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O momento que antecede a reforma da instrução pública, do governo de Inglês de Sousa na Província do Espírito Santo, é marcado por um período de grande disputa entre o Partido Conservador e o Partido Liberal.87 Ao analisar algumas fontes, como os jornais que circulavam na Província e os anais da Assembléia Provincial, é possível perceber que esses dois grupos estão em disputa por espaço. Nesse processo, é possível percebê-los competindo pela voz autorizada sobre vários temas, entre eles, o tema da instrução pública.

Conforme Barros (1959), é muito difícil precisar os limites e os contornos que os partidos políticos assumem no Império. Dizia ele: “[...] há conservadores no partido liberal e liberais no partido conservador” (BARROS, 1959, p. 31). Para o autor, é possível, durante o Império, detectar políticos republicanos ultramontanos, positivistas católicos e conservadores positivistas e o que pode parecer mais contraditório, ultramontanos republicanos e liberais. Apesar de, segundo Barros (1959), existirem autênticos liberais, como Tavares Bastos ou Rui Barbosa, não obstante serem monarquistas.88

Para Barros (1959), faltava aos partidos políticos verdadeiro conteúdo ideológico, orgânico e conseqüente. Analisando o período a partir da década de 1870, declara que outros fatores integravam os homens sob o rótulo de conservador, liberal ou republicano. Para o autor (1959, p. 35), “O que integra, então, os homens nos partidos não são tanto suas convicções quanto tradições de família, amizade, relações municipais e grupais”. Assim, de

87 Para um estudo sobre A história dos partidos políticos brasileiros no Império, ver Chacon (1985). Já para

compreender a utensilagem mental ou, como diria Barros (1959), os tipos (de mentalidades), como construções mentais, que durante os últimos 30 anos do Segundo Império conformaram o modo como alguns grupos se organizaram discursivamente para manter ou ampliar a zona de influência política, ver A ilustração brasileira e a idéia de universidade. Conferir também o estudo de Hilsdorf (2003) História da educação brasileira: leituras, principalmente no quarto capítulo, em que a autora analisa A escola brasileira no império.

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A lógica que preside as configurações partidárias no Império não é fácil de capturar se for observada de um ponto de vista estanque. Poderia ser relegada ao rol dos absurdos se não estivéssemos analisando um Brasil, que escapa a racionalidade e a ordem das regularidades, que não se comporta segundo um modelo europeu ou norte americano de organização partidária (WARDE, 1993). Conforme Warde (1993, p. 39) “O Brasil, definitivamente, ficou fora do arsenal cartesiano das idéias inatas; negou-se à distinção e à clareza. Mas acabou por criar a sua lógica: nova e própria, onde o conhecido e o desconhecido se alternam, sem cadência, ritmo e direção previsíveis”.

acordo com Barros (1959), o mais conveniente não seria falar em partidos políticos, mas em tipos que se definem por sua mentalidade. Desse modo, “[...] não há mais partidos, mas

tipos, católico-conservadores, liberais ou cientificistas” (BARROS, 1959, p. 35, grifos do

autor).89

A classificação e tipologia proposta por Barros (1959), apesar da sua relevância para se compreender a organização dos políticos do Império, pois nos fornece pistas sobre a fluidez com que os homens se movimentam nesse cenário, uma vez que permite observar, como afirma Chartier (1991, p. 183), as “[...] configurações intelectuais múltiplas pelas quais a realidade é contraditoriamente construída pelos diferentes grupos que compõem uma sociedade”, a opção é continuar utilizando os termos Partido Liberal e Partido Conservador, ainda que não descartando utilizar, como ferramentas explicativas, os tipos verificados por Barros (1959). Essa decisão não quer dizer que, no estudo, se buscará explicar o indivíduo tomando-se por base o grupo ao qual ele diz estar vinculado ou com base na análise dos lugares e espaços90 (sociais, institucionais, culturais) que ocupa, ou determinar uma psicologia do indivíduo, uma vez que, entre as estratégias e as táticas dos praticantes, há um hiato, formado mediante processos de apropriações que são feitas do mundo, com base em interesses individuais e/ou coletivos (CERTEAU, 1994). Para Chartier (1990), o mais interessante é projetar o estudo dessas conformações particulares ou compartilhadas de representar o mundo, utilizando como objeto

[...] a compreensão das formas e dos motivos – ou, por outras palavras, das representações do mundo social – que, à revelia dos

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Barros (1999), ao analisar sua obra, A ilustração brasileira e a idéia de universidade, 40 anos depois, em texto que intitulou de A ilustração brasileira revisitada, afirma que as expressões que utilizou para se referir

aos tipos de mentalidades que na década de 1870 configuravam um modo de agir político no Império já não lhe soavam tão bem aos ouvidos e talvez não fossem tão explicativas quanto tinha imaginado no período em que escreveu sua tese. Por sugestão de alguns amigos e críticos, concorda que, em lugar de católico-

conservador, o mais conveniente seria denominar essa forma de concepção do mundo como mentalidade ultramontana. Em lugar de mentalidade liberal, não especificando os matizes desse liberalismo, talvez fosse

interessante pensá-los como liberais-românticos e, finalmente, substituir cientificista por uma expressão mais

apropriada, gramaticamente e, que expressasse com mais propriedade a mentalidade por trás das ações daquela forma de ver o mundo. Para ele, a expressão que poderia substituir, ganhando muito em capacidade explicativa e que evitaria equívocos, era a de naturalismo cientista.

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Para Certeau (1994, p. 201), “Um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas

relações de coexistência. Aí se acha portanto excluída a possibilidade para duas coisas, de ocuparem o mesmo lugar. Ai impera a lei do ‘próprio’: os elementos considerados se acham uns ao lado dos outros, cada um situado num lugar ‘próprio’ e distinto que o define. Um lugar é portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade” (grifo do autor). Já para Certeau (1994, p. 202), “Existe espaço sempre que se tomam em conta vetores de direção, quantidade de velocidade e a variável tempo. O espaço é um cruzamento de móveis. É, de certo modo animado pelo conjunto dos movimentos que aí se desdobram. Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais” (grifo do autor).

actores sociais, traduzem as suas posições e interesses objectivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que ela fosse (CHARTIER, 1990, p. 19).

Desse modo, a atenção, em um estudo que busca operar com o conceito de representação coletiva, deve estar voltada para os modos “[...] como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída pensada e dada a ler” (CHARTIER, 1990, p. 17).

Fazendo uso do jornal como dispositivo91 para fazer circular suas representações, o Partido Liberal, na voz de um de seus representantes, o deputado Eliseu de Sousa Martins (Eliseu Martins),92 a partir do mês de março de 1882, faz circular, pelas páginas do Jornal O Horizonte, uma série de notas que esclareciam que estava em execução um projeto de reforma da instrução pública que pretendia organizar o ensino oferecido na Província.

É possível perceber que as preocupações que mobilizavam alguns dos deputados eram as mesmas que já haviam incomodado Pedro Leão Velloso, presidente que governou a Província no ano de 1860. No relatório produzido por esse presidente, informam-se algumas das razões pelas quais se considerava que o ensino público no Espírito Santo era muito difícil de ser conduzido. De acordo com o presidente,

Falta o discípulo: 1.° Porque falta o professor; o que ensina a elle não compensa o sacrificio de mandal-o á eschola. 2.° Porque pais, que educação não receberão, e que sem ella tem vivido, não reconhecem a sua necessidade: pais, os ha n’esta provincia, que entendem, que os filhos ganhão em não aprender a ler, porque livrão-se do futuro dos encargos cívis (VELLOSO, 1860, p. 45).

Mesmo os cidadãos93 com maiores posses preferiam enviar seus filhos à lavoura a deixá-los freqüentar a escola. Conta o Presidente da Província que havia

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Para A-M Chartier (2002, p. 13), o poder do dispositivo, que invariavelmente acompanha as reformas, não está apenas no seu uso como modelador de práticas e na capacidade que possui de orientar as condutas e as representações, mas nos saberes que buscam instaurar, como as inovações no campo, as realizações inventivas que tratam do “como fazer”.

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Poucos são os dados que foram encontrados sobre esse deputado. Sabe-se, com base nas leituras dos relatórios dos presidentes da Província, que havia nascido, em 1º de janeiro de 1842, na cidade de Gurgueá, Província do Piauí. Que era bacharel em direito pala Faculdade de Direito de Recife e que havia sido presidente da Província do Espírito Santo entre os anos de 1879-1880 e deputado provincial entre os anos de 1882-1883. Também foi senador na República, entre os 1890 a 1894.

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Há de se perceber que o uso do termo cidadão possui, no texto, um sentido restrito. Pela Constituição Politica do Imperio do Brazil (de 25 de março de 1824), art. 6º, eram considerados cidadãos brasileiros: “I.

Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação. II. Os filhos de pai Brazileiro, e os illegitimos de mãi Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Imperio. III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em serviço do Imperio, embora elles não venham estabelecer domicilio no Brazil. IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no Brazil

[...] um cidadão abastado de uma das melhores villas, e que elle mesmo fruia das vantagens do ensino, ouvi eu dizer, que não fazia ensinar á ler a seus filhos, para livral-os dos encommodos do jury. E na maioria preferem os pais o resultado muito do serviço de meninos applicados á lavoura ao beneficio immenso do seu ensino (VELLOSO, 1860, p. 45).

O projeto desenvolvido por Elizeu Martins tinha como um de seus objetivos sanar esse problema. Para isso, conclama aos cidadãos94 para discutir seu projeto antes que fosse enviado à Assembléia dos deputados.

A estratégia utilizada por Eliseu Martins não é um caso isolado. Narodowski (2002), ao analisar as relações entre a infância, disciplinamento do corpo infantil e a introdução do Ensino Mútuo na Argentina, nas primeiras décadas do século XIX, informa que foi necessária, por parte do Estado, a produção de uma aliança com as famílias (sociedade)95 para que a reforma pretendida fosse aceita, garantindo, assim, o fluxo infantil de uma instituição para outra.

A aliança entre a instituição escolar e a família para a produção de uma reforma, segundo Narodowski (2002), é uma necessidade, pois o que se propõe é uma nova forma de

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na época, em que se proclamou a Independencia nas Provincias, onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua residencia. V. Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalização” (BRASIL, 2001, p. 5). Mas é interresante observar que somente alguns homens poderiam exercer direitos políticos, aqueles considerados ativos. Discrimina o texto da lei: “Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes. [...] V. Os que não tiverem de renda liquida annual de cem mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou Empregos [...]. Art. 93. Os que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem ser Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional, ou local. Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial. Exceptuam-se I. Os que não tiverem de renda liquida annual de

duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio” (BRASIL, 2001, p. 10, grifos meus).

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Durante todo o período imperial, a participação política relacionou-se, prioritariamente, com a riqueza individual, com base no critério censitário. A Carta de 1824 seccionou a prática da cidadania, por intermédio da divisão arbitrada no interior do corpo de cidadãos, pela Constituição monárquica de 1824, que estabelecia a diferença entre os cidadãos “ativos”, a quem eram atribuídos “direitos políticos”, e cidadãos “passivos”, para os quais só se reconheciam os “direitos civis”. “A diferença entre essas duas categorias seria exercida pelo voto. Entretanto, como a propriedade era o fundamento da cidadania, seria possível se tornar cidadão ao se tornar proprietário. Ficava excluída assim, da sociedade política brasileira, grande parte da população, formada por escravos e por homens livres pobres, como também do acesso à educação, porque a Constituição de 1824, em seu art. 179, parágrafo 32, só garantia educação gratuita aos cidadãos” (CARDOSO, 2003, n. 5, p. 199). Para Hilsdorf (2003, p. 43), essa situação era decorrente de “[...] a sociedade brasileira não [...] [formar] um conjunto, mas uma hierarquia, com camadas diferentes e desiguais, divididas em ‘coisas’ (escravos e índios) e ‘pessoas’, que compreendiam a ‘plebe’ (a massa dos homens livres e pobres) e o ‘povo’ (classe senhorial dos proprietários), a preocupação com o povo expressa por eles não significava a preocupação com a plebe” (grifo da autora).

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É necessário compreender que o termo sociedade não se refere, nesse período, a toda a sociedade como compreendemos hodiernamente, mas a uma parcela de homens livres, com algum poder aquisitivo dentro de uma composição hierarquizada da divisão social do Império brasileiro. Ver Mattos (1987), em O tempo saquarema: a formação do Estado Imperial para compreender a constituição da sociedade brasileira durante

socialização, diferente da que até então é a mais comum, a aprendizagem das regras sociais e comportamentais por intermédio de um processo não formalizado. A predominância que esse “novo” meio de socialização oferece, de acordo com Vincent, Lahire e Thin (2001, p. 42), não é conseguida sem “[...] resistências ‘objetivas’ por parte dos sujeitos sociais socializados em outras formas e relações sociais”, pois a escola é entendida como uma novidade, estranha, talvez perigosa, que modifica o cotidiano impondo novas práticas, como a administração educativa e uniforme do tempo, currículo unificado e docência capacitada de modo homogêneo (NARODOWSKI, 2002).

O uso que se faz do jornal, explicando sobre o processo de criação do regulamento, informando sobre o conteúdo e necessidade da participação dos cidadãos (ativos), é estratégia empregada no âmbito da reforma para angariar simpatizantes, já que estes não poderiam ser coagidos à adesão; teriam que ser convencidos da eficácia do projeto.96 O convencimento seria realizado por intermédio das matérias, positivas, relacionadas com a necessidade da reforma.

O projeto de uma reforma da instrução pública já acompanhava Eliseu Martins desde que fora presidente da Província. Em seu relatório da presidência, do ano de 1880, já havia diagnosticado que seria necessária uma reforma da instrução pública. Dizia ele: “Sem deixar de ligar a necessaria importancia aos demais assumptos, que fazem o objectivo da administração, é este um dos que mais de perto deve interessar aos depositarios do poder publico, responsaveis immediatos pela boa ou má gestão” (MARTINS, 1880, p.1). Nesse sentido, relata:

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Infelizmente a Instrução Publica n’esta Provincia, quer a primaria, quer a secundaria, está bem longe de attingir o alvo que fora para desejar. Esta verdade, por mais dolorosa que ella seja, convém que a repitamos incessantemente; não ha talvez outro meio de despertar nossos brios, de chamar a attenção geral para o objeto de tamanho alcance e que, não obstante os nossos 58 annos de existencia politica, se acha ainda em estado rudimentar (MARTINS, 1880, p. 2).

A análise realizada por Eliseu Martins faz parte de uma cadeia discursiva que pode ser rastreada na maioria dos relatórios de presidentes da Província do Espírito Santo. Dificilmente os presidentes se reportam, ao analisar o estado da instrução pública, a alguma experiência educativa que tenha oferecido resultados positivos. A maioria das vezes, como regra, justificam os parcos resultados da administração provincial nesse setor, pelo fato de seus

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No quinto capítulo, será analisada, de forma mais detalhada, como é organizado e colocado em ação um projeto de convencimento dos cidadãos (ativos) da Província, por intermédio dos dispositivos (imprensa e

antecessores terem feito baixos investimentos na criação e manutenção de estabelecimentos de ensino, pela dificuldade na contratação de professores capacitados ao ensino e pela falta de interesse que muitos tinham a respeito da necessidade da escola, como instância socializadora. O resultado desses fatores, para Eliseu Martins, era que, na Província, naquele momento, os professores estavam despreparados para ensinar. Para ele, o modelo utilizado pelo professorado da Província para ensinar estava muito ultrapassado, quando comparado com o modelo adotado na América do Norte ou em alguns países da Europa.97 De acordo com o presidente “O Profêssorado é máo, não porque em geral não preencha as condições legaes exigidas, mas porque o typo do professor primário é actualmente o mesmo dos tempos primitivos, limitando-se suas funções a ensinar mal a lêr, escrever, contar e rezar!” (MARTINS, 1880, p. 2).

O ensinar a ler, escrever, contar e rezar, para o presidente Eliseu Martins, em 1880, não era suficiente para instruir o cidadão da Província, pois:

O ensino primario, não ha mais hoje quem o conteste, deve comprehender todos os conhecimentos que são necessarios ao homem - por ser homem, - qualquer que seja a sua condição; sem o que será infrutifero e não poderá nunca influir directa e positivamente no progresso da sociedade, que, em ultima analyse, consiste, ou melhor resulta, do aproveitamento real de todas as aptidoes no exercico legal da actividade de cada um (MARTINS, 1880, p. 2).

De posse desse discurso, crente da necessidade da reforma da instrução pública, Eliseu Martins procura convencer os ouvintes e leitores do relatório que apresentava, no final do seu governo, que era urgente melhorar a instrução na Província, pois seria condição para que os homens pudessem

Conhecer a si e a seus semelhantes, conhecer o que o Estado lhe deve e o que elle deve ao estado, conhecer o mundo physico, suas leis e forças e os meios de utilizal-as no proveito proprio e do commum, ninguem contesta certamente que é essencial ao homem, sem distincção de classes, hyerarchias ou profissões (MARTINS, 1880, p. 2).

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palestras pedagógicas desenvolvidas pelo professor Silva Jardim) que dão visibilidade à reforma pretendida.

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Relata Eliseu Martins (1880) para os deputados provinciais que deveriam urgentemente adotar para a Província o modelo que na América do Norte e Europa estava surtindo muitos efeitos positivos na instrução dos cidadãos daquelas regiões. De acordo com o presidente, “Assim se pratica nos Estados-Unido, que n’este particular, como em muitos outros, offerece larga margem para imitação, ha velha e culta Europa; ahi, o ensino primario abrange, além das materias que o contituem entre nós, escepto o rezar, as sciencias que o normalista, o agricultor, o physico; o chimico, o mechanico e o negociante, sem esquecer o que diz respeito aos direitos individuais e politicos do cidadão; ensino este dado nas devidas proporções e com os melhores methodos, o que é tudo (MARTINS, 1880, p. 2).

É possível observar uma sutil modificação do que se compreendia como as qualidades que conferiam aos homens a condição de ser cidadão do Império. Para ser considerado cidadão, seria necessário passar pelo processo de escolarização, no caso não a oferecida no ambiente doméstico, mas a que o Estado deveria prover. Pelo que se percebe de sua Fala à Assembléia Provincial, na escola é que se formaria o novo cidadão, consciente de seus deveres e direitos. A instrução da sociedade seria, para Eliseu Martins, condição sine qua non para se desenvolver todas as possibilidades da Província. Para Eliseu Martins (1880, p. 3), a Província possuía problemas que não conseguia resolver porque se havia ignorado “[...] os segredos de conquistar as grandes e variadas riquezas com que em balde o nosso sólo tenta pôr em proveitoso movimento a nossa actividade, soterrada á camada espessa da ignorancia, que nos opprime”.

De acordo com Barros (1959, p. 59) essa forma de pensar as soluções para os problemas estruturais da sociedade faz parte de um modo peculiar de avaliar os meios para se modernizar o Brasil. Classifica o autor (1959) essa forma de pensar, como humanismo científico, na qual subjaz a convicção na potencialidade humana e ao mesmo tempo

[...] a crença na regeneração do homem pelo saber, particularmente pelo domínio das ciências naturais; uma só lei rege a natureza inteira – e portanto o homem, que não transcende, não é parte integrante dela; organismo mais complexo, é certo, mas solidário com o todo universal. Educar-se, aqui, é reconhecer a natureza e dominá-la, obedecendo-a (BARROS, 1959, p. 59)

Dois anos depois de ser presidente da Província do Espírito Santo e, agora deputado provincial, ainda mobilizando esse conjunto de representações, sobre a necessidade da reforma da instrução, publica no jornal O Horizonte98 nota anunciando a reforma que estava preparando. Passa-se a noticiar, a partir de 28 de março de 1882, que um novo projeto para a instrução pública estava sendo discutido na Assembléia Provincial e que a presença dos

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Como foi discutido, esse impresso era o órgão oficial do Partido Liberal na Província do Espírito Santo,