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Antes de iniciarmos a discussão sobre a inter-relação entre os construtos de crença e motivação e a relevância destes para esta investigação, retomaremos o modo como entendemos os conceitos de crença e de motivação neste trabalho.

Se considerarmos o ponto de vista de Braun (1976), vemos as coisas não como elas são, e sim como nós somos. Neste sentido, consideramos relevantes todos os posicionamentos teóricos discutidos anteriormente, visto que cada um dos teóricos em questão vivenciou uma experiência singular que proporcionou autoridade para que pudesse definir os termos. Além disso, estamos tratando de construtos que admitem várias interpretações e definições de acordo com o foco de pesquisa e, restringi-los a apenas uma definição tornaria a postura reducionista.

No entanto, apesar de existirem diferentes pontos de vista sobre a mesma questão e por tratarmos das relações entre crenças e a motivação, a definição de crenças mais adequada aos nossos propósitos é a defendida por Scheib (1970, p. 22). Em outras palavras, consideramos crenças como ficções criadas para explicar as propriedades implícitas do

comportamento. Complementar à essa definição, assumimos também os pressupostos adotados por Nespor (1987), retomados por Pajares (1992), Félix (1998) e por outros autores. Sendo assim, consideramos que as crenças são mais determinantes do comportamento e das ações humanas do que o conhecimento, pois influenciam o modo como tomamos nossas decisões. Consideramos também que a origem de todo conhecimento está na crença, pois os indivíduos começam a dar sentido às coisas a partir de uma visão particular que tem dos fatos, por meio da qual filtra o conhecimento disponível de forma a moldá-lo para que faça sentido em determinado contexto. Em outros termos, acreditamos que as crenças não são estáticas e individuais, mas fazem sentido apenas se estiverem relacionadas a um contexto. Desse modo, seguindo a perspectiva defendida por Alanen (2003), Barcelos (2000, 2003), Dufva (2003), Hoselfeld (2003), Kalaja (2003), White (1999), entre outros.

Do mesmo modo, também existem diferentes teorias motivacionais e, juntamente com elas, diferentes definições para o termo motivação. Porém, por relacionarmos os dois conceitos, assumimos neste trabalho a perspectiva de Bandura (1986, p.230),o qual se apoia na teoria da expectativa-valor e considera motivação como a junção da crença de que as ações particulares produzirão resultados específicos juntamente aos valores atribuídos a esses resultados.

Ao analisar o trabalho do autor, Pajares (1996, p. 542) menciona que o mesmo relaciona o comportamento humano à motivação e aborda as crenças como elementos-chave no exercício do controle da ação pessoal. Visto dessa forma, as crenças que os indivíduos têm de que suas habilidades e de seus esforços influenciam o modo como vão se comportar. A partir dessa visão, as crenças estão ligadas ao comportamento do indivíduo frente a determinadas atividades e determinam o resultados das ações.

Ainda segundo Pajares (op. cit), essa visão de Bandura é coerente com a de teóricos (ABELSON, 1979; DEWEY, 1933; NISBETT & ROSS, 1980; PAJARES, 1992 e

ROKEACH, 1986, apud PAJARES, 1996) que sustentam que as crenças agem como um filtro por meio do qual novos fenômenos são interpretados e como uma mediação do comportamento.

Encontramos diversos trabalhos que relacionam diretamente crenças à motivação. Nos trabalhos de Horwitz (1985, 1998, 1999), por exemplo, motivação e expectativas fazem parte de uma das cinco áreas abrangidas pelo inventário de crenças elaborado pela autora. Mantle e Bromley (1995, p. 381-382) também associam motivação às crenças e concluem em seu trabalho que os hábitos de estudo são influenciados pelas crenças. Para eles, se as atividades não tiverem ligação com as crenças dos alunos e quando os esforços convergentes com suas crenças não os ajudam a alcançar o sucesso, o potencial para a frustração aumenta, diminuindo, assim, a motivação. Richards & Lockhart (op. cit. p. 52), na mesmo perspectiva, mencionam que as crenças podem influenciar a motivação do aluno para aprender, as suas percepções sobre o que é fácil ou difícil sobre a língua, bem como suas preferências por determinado tipo de estratégia de aprendizagem.

Pajares (1996, p. 545) atribui um papel central das crenças para a motivação do indivíduo e menciona que este é o foco de perspectivas teóricas que focalizam autoconceito e autoeficácia, atribuições de sucesso ou fracasso, expectativas, objetivos e valores. Por exemplo, para a teoria da expectativa-valor, quando os aprendizes, a partir de seus repertórios de crenças, oriundos de experiências anteriores, fazem atribuições acerca de seus sucessos e fracassos futuros (BANDURA, 1986) e lançam expectativas sobre o processo de ensino e aprendizagem, estas expectativas serão igualmente determinantes do comportamento e das ações realizadas para atingir determinados objetivos, funcionando assim, como um pensamento antecipatório. Assim, na literatura encontramos o termo expectativas relacionado às crenças e também à motivação.

A teoria da expectativa para a motivação relaciona esta ao esforço, à percepção da possibilidade de atingir os objetivos e às habilidades para atingir os objetivos (Shaaban e Ghaith, 2000, p. 633). Dörnyei (2001 p. 110), também relacionando o termo à motivação para aprendizagem de línguas, caracteriza expectativa como a propensão de sucesso relacionada à confiança e auto-eficácia do aluno e à percepção de dificuldade das tarefas, quantia de esforço requerido, quantia de assistência disponível, apresentação da tarefa pelo professor e ao nível de familiaridade com a tarefa.

Preferimos neste trabalho considerar expectativa como definido por Scheib (op. cit.), Oxford e Shearin (op. cit.) e Pajares (1996). Em outras palavras, como um subtipo ou subestrutura de crença que influencia o sucesso ou fracasso escolar.

Neste trabalho, adotamos também a mesma opinião compartilhada pelos autores acima, ou seja, de que a expectativa é uma espécie de crença que age como um pensamento antecipatório e influencia a motivação do aluno para a aprendizagem de uma língua estrangeira.

Também consideramos a inter-relação entre crenças, valores e atitudes tal qual apresentado na figura 02:

Figura 02: Sistema de crenças e a motivação

Nota-se que as crenças, a motivação, os valores e as atitudes estão relacionados entre si de forma bidirecional e complementar, sendo que o ponto de intersecção entre crenças e

expectativas valores

motivação crenças

motivação está nos valores, na expectativa e nas atitudes, presentes em ambos os conceitos. Em outras palavras, a crença age como um pensamento antecipatório, de modo a determinar as expectativas, os julgamentos de valor e as atitudes que conduzirão o indivíduo à motivação ou desmotivação. No entanto, a motivação, por sua vez, impulsiona o indivíduo a realizar ações, ou atitudes, positivas, as quais influenciam no sucesso e sustentam a crença e a motivação. Nos parece que, quando há uma ruptura nesse ciclo de relações mútuas harmônicas, surgem conflitos e esses conflitos podem ocasionar algumas mudanças no sistema de crenças e na motivação do indivíduo.

Neste capítulo apresentamos a fundamentação teórica da pesquisa. Primeiramente, discutimos a questão das várias definições de crenças, a questão do conhecimento sistematizado versus as crenças do professor, as crenças dos aprendizes e as concepções de linguagem, ensino e aprendizagem que permeiam a sala de aula.

Em seguida, abordamos a questão da motivação e discutimos as dicotomias estabelecidas pela tradição de pesquisas (motivação intrínseca x extrínseca, instrumental x integrativa), bem como outras teorias acerca da motivação em contexto de aprendizagem e aquisição de línguas estrangeiras. Por fim, demonstramos como os conceitos de crenças e motivação se inter-relacionam neste trabalho. No próximo capítulo apresentamos a metodologia adotada e, em seguida, no capítulo III, apresentamos a análise dos dados à luz dessas discussões teóricas.

Capítulo II