• Nenhum resultado encontrado

3 HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E SUA RELAÇÃO COM O

4.1 A INTEGRAÇÃO CURRICULAR NOS DOCUMENTOS OFICIAIS

Começamos com a análise dos documentos oficiais, que nortearam a organização curricular do Ensino Médio Integrado até a Educação Profissional. Salientamos os itens que discutem especificamente o currículo integrado e a integração curricular. Para isso, foram selecionados os documentos a seguir: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), mais especificamente a seção IV, que trata do Ensino Médio, e o capítulo III, orientador da organização da Educação Profissional; o Decreto Federal nº 5.154/04 (BRASIL, 2004), que estabelece as diretrizes da educação profissional; as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Profissional de nível técnico (1999 e 2012); Documento Base da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio (2007); duas obras organizadas por Frigotto e Ciavatta10 e, ainda, uma terceira

constituída de artigos elaborados por consultores nacionais11; e o Documento Base da

Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio (2007).

Na leitura da LDB 9.394/1996, verificamos a existência de dois sinalizadores da integração: a preparação para o trabalho, como uma das quatro finalidades expressas para o Ensino Médio, e a primeira orientação normativa do capítulo III, que trata da Educação Profissional, em que o princípio é a integração com as diferentes formas de Educação, a fim de que se desenvolvam aptidões para a vida produtiva. Na análise mais específica da LDB 9.394/96 dedicada à seção do Ensino Médio, observamos que a integração emerge como pressuposto indispensável para a organização curricular do Ensino Médio brasileiro (grifos meus):

10 A Formação do Cidadão Produtivo: a cultura de mercado no Ensino Médio Técnico (2006); e Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho (2004);

Art.35 - O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Art. 36. O currículo do ensino médio observará o disposto na Seção I deste Capítulo e as seguintes diretrizes:

I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;

II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes;

III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição;

IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio. (Incluído pela Lei nº 11.684, de 2008)

§ 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre:

I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a produção moderna;

II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;

§ 3º Os cursos do ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao prosseguimento de estudos. (BRASIL, 1996, Arts. 35, 36).

No capítulo III da LDB (BRASIL, 1996), dedicado à Educação Profissional, encontramos, no artigo 39, a seguinte indicação: “A educação profissional e tecnológica, no cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da ciência e da tecnologia”. A indicação normativa deixa explícita a intenção de promover a oferta da Educação Profissional geminada ao Ensino Médio e ao Ensino Superior. Outro aspecto relevante é a recomendação de promovê-la por meio de sua integração ao trabalho, à ciência e à tecnologia. A integração também está indicada como modalidade de oferta da Educação Profissional no nível médio, na seção IV, artigo 36-C, bem como no primeiro parágrafo do artigo quarto do Decreto nº 5.154 (BRASIL, 2004), que se refere à abrangência da oferta da Educação Profissional Técnica de Nível Médio: “a integrada, a concomitante e a subsequente”, assim expressa no texto normativo:

A articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio dar-se-á de forma:

I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional

técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com a matrícula única para cada aluno;

II - concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso, podendo ocorrer:

d) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis;

e) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; ou

f) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando ao planejamento e ao desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados.

III - subsequente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio. (BRASIL, 2004, Art. 36).

A integração exposta nesse Decreto orienta a matrícula nas instituições escolares, mas não norteia a organização didático-pedagógica das unidades escolares. As orientações e pressupostos epistemológicos à organização didático-pedagógica foram encontrados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico, bem como nas publicações de Frigotto, Ciavatta e consultores do EMI, já mencionadas neste item. Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível Técnico, foram encontrados vestígios de orientação à integração curricular em seu artigo primeiro, parágrafo único, que determina: “a educação profissional, integrada às diversas formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia e objetiva garantir o direito ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva e social” (BRASIL, 1999). As DCNEP (2012) consideram a formação geral inseparável da formação profissional (e vice-versa). Ela também valoriza a integração de conhecimentos gerais e profissionais. Na perspectiva da articulação entre saberes específicos, a teoria e a prática são quesitos indissociáveis: o currículo deve ser construído com base no trabalho como princípio educativo, e a pesquisa, como princípio pedagógico.

Frigotto e Ciavatta (2004), na publicação Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho, organizado pela SEMTEC, discutem em um dos artigos a questão da integração e articulação do Ensino Médio à Educação Profissional. Eles analisam a cultura educacional brasileira, suas influências, contradições e desafios, dentre os quais, a criação de uma base unitária para o Ensino Médio e Educação Profissional que articule, em um mesmo projeto educacional, a ciência, a cultura e o trabalho, e supere o modelo de profissionalização, que mais segrega do que forma o cidadão para sua efetiva participação social.

A construção de uma sociedade com um projeto nacional popular de desenvolvimento e de efetiva democracia de massa-espaço, que oferece uma materialidade de condições objetivas e subjetivas para a escola unitária - só pode ser conseguida mediante um processo de luta no espaço das contradições concretas da sociedade. O novo não surgirá do nada, de forma instantânea ou cópia de outras sociedades. O elemento objetivo desse processo é a luta concreta que se efetiva entre os diferentes grupos sociais portadores de interesses inconciliáveis, mesmo que poucos tenham consciência disso. Em termos concretos, é no terreno das contradições do sistema capitalista e de forma especifica em que elas se produzem na sociedade brasileira que podemos vislumbrar as possibilidades e os óbices de uma política de construção e ampliação do nível médio de ensino, como educação básica e na perspectiva da escola unitária e politécnica (CIAVATTA E FRIGOTTO, 2004, p.14).

A análise da obra Ensino Médio Integrado à Educação Profissional: integrar para quê? (BRASIL, 2006), publicada pelo MEC, remete à discussão do desenvolvimento do currículo integrado no EMI, dando ênfase às temáticas que tratam da inclusão social, ação didática, sustentabilidade, interdisciplinaridade, educação e trabalho, dentre outras. Elas contêm fortes influências dos desafios dos dois anos de implantação e/ou implementação do EMI. Por esse motivo, as matérias e conteúdos presentes nos artigos deflagram a realidade do currículo integrado não mais como uma proposição, mas como situação, e, como tal, as dificuldades e avanços já experimentados pelas unidades escolares.

No Documento Base da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio (2007), igualmente publicado pelo MEC, Dante Henrique Moura, Sandra Regina de Oliveira Garcia e Marise Nogueira Ramos discutiram, entre outros temas, os fundamentos para a construção de um projeto político pedagógico integrado, enfatizando que, para a efetiva integração entre Ensino Médio e Educação Profissional, é necessário que as diferentes esferas públicas também se integrem, como preconiza o documento base:

a) entre o MEC e outros ministérios, tendo em vista a articulação com as políticas setoriais afins;

b) entre as secretarias do próprio MEC;

c) entre o MEC e as instituições públicas de educação superior – principalmente as que integram a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica –, os sistemas estaduais e os sistemas municipais de ensino;

d) em cada estado, entre o respectivo sistema estadual e os sistemas municipais de educação com tratamento análogo ao Distrito Federal;

e) em cada estado, entre o respectivo sistema estadual e os órgãos ou entidades responsáveis pelas políticas setoriais afins no âmbito estadual e dos municípios (BRASIL, 2007, p.28).

A construção do projeto político pedagógico proposto no documento base do MEC consiste no princípio de uma construção coletiva, participativa e democrática. O sentido de coletivo aqui é apresentado não como vontade da maioria, mas sim da compreensão coletiva de que, nas condições dadas, determinadas decisões promovem mais unidade ao grupo social do que outras. Assim se configuram a coerência e a unidade entre teoria e prática. Para isso,

torna-se de suma importância oportunizar aos professores a participação em seminários, palestras e reuniões para discussão, em que toda a comunidade escolar deve estar envolvida. Para viabilizar essa ação pedagógica, é preciso, entretanto, que os gestores nacionais e estaduais implementem medidas concretas que produzam a confiança por parte dos educadores. Assim, além da geração de condições de tempo e espaço para os professores, bem como a promoção de estratégias de formação continuada, as seguintes medidas são necessárias e devem ser progressivamente perseguidas:

a) a instituição de quadro próprio de professores, com a realização de novos concursos;

b) a consolidação de planos de carreira em que seja prevista a dedicação exclusiva dos professores e a melhoria salarial; e

c) a melhoria da estrutura física, material e tecnológica das escolas (BRASIL, 2007, p.55).

Consideramos pertinente que a comunidade escolar se convença da importância de implantar o currículo integrado no EMI, e se mobilize para isso não só por imposição de uma política de governo ou porque a direção da escola assim decidiu, mas por considerar que esta implementação contribuirá para o ensino e para a aprendizagem do educando.

Após análise detalhada das concepções expressas nos documentos oficiais acerca do desenvolvimento do currículo integrado, e o que preconiza as normativas sobre práticas de integração curricular, emergiu a necessidade de verificarmos no PDI do IFMT/2014-2018, e no Projeto Pedagógico do curso Técnico em Agropecuária integrado ao Ensino Médio (PPC, 2014), os elementos que estruturam a sua organização didático-pedagógica. A apresentação dos itens, concepções e objetivos de currículo e currículo integrado, do perfil do aluno e do professor oferece elementos de análise significativos para compreensão dos sinalizadores prescritivos da integração curricular no curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio do IFMT, campus Cáceres.

Quadro 5: Itens analisados nos documentos oficiais do PDI e do PPC do curso Técnico em agropecuária Integrado ao Ensino Médio

Itens

analisados PDI/ IFMT – 2014-2018 PPC/ IFMT campus Cáceres – 2014

Concepção de

currículo significativo, voltado para a realidade Atualizado, contextualizado, inclusivo,

Concepção de currículo integrado

Atividades pedagógicas articuladas a partir da visão crítica de ser humano, de mundo, educação, de ciência, tecnologia, cultura, trabalho e sociedade (formação integral), aprendizagem significativa e interdisciplinaridade, pesquisa como princípio educativo

Definida pela Resolução CEB/CNE 1/2005

Objetivos do currículo integrado

Socialização dos saberes, superação da fragmentação entre as diferentes áreas do conhecimento; formação de cidadãos transformadores da realidade

Perfil do egresso

Formação do sujeito crítico, criativo, pesquisador, participante ativo na construção de seu conhecimento

Ser capaz de desenvolver ações relacionadas à análise das características econômicas, sociais e ambientais. Planejar, executar, acompanhar e fiscalizar todas as fases dos projetos agropecuários, administrar propriedades rurais etc Formação sólida científica e tecnológica, com flexibilidade para mudanças.

Perfil do professor

Mediador, articulador do processo ensino- aprendizagem; construção de um sujeito histórico, social e afetivo, conteúdo trabalhado como meio e não como fim (ação pedagógica trabalha para a construção e conceitos)

Fonte: Síntese elaborada pela pesquisadora com dados do PDI/IFMT (2014-2018) e PPC/IFMT campus Cáceres (2014).

Quando do cruzamento das informações, observamos que os fundamentos conceituais de currículo integrado e práticas de integração curricular expressas no documento mater (PDI), e que orientam todos os outros Planos de Cursos dos 19 campi do IFMT, não condizem com as informações apresentadas no PPC/IFMT, campus Cáceres (2014). O PPC do curso preconiza a formação de profissionais com flexibilidade para mudanças, que acompanhem os avanços da tecnologia e dos conhecimentos científicos e incentiva a formação continuada dos professores. Porém, a concepção de currículo integrado aparece numa única linha do documento: “a sistemática de integração entre Ensino Médio e Educação Profissional definida pela Resolução CEB/CNE 1/2005” (p.82), sem qualquer referência à prática pedagógica orientada no PDI/IFMT. Assim, na análise empreendida, não conseguimos detectar, de forma clara e explícita, elementos que identifiquem ações pedagógicas de cunho integrador.

O Projeto pedagógico do curso deixa de expressar com maior clareza as concepções que o currículo integrado enseja em especial, ao compromisso do egresso com as transformações sociais necessárias e historicamente reivindicadas pelos trabalhadores. O aluno de Agropecuária precisa de uma formação sólida na área técnica, como está preconizado no PPC, mas isso não é suficiente para formar um cidadão apto a resolver problemas e a pensar de forma crítica. Os projetos de ensino dos cursos integrados devem levar em conta as características e necessidades sociais, econômicas e culturais da população a ser atendida e a escola necessita interagir com a comunidade e sociedade na qual está inserida. A implantação do currículo integrado exige uma mudança de postura na elaboração dos planos de curso que devem ser discutidos, refletidos e estabelecidos novos consensos

mínimos acerca de uma concepção de sociedade, de ciência, de tecnologia, de trabalho, de cultura, de ser humano.