repertório popularizado pela indústria fonográfica Norte-Americana, pelo teatro de revista e pelo cinema.

A prática do arranjo e da composição de repertório para as orquestras no âmbito da “música ligeira” exigiu assim a atenção de Henrique Galvão que procurou enquadrar no seu ímpeto reformista esta actividade, delimitando, em virtude do aumento do número de orquestras dedicadas àquele domínio musical, o repertório específico para cada uma.

Na sequência da ordem de serviço que visava definir os repertórios e competências artísticas das orquestras, Pires Cardoso, director interino da EN, convocou uma reunião no dia 5 de Março de 1936, com Isidro Aranha, substituto de Mota Pereira à frente da Secção Musical, contando com a participação de várias figuras do Serviço de Orquestras e do Serviço Musical, nomeadamente, Pedro de Freitas Branco, Frederico de Freitas, Venceslau Pinto, Lopes da Costa e Belo Marques em representação das Orquestras e Luís Gomes,168 António Pereira,169 César Mendonça (arquivista musical), António Valente (baterista da OSEN) e Jaime Mendes (flautista da OSEN). A matéria regulamentar que surge na sequência da reunião, procurou uniformizar os serviços respeitantes à prática da cópia e instrumentação que se tornava uma actividade cada vez mais importante na produção musical da EN.

“A título provisório, entrará em vigor a partir desta data a seguinte tabela para o pagamento de instrumentação e cópias de peças de música:

Cópias:

Partes de orquestra 1$05 por página, incluindo papel

Partes de Piano 2$10 por página, incluindo papel Instrumentações:

Partituras 3$00 por página, incluindo papel

Nos futuros trabalhos de instrumentação não pode ser dispensada a elaboração da respectiva partitura.” (Ordem de Serviço n.º 19, 10/03/1937).

168 António Luís Gomes desempenhava funções na secção musical da EN nomeadamente, na discoteca.

Foi primeiro violino da Orquestra do Teatro de S. João, no Porto e veio para Lisboa em 1894, com 18 anos, cidade onde estudou composição e integrou a Orquestra do São Carlos. Ano depois partiu para o Brasil para dirigir, em 1910, a orquestra do Teatro Apolo, no Rio de Janeiro. Já nos anos 20, foi contratado pela companhia de Operetas de Armando Vasconcelos, tendo feito carreira nos principais teatros associados ao género. (Anuário Radiofónico Português 1936:179).

169 Foi director da “antiga Banda Marcial”, trompetista da Orquestra Sinfónica desde 1936 e

desempenhou as funções de arquivista e encarregado das Orquestras da EN (Anuário Radiofónico Português 1938:159).

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Mas o crescimento do número de orquestras implicou também a aquisição de partituras completas, ou seja, com as partes instrumentais, para as orquestras no domínio da “música ligeira”, e que espelhava a tendência de incluir nos programas repertório no âmbito do jazz. Acompanhando a tendência da BBC e dos seus programas de “música de dança”, nos quais se manifestava aquele tipo de repertório (Rádio

Semanal, 21/03/1936), a EN adquiriu várias partituras das principais casas editoras

europeias: This way young lady, de Armand Bernard com arranjo de Faustin Jean Jean (Editions Max Eschig-Paris) (c. 1936), Funf von der Jazzband de Theo Mackeben com arranjo de Harold Kirchstein (Editora Adolph Furstner- Berlin) (c. 1932), Concerto

Jazz: Original Hot Fox Trot, de Pizzigoni (Edizioni Musicali “Aedo”- Milano) (1939),

e.o.170

4.2) A organização da composição durante a administração de Ferro

(1941-1949)

A política radiofónica de António Ferro (1941-1949)teve um grande impacte no modo como foi reorganizada acomposição no contexto da rádio pública em Portugal.

A fundação do Gabinete de Estudos Musicais (GEM), em 1942, enquanto projecto ideologicamente orientado no contexto do “aportuguesamento” da