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1.1 Crenças no processo de ensino e aprendizagem de línguas

1.1.2 Crenças e o conhecimento

É uma tarefa árdua distinguir entre crenças e o conhecimento, visto que alguns autores separam ambos como duas coisas opostas (PAJARES, 1992), enquanto outros fazem uma inter-relação entre ambos, reduzindo-os a apenas um construto (WOODS, 1997). Segundo Pajares (1992), é difícil assinalar onde começa o conhecimento e termina a crença, sendo que alguns autores chegam a sugerir que os dois construtos são apenas palavras diferentes para a mesma coisa (cf. ABELSON, 1979; BANDURA, 1986; LEWIS, 1990; NISBETT e ROSS, 1980; ROKEACH 1985; entre outros).

Rokeach (1985, apud PAJARES, 1992) considera que o conhecimento é um componente das crenças, as quais possuem um componente cognitivo, um componente afetivo e um componente comportamental. Em contrapartida, Nisbett e Ross (1980) consideram crença como um dos componentes do conhecimento, o qual, na visão dos autores, é formado por uma estrutura composta de um componente cognitivo e um componente afetivo, as crenças.

Ernest (1989), por outro lado, usando a mesma terminologia adotada por Nisbett e Ross (op. cit.), separa pensamento em dois componentes, um cognitivo, representado pelo conhecimento, e outro afetivo, as crenças. Para ele, e também para Brown e Cooney (1982, apud PAJARES), Nespor (1987), e Pajares (op.cit.), as crenças são as maiores determinantes do comportamento do professor e são úteis no entendimento e na previsão de como os professores organizam as ações e tomam decisões.

Nem todos os pesquisadores, no entanto, concordam que as crenças exercem maior influência do que o conhecimento no comportamento. Roehler et al (1988, apud PAJARES, 1992, p. 312), por exemplo, embora considerem que as crenças influenciam o pensamento do professor, mencionam que o comportamento é resultado das crenças filtradas pela experiência, ou seja, no esforço em dar sentido às ações pela experiência, o conhecimento, e não a crença, influencia a tomada de decisões. Na visão desses autores, as crenças permanecem imutáveis na mente dos professores, independente da situação, visto que são estáticas e representam verdades absolutas. Por outro lado, segundo eles, o conhecimento evolui quando novas experiências são integradas a um esquema já existente e, dessa forma, o conhecimento tem prioridade sobre a afetividade das crenças na tomada de decisões. Outros autores, como, por exemplo, Alanen (2003), Barcelos (2000, 2003), Dufva (2003), Hoselfeld (2003), Kalaja (2003), Wenden (1999) White (1999), entre outros, consideram que a crença também é dinâmica e está sempre ligada a um contexto e às interações que ocorrem nesse

contexto. Esses autores relacionam a visão de que a crença é estática às pesquisas positivistas desenvolvidas na área de lingüística aplicada no começo da década de 80, nas quais apenas instrumentos de pesquisa como questionários fechados serviam para coletar dados a respeito das crenças, os quais eram analisados de forma estatística e somente sob a perspectiva do pesquisador, sem levar em consideração o ponto de vista dos demais envolvidos na pesquisa.

Contrapondo-se à visão de que o conhecimento é mais determinante das ações do que as crenças, Lewis (1990, apud PAJARES, op. cit) argumenta que a origem de todo conhecimento está na crença, pois o indivíduo começa a dar sentido às coisas a partir da visão que tem dos fatos. Sendo assim, o autor considera que os dois termos estão inter-relacionados e podem ser considerados como sinônimos, pois todo conhecimento é antes uma crença. Pajares (op.cit.), por sua vez, critica a visão de que o conhecimento seja algo mais puro e mais determinante do que as crenças e os considera dois termos distintos.

Nespor (op. cit, p. 317-20) vai adiante nessa discussão e aponta quatro características que servem para distinguir as crenças do conhecimento, além de duas outras características que os separam. São elas: alternância, afetividade e avaliação, estrutura episódica, além de não consensualidade e desconexão:

1) Pressuposição existencial: as crenças contêm proposições ou suposições acerca da existência ou não de entidades do pensar. Segundo a autora, com base nesta pressuposição, o professor pode criar rótulos para entidades personificadas pelos alunos, gerando crenças acerca da habilidade, maturidade ou preguiça, entre outras.

2) Alternatividade, ou seja, representação de mundos alternativos ou realidades alternativas. Essas crenças diferem significantemente, segundo Abelson (1979, p. 357-358) das realidades existentes e servem para definir tarefas e objetivos;

3) Aspectos afetivos e avaliativos, ou sistema de preferências pessoais. De acordo com o autor, podem regular a quantidade de energia que o professor despende para atividades e o modo como eles gastam energia nestas atividades;

4) Estrutura episódica das crenças, em que a memória é organizada em termos das experiências pessoais, com base em episódios ou eventos específicos que servem como parâmetro para futuros eventos.

De acordo com Nespor (op. cit. p. 320), os professores citam que a memória episódica que guia seus comportamentos está relacionada com suas experiências enquanto aprendizes. Esta memória episódica é o que Lortie (1975) denomina “aprendizagem por meio de observação” e funciona como uma base para construção de ações a partir de informação já disponível.

5) Não consensualidade: considerando que os sistemas de crenças são menos maleáveis do que o conhecimento, Nespor (op. cit. p. 321) aponta as crenças não estão abertas a avaliações ou exame crítico, assim como está o sistema de conhecimento. Segundo a autora, a maioria da falta de consenso com relação às crenças deve-se ao fato de não haver concordância sobre como os eventos devem ser avaliados.

6) Desconexão: com relação a este item, Nespor (idem, ibidem) menciona que não há regras claras para a determinação da relevância das crenças para os eventos e situações do mundo real. Neste sentido, a desconexão significa, então, que as pessoas entendem algo com base em suas crenças e vêem sentido em algo que outras pessoas poderiam não ver relevância.

Woods (1997) aponta que o uso de diferentes termos e a variedade de definições sutis que eles implicam faz com que a distinção inicial entre conhecimento e crenças não se sustente. Na concepção do autor (p. 194), não existe uma separação entre crenças e conhecimento e pressuposições, mas um termo está interligado ao outro.

Neste trabalho, nos posicionamos a favor da distinção feita por Nespor (op. cit.), visto que, embora conectados um ao outro, os termos referem-se a conceitos distintos. Entendemos o termo crença como um filtro pelo qual passa todo e qualquer conhecimento e como algo que não está disponível de forma sistematizada para todas as pessoas, como está o conhecimento, mas existe tanto na dimensão individual como na social e pode ser questionado e rejeitado por outras pessoas que não compartilham do mesmo sistema de crenças. Apesar de poder ser questionada, a crença não deixa instantaneamente de ser verdadeira para o indivíduo que a possui, mas se modifica na medida em que novas crenças são incorporadas no sistema de crenças de um indivíduo e essas novas crenças podem vir a substituir a anterior ou não. Desse modo, consideramos conhecimento como algo sistematizado e aceito por um consenso como algo verdadeiro, podendo ser alterado caso o consenso seja favorável a tal mudança e, assim, um novo conhecimento sistematizado passará a existir. Não estamos considerando aqui o conhecimento metacognitivo tal qual discutido por Wenden (1999), mas o conhecimento tal qual visto pela tradição positivista de pesquisas.