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A institucionalização dos direitos e garantias fundamentais na Constituição

2 DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.2 A institucionalização dos direitos e garantias fundamentais na Constituição

A Constituição Federal de 1988 é considerada um marco no processo de democratização do Estado Brasileiro, alargando significativamente o rol de direitos e garantias fundamentais, esculpidos principalmente no Título II do texto constitucional. Para Flávia Piovesan8, situa-se a Carta de 1988 como o documento mais abrangente e pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil, estando dentre as constituições mais avançadas no mundo em relação a essa matéria. “É um texto moderno, como inovações de relevante importância para o constitucionalismo brasileiro e até o mundial” (SILVA, 2005, p. 89).

Percebe-se na atual Constituição que os direitos fundamentais se encontram topograficamente situados no início do texto constitucional, logo após o preâmbulo, consistindo esses direitos em parâmetro hermenêutico e valores superiores de toda a ordem constitucional e jurídica, tendo sido, inclusive, elevados à categoria de cláusula pétrea (art. 60, §4º da Constituição Federal de 1988). Ademais, utilizou o constituinte de 1988 a terminologia “direitos e garantias fundamentais”, superando a anacrônica expressão “direitos e garantias individuais”, presente em textos anteriores.

A Constituição Federal de 1988 inovou ainda não só por alargar o rol e direitos fundamentais relativos a direitos civis e políticos, como também por inserir em seu bojo direitos sociais. Nesse aspecto, pode-se afirmar que a Carta de 1988 acolheu os princípios da

8 A proteção dos Direitos Humanos no Sistema Constitucional Brasileiro, capturado em

indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, conjugando-se o valor da liberdade ao valor da igualdade, não havendo como separar os direitos de liberdade dos direitos de igualdade (PIOVESAN, 2000).

No que concerne à liberdade e à igualdade, menciona Glauco Barreira Magalhães Filho (2002) o pensamento de Norberto Bobbio, no sentido de considerar essas duas aspirações humanas como integrantes do conceito de pessoa. Para que seja considerado pessoa, deve o ser humano ser livre, sob o prisma da individualidade, e, enquanto ser social, deve estar em relação de igualdade perante os demais indivíduos. Acrescenta o autor que constituem ainda a liberdade e a igualdade valores fundamentais da democracia.

Bem destaca Ingo Wolfgang Sarlet (2006) a vinculação existente entre direitos fundamentais, Constituição e Estado de Direito. Os direitos fundamentais, juntamente com a definição de forma de Estado, sistema de governo e organização de poder seriam a essência de um Estado constitucional, não apenas formalmente, como também materialmente.

Na lição de Canotilho (1992), estariam a juridicidade, a constitucionalidade e os direitos fundamentais como pressupostos materiais subjacentes ao princípio do Estado de Direito. Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, já se percebe esses delineamentos desde seu preâmbulo, o qual prevê a instituição de Estado Democrático de Direito “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem- estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça (...)”.

Consagra ainda o texto constitucional, nos arts. 1º e 3º, os princípios e fundamentos do Estado Democrático de Direito brasileiro, entre os quais se destaca o princípio da dignidade da

pessoa humana, previsto no inc. III do art. 1º. Ressalta Flávia Piovesan9 que nesse ponto surge o encontro do princípio do Estado Democrático de Direito com os direitos fundamentais, tornando evidente que são esse direitos elementos básicos para a realização do princípio democrático.

Os dispositivos inicias do texto constitucional, mormente no que concerne aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, visam a assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana como um imperativo de justiça social (PIOVESAN, 2000). Prevê o art. 3º da Constituição Federal os seguintes objetivos: construção uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A doutrina pátria tem se manifestado no sentido de considerar os direitos fundamentais como concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, expressamente previsto no inc. III do art. 1º da Constituição de 1988 como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Ingo Wolfgang Sarlet (2006), com base nesse posicionamento, faz menção a um sistema de direitos fundamentais no contexto global da Constituição. Na concepção de Sarlet, que se apóia na tese do alemão Konrad Hesse, embora os direitos fundamentais formem um sistema no contexto da Constituição, não há que se falar em sistema fechado e separado. O §2º do art.

9 Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5a ed. São Paulo: Max Limonad, 2002; A proteção

dos Direitos Humanos no Sistema Constitucional Brasileiro, capturado em

5º da Constituição consagrou um sistema materialmente aberto, ao prever que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Ademais, não há que se considerar o sistema de direitos fundamentais como distinto e autônomo em relação ao restante do texto constitucional.

“Em se reconhecendo a existência de um sistema dos direitos fundamentais, este necessariamente será, não propriamente um sistema lógico-dedutivo (autônomo e auto-suficiente), mas, sim, um sistema aberto e flexível, receptivo a novos conteúdos e desenvolvimentos, integrado ao restante da ordem constitucional, além de sujeito aos influxos do mundo circundante” (SARLET, 2006)10.

Flávia Piovesan (2000), a seu turno, considera o valor da dignidade da pessoa humana como núcleo básico e informador de todo o ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação e compreensão do sistema constitucional. O constituinte de 1988 teria elegido a dignidade da pessoa humana como valor essencial, atribuindo unidade de sentido à Constituição, informando toda a ordem constitucional e imprimindo-lhe uma feição particular.

Conclui Flávia Piovesan pelo reconhecimento do ordenamento jurídico como sistema composto por normas e princípios que incorporam ideais de justiça e de valores éticos, de forma que esses princípios estariam a dar suporte axiológico ao ordenamento, conferindo-lhe uma coerência interna e uma estrutura harmônica.

“À luz dessa concepção, infere-se que o valor da dignidade da pessoa humana, bem como o valor dos direitos e garantias fundamentais, vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e de valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro” (PIOVESAN, 2000, p. 54 e 55).

Acrescenta Glauco Barreira Magalhães Filho (2002) que não só os direitos fundamentais como toda a ordem jurídica têm como assento material o valor da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana pode ainda ser vista como fonte ética dos direitos fundamentais, não sendo estes senão emanações do valor básico mencionado. A noção de dignidade humana é universal, de forma que sua inserção em um texto constitucional agrega-a nas normas infraconstitucionais e constitucionais (FELIPE, 1996 apud MAGALHÃES FILHO, 2002).

Alexandre de Moraes (2005), por sua vez, destaca a dignidade da pessoa humana como valor espiritual e moral inerente à pessoa, manifestando-se na autodeterminação consciente e responsável da própria vida. Traz ainda esse princípio a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, “constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais” (MORAES, 2005, p. 48).

Seria, portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana a lex generalis, o fundamento dos direitos fundamentais do homem, havendo inclusive direitos que consistem em mero desdobramento daquele. Sarlet (2006) vai mais longe ao afirmar que tudo que consta no texto constitucional pode ser reconduzido, direta ou indiretamente, ao valor da dignidade da pessoa humana, fazendo-nos compreender que esse princípio é a base para a construção material de direitos fundamentais.

2.3 Interpretação das normas constitucionais

– aplicação dos direitos