• Nenhum resultado encontrado

As discussões curriculares começaram no século XX, por volta dos anos 20, nos Estados Unidos, durante o processo de industrialização, quando se amplia a escolarização em massa. Porém, ainda na segunda metade do século XIX, já se aceitava com facilidade que as disciplinas tivessem conteúdos próprios, inerentes, como por exemplo, o ensino jesuítico implantado no Brasil desde 1570 e que defendia que certas disciplinas facilitavam o raciocínio lógico e ampliavam a memória. A escola e o currículo eram vistos como instrumento social: o currículo baseava-se em conceitos de eficácia, eficiência e economia. Um currículo que preparasse o aluno para o “mercado de trabalho”, para a vida economicamente ativa. Segundo Silva (2005), a educação caracterizava-se como um meio de diminuir as desigualdades sociais, mas reconheciam que ela poderia mudar e ser um instrumento para formar indivíduos capazes de atuar na busca de mudanças.

O termo curriculum, no sentido que hoje lhe damos, só passou a ser utilizado em países europeus muito recentemente, sob a influência da literatura educacional americana. É nessa literatura que o termo surge para designar um campo de estudos, em condições de extensão da educação escolarizada, voltado à preocupação com a manutenção de uma identidade nacional e com o processo de crescente industrialização e urbanização. A

conceituação oficial do vocábulo “currículo”2, do latim currere, entendida, no século XIX,

como um curso de estudos, na escola aparece com o significado comum de organização de experiências de ensino, prévias ou não, de situações de aprendizagem docente, como um conjunto de coisas a ensinar (organizado por disciplinas, temas, áreas de estudo) e como um plano de ação pedagógica, fundamentado num sistema tecnológico. Karl Kemmis (1988) usou o significado de uma pista de corrida para explicar que a palavra currículo tem várias conotações, mas produz a noção de totalidade (ciclo completo) e de sequência ordenada de estudos. O termo é usado relacionando-se com as circunstâncias sociais, econômicas, políticas e históricas do passado e da atualidade. O currículo é um produto da história humana e social, e um meio através do qual os grupos poderosos têm exercido influência sobre os processos de reprodução da sociedade, talvez controlando também os processos pelos quais sejam educados os jovens. Não podemos pensar numa definição de currículo sem refletir no mundo como uma construção histórica e social, e como tal deve ser compreendido. Bobbitt (2000), por exemplo, refere-se a palavra latina curriculum como “aquela série de coisas que as crianças e os jovens têm de fazer e experimentar, de modo a desenvolverem capacidades para fazerem as coisas bem, para conseguirem resolver os problemas da vida adulta e serem o que os adultos devem ser em todos os aspectos” (p. 42), e entende a educação como preparação para a vida adulta, por isso ele inclui na sua definição experiências dirigidas e não dirigidas.

A concepção de que o conhecimento se apresenta como fatos prontos e acabados não contribui para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem e, priva o estudante de inovar, criar e propor soluções para os problemas de seu cotidiano. Algumas definições apontam para o currículo sob duas perspectivas, ora como o conjunto das experiências educativas vividas pelos alunos na escola ou num contexto mais amplo, que ultrapasse os muros da escola, como bem define Stenhouse (1993, p. 29): “Um currículo é uma tentativa de comunicar os princípios e aspectos essenciais de um propósito educativo, de modo que permaneça aberto à discussão crítica e possa ser efetivamente realizado”. Isto quer dizer que não pensamos currículo como um plano prescrito, anunciado, mas como uma organização com objetivos educativos e de saberes, atitudes, valores, crenças realizadas num contexto formal e informal de aprendizagem.

2 Significa curso, andamento, carreira, percurso, atalho, direção, estudo, marcha. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br>. Acesso em: 24 set 2015.

A prioridade do currículo, para Ribeiro (1999), está na experiência do aluno. Descreve-o como interação e experiência atual de aprendizagem, coincidindo com a situação efetiva de ensino.

Objetivos ou resultados de aprendizagem a alcançar; matérias ou conteúdos a ensinar; experiências ou processos de aprendizagem. Plano estruturado de ensino- aprendizagem, englobando a proposta de objetivos, conteúdos e processos. O importante é que o currículo, na sua concepção, se construa numa “acumulação de experiências educativas ou o itinerário formativo do aluno durante a sua passagem pela escola”. (RIBEIRO, 1999, p.14).

Em 1971 surge na Inglaterra, o movimento denominado Nova Sociologia da Educação (NSE), lançado por Michael Young, o qual propunha a seleção e organização dos conhecimentos escolares e se preocupava com o processo de pessoas, e não com o processo do conhecimento que deveria ver o conhecimento escolar e o currículo como invenções sociais, como resultado de um processo de conflitos e disputas em torno das quais conhecimentos deviam fazer parte do currículo. O contexto de surgimento da NSE é o de uma sociologia voltada para a construção de políticas públicas, a partir de pesquisas que revelavam a ineficiência e a desigualdade na educação, sem discutir suas fragilidades. Para estes novos sociólogos, “a análise das questões de acesso e distribuição da Educação não podia ser separada da análise da forma e do conteúdo do currículo”, o que fazia a NSE “relevante para o professor”, tornando-o “mais consciente dos pressupostos éticos e epistemológicos de sua prática” (Moreira, 1990, p.74).A questão básica da NSE era a das conexões entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder, longe de serem homogêneas. As disciplinas escolares eram consideradas como forma de sistematizar o conhecimento e o “currículo passou a ser concebido como uma produção cultural implicada em relações de poder” (Silva, 2005). Michael Young começa a desenvolver estudos do currículo como um processo social, diz que o currículo não forma apenas os alunos, mas o próprio conhecimento seleciona aquilo que é importante para a escolarização. Dessa forma, começa a se discutir sobre o que se define como sucesso ou fracasso escolar, não ficando somente na sua constatação. As discussões de Young já demonstravam a dicotomização entre o currículo acadêmico e a vocação para o trabalho, estabelecendo um diálogo entre as disciplinas acadêmicas e o trabalho. Contudo, nas palavras de Moreira (1990), o próprio Young afirma:

A NSE atacou o problema correto, mas fracassou na apresentação de propostas, que carecem de apoio popular tanto por causa de uma linguagem desnecessariamente complexa, como porque lhe faltavam estratégias e alternativas práticas viáveis. (MOREIRA, 1990, p. 81).

Na concepção de Silva (2005) a ênfase da pista da corrida se desloca para o ato de percorrer a pista, ou seja, o currículo compreendido como uma atividade que considera a vida inteira do sujeito, e não somente sua vida escolar.

A partir deste período, surgem as produções teóricas expressas nos trabalhos de Michael Apple (1989) que se preocupa em entender como a educação age na economia e, a partir disso, lança dois conceitos: “a hegemonia e a ideologia”. Assim, ele começou a olhar mais para a escola, compreendendo o conhecimento não apenas como os conteúdos de ensino, mas as normas e os valores que também constituem o currículo. Era nas interações cotidianas de sala de aula, na ação dos professores, no conhecimento expresso no currículo que se permitia identificar como as relações de classe são reproduzidas econômica e culturalmente pela escola. Nesta mesma linha de pensamento, Freire fez várias crítico quanto ao sistema de ensino, que considera o currículo como algo a ser transmitido pelos professores e depositado nos alunos. No modelo denominado, por Freire (2004), de “educação bancária”, os estudantes são considerados como bancos nos quais se pode depositar, transferir, transmitir valores e conhecimentos de interesse da sociedade opressora. A concepção de currículo focada na compreensão do cotidiano, das experiências dos indivíduos que convivem no espaço da escola, é característica de Paulo Freire, que defende a construção do currículo baseado numa interação de decisão de conteúdos nos quais o diálogo é o centro do estudo. Em oposição à educação bancária (o conhecimento é transmitido ao aluno e este absorve as informações sem questionar, torna o aluno um objeto do processo de ensino, um mero espectador), ele apresenta uma alternativa às concepções técnicas do currículo, propondo uma elaboração curricular capaz de integrar o “mundo-da-vida”3 dos sujeitos às decisões curriculares. Para

ele, os conteúdos da educação tradicional são estáticos, transmitidos de forma desvinculada da realidade concreta dos alunos, tratados como sujeitos que não pensam, sujeitos passivos, e propõe o desenvolvimento de um currículo crítico, partindo do pressuposto de que o aluno é um sujeito histórico, que vive uma realidade concreta em situação de opressão, e essa situação exige reflexão e ação transformadora.

Maria do Céu Roldão (1999) trata o currículo como um “processo de construção, gestão e formação reflexiva centrado na escola” (p.8). Enfatiza a necessidade da construção do currículo a partir das concepções, valores e necessidades sociais, econômicas, e políticas de um dado contexto: os saberes científicos vão introduzindo elementos novos ou áreas científicas no corpus do currículo (como, por exemplo, as novas tecnologias no ensino

básico), o conhecimento e representação do aluno o qual vai de um mundo de educação mecanicista, passiva, ao aluno como agente ativo da sua aprendizagem.

As diversas concepções teóricas de currículo aqui apresentadas explicitam o quanto o conceito de currículo formal é insuficiente para dar conta da variedade de experiências individuais e coletivas dos sujeitos que compõem o currículo. Os autores que destacamos tentam criar uma nova forma de pensar o currículo, abandonando assim a ideia de que ele é algo formal ou escrito para ser implantado pela escola. Não podemos conceituar currículo da mesma forma como conceituamos os milhares de vocábulos existentes no dicionário. Além de ser proposto no nível formal, é também o vivido no cotidiano dos sujeitos envolvidos, uma construção cultural, e não um conceito abstrato que possui alguma existência exterior e alguma experiência humana. É um modo de organizar um conjunto de práticas humanas.