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1.1 Crenças no processo de ensino e aprendizagem de línguas

1.1.4 O sistema de crenças do aprendiz

Discutiremos agora o sistema de crenças da perspectiva dos alunos. Essa discussão é pertinente para nosso foco de pesquisa e para vários estudos que atribuíram um papel central às crenças dos aprendizes, (Bialystok, 1978 e Naiman et al. 1978 apud Richards & Lockhart, 1994, Abrahan & Vann, 1987; Cotterall 1995; Horwitz, 1987, 1999; Riley, 1997; Wenden, 1999, entre outros) e para as possíveis influências dessas crenças na construção do processo de ensino e aprendizagem de línguas. Vários autores (Wittrock, 1986, p. 299; Yang, 1992, p. 48, entre outros.) sugerem que o conhecimento prévio dos alunos e as suas crenças podem influenciar as estratégias de aprendizagem de línguas e estas, por sua vez, também podem gerar crenças.

Richards & Lockhart (1994) agrupam as crenças dos alunos nas seguintes categorias: crenças sobre a natureza da aprendizagem, os falantes de inglês, as quatro habilidades, o ensino, a aprendizagem de línguas, o comportamento apropriado em sala de aula, os objetivos de aprendizagem e as crenças sobre eles mesmos. Segundo os autores (op. cit. p. 54), as

diferenças entre as crenças do professor e dos alunos podem conduzir os alunos a desvalorizarem uma atividade proposta pelo professor. Podemos dizer também que essas diferenças fazem com que o professor possa deixar de satisfazer uma atividade esperada pelo aluno.

Kern (1995, p. 71-85) analisa as crenças de professores e alunos a respeito da aprendizagem de línguas e tenta estabelecer uma inter-relação entre estas e as expectativas e a motivação. De acordo com suas suposições iniciais, as divergências de expectativas de alunos e professores sobre o processo de ensino e aprendizagem poderiam conduzir à falta de confiança e satisfação com a aula de línguas. Sendo assim, o autor propõe-se a investigar a proporção em que as crenças de professores influenciam as crenças dos alunos. Seu estudo, feito com 288 alunos de francês, utilizou apenas o inventário de crenças proposto por Horwitz (1985). Os resultados são inconsistentes para indicar se as crenças de professores influenciam as crenças dos alunos de modo consistente. O autor conclui que, para tal, há a necessidade de estudos com métodos quantitativos e qualitativos que permitam a validação dos dados e a identificação de padrões entre as crenças de professores e alunos.

Mantle-Bromley (1995, p. 373-383) relaciona as crenças e a importância da motivação na aquisição de L2 e nas realizações dos alunos em sala de aula. Para a autora, as conexões entre as atitudes e crenças e o comportamento são óbvias. Teoricamente, segundo ela, os estudantes com atitudes positivas e crenças realistas relacionadas à linguagem estão mais propensos a agirem de forma produtiva do que os alunos com atitudes negativas e crenças errôneas.

Os resultados dessa pesquisa apontam a existência de concepções erradas a respeito do modo como os alunos aprendem uma outra língua que não a sua. Dentre os principais fatores, a autora menciona que 36% dos alunos não acredita que saber cultura seja necessário para a aquisição da língua; 33% acredita que é melhor aprender a LE onde ela é falada como LM;

44% dos alunos acredita que a aprendizagem consiste na aquisição de vocabulário; 34% acredita que a aprendizagem é uma questão da tradução e 23% dos alunos acredita que não se deve falar a L-alvo até que se possa falar corretamente. Para concluir, a autora menciona que as crenças influenciam os hábitos de estudo dos alunos. Desse modo, se as atividades propostas não tiverem nenhuma conexão com as crenças dos alunos, o potencial para a frustração aumenta. Por fim, de uma forma um pouco categórica, a autora menciona que o professor deve direcionar as atitudes e crenças que os alunos trazem para a sala de aula para aumentar as chances de sucesso, pois, segundo a autora, os professores devem considerar que alguns alunos chegam a eles com certas atitudes, crenças e expectativas que podem ser prejudiciais ao sucesso em sala de aula.

No entanto, se levarmos em consideração que as crenças representam verdades absolutas para determinados indivíduos, mas não para outros, seria inviável classificá-las em crenças errôneas e crenças realistas, pois as crenças adquirem um valor de verdade para quem as incorpora em seu sistema de crenças. Além disso, considerar que apenas o professor exerce um papel ativo em sala de aula e somente ele tem a contribuir de forma unidirecional para o desenvolvimento do aluno é o mesmo que ignorar a natureza dinâmica das interações que ocorrem em sala de aula. Desse modo, não é necessário que o professor direcione as crenças dos alunos para que se atinja sucesso no processo de ensino e aprendizagem, mas é necessário que o professor se conscientize de que seu sistema de crenças pode não ser válido para os alunos. Desse modo, para aumentar as chances do sucesso escolar, tanto os alunos quanto o professor deveriam refletir sobre seus sistemas de crenças e tentar fazer com que as divergências entre as crenças e os conflitos advindos dessas divergências sejam vistos de forma positiva e proporcionem a reflexão necessária e a troca de experiências durante a construção do processo de ensino e aprendizagem. Para usarmos as palavras de Barcelos (2004, p. 176), essas divergências entre as crenças são necessárias,

Isto porque os obstáculos que as crenças impõem podem iniciar uma seqüência de pensamento reflexivo. Sem as crenças, não temos mais as dúvidas e os problemas que formarão a base de nossa indagação reflexiva9.

Visto dessa forma, não seria necessária a eliminação das crenças denominadas “errôneas” por Mantle-Bromley (1995), mas é fundamental a conscientização de que, muitas vezes, o sistema de crenças trazido para a sala de aula por professores e alunos pode não convergir, dadas as experiências pessoais e a complexidade do sistema de crenças dos indivíduos, mas nem por isso as crenças deixam de ser complementares, visto que estas se influenciam mutuamente na construção e reconstrução do processo de ensino e aprendizagem e do repertório de crenças dos indivíduos envolvidos nesse processo. Nesse sentido, as crenças dos alunos poderão passar a integrar o repertório de crenças do professor e vice-versa. No entanto, mesmo que não ocorra esse processo de incorporação, ainda assim o fato de existirem crenças divergentes em um mesmo contexto pressupõe uma complementaridade, pois os indivíduos poderão colocar em questionamento suas próprias crenças ou a dos demais indivíduos e, antes que se decida por uma entre duas crenças divergentes, ambas são mantidas no repertório de crenças durante um determinado período, que podemos denominar período de transição ou período de convivência entre crenças divergentes em um mesmo repertório individual. Podemos pensar que o indivíduo pode lançar mão de determinada crença em um contexto, sob determinadas circunstâncias, mas ter outra crença totalmente oposta em um outro contexto.

Apesar desse ponto de vista adotado por Mantle-Bromley (1995) ainda ser recorrente nas pesquisas mais recentes, por outro lado, desde o início da década de 80, quando teve início o interesse pelo tema de crenças relacionado ao processo de ensino de línguas

estrangeiras, algumas pesquisas já consideravam a importância das crenças dos alunos. A pesquisa de Wittrock (1986, p. 305), por exemplo, aponta para o fato de que as atitudes positivas dos alunos exercem influência sobre a formação de crenças realistas e propiciadoras de aprendizagem, como podemos observar na citação a seguir:

Estudantes que acreditam que seus esforços influenciam seus sucessos estão mais propensos a aprender do que os que acreditam que a aprendizagem depende do professor ou de outra pessoa (Wittrock, op. cit).

Em outras palavras, percebemos que o autor relaciona indiretamente as crenças dos alunos à motivação e ao seu esforço pessoal para atingir o objetivo da aprendizagem. Na mesma perspectiva, Richards & Lockhart (1994, p. 52) mencionam que as crenças que os aprendizes trazem para as salas de aula podem influenciar a motivação do aluno para aprender, suas expectativas sobre a aprendizagem de línguas, suas percepções sobre o que é fácil ou difícil sobre a língua, bem como suas preferências por um tipo de estratégia de aprendizagem. Citando Tumposky (1991), os autores mencionam ainda que as crenças são influenciadas pelo contexto social de aprendizagem e podem influenciar tanto as atitudes acerca da língua quanto a aprendizagem de línguas em geral.

Também com o intuito de sugerir alternativas, Rifkin (2000) compara as crenças dos alunos de primeiro ano de estudo com as crenças de alunos de outras séries de diversas línguas usando o instrumento BALLI, proposto por Horwitz. Seus resultados mostram que as crenças dos aprendizes no primeiro ano de instrução não são similares às crenças dos aprendizes de outros níveis, em consonância com os resultados obtidos por Horwitz (1988, 1989 e 1990). Resumindo, seus dados apontam que: 1. há relação entre as crenças sobre aprendizagem e o nível de instrução; 2. há relação entre as crenças e a língua estudada; 3. há

9 This is because the obstacles beliefs impose can start the chain of reflexive thinking. Without belifs we run out

relação entre as crenças e a natureza da instituição na qual o aprendiz está estudando. De acordo com este estudo, o item três é o mais importante na determinação das crenças, mas outros fatores também devem ser levados em consideração na determinação das crenças.

No Brasil, vem despontando um crescente interesse pelo estudo das crenças desde meados da década de 90. Vários trabalhos focalizam as crenças dos alunos e atribuem crucial importância a estas. No entanto, a maioria dos trabalhos focaliza o aluno em formação pré- serviço e não em contexto de ensino fundamental e médio.

Dentre os trabalhos sobre crenças dos alunos, encontramos Leffa (1991), o primeiro deles, cuja investigação focaliza as concepções dos alunos ingressantes na 5a série.

Geraldini (1995), discute as crenças da professora e alunos em um contexto de ensino focalizado na leitura instrumental. Seus dados apontam para o fato de que os alunos trazem para a sala de aula crenças arraigadas, oriundas de suas experiências anteriores, principalmente do ensino na escola tradicional e que essas crenças influenciam o processo de ensino e aprendizagem. Segundo a autora, é preciso a conscientização dos alunos no sentido que eles passem a aceitar novos conceitos e aceitem pôr em prática atitudes para empreenderem mudanças em suas atitudes.

Barcelos (1995), utiliza o conceito cultura de aprender línguas estrangeiras e focaliza as crenças dos alunos formandos em letras:

Conhecimento intuitivo implícito (ou explícito) dos aprendizes constituído de crenças, mitos, pressupostos culturais e ideais sobre como aprender línguas. Esse conhecimento compatível com sua idade e nível sócio- econômico, é baseado na sua experiência educacional anterior, leituras prévias e contatos com pessoas influentes. (Barcelos, 1995, p. 40).

Em sua pesquisa, a autora aponta a existência de três grandes crenças dos alunos a respeito do processo de ensino e aprendizagem de línguas: aprendizagem de inglês como aquisição de conhecimentos sobre as estruturas gramaticais da língua, a responsabilidade do

professor pela aprendizagem e a crença de que o lugar ideal para aprender a língua é no país em que ela é falada como LM.

Em um estudo posterior (Barcelos, 2000), a autora focaliza a questão da identidade e adota uma perspectiva ecológica para contrastar as crenças dos alunos com as do professor. Desse modo, a autora verifica o modo como as crenças de alunos e professores se inter- relacionam no ambiente de ensino e aprendizagem. Seus dados sugerem que professor e alunos interagem e se influenciam mutuamente de diferentes modos e que o professor interpreta as crenças dos alunos e age de acordo com a interpretação dessas crenças. Do mesmo modo, os alunos interpretaram as crenças dos professores e agiram de acordo com suas interpretações. Nesse sentido, alunos e professores influenciaram e foram influenciados por essa inter-relação interativa, tal qual sugere o estudo de Woods (1996), o qual aponta para a natureza dinâmica das crenças.

Podemos perceber pelos estudos mencionados nesta seção que algumas crenças podem influenciar de forma negativa o processo de ensino e aprendizagem, enquanto outras exercem influência positiva sobre o êxito na aprendizagem. A partir desse pressuposto de que as crenças influenciam as ações e a aprendizagem, tentamos associá-las ao processo motivacional do aluno.

Discutimos até o momento as definições de crenças, as crenças relacionadas ao futuro, a dicotomia entre crenças e o conhecimento, a relação entre o conhecimento sistematizado e o conhecimento do professor e a importância do sistema de crenças do aprendiz e estudos que tratam da relação entre as crenças de professores e de alunos. Passaremos agora a discutir as concepções, linguagem e ensino e aprendizagem que possam estar subjacentes às teorias de ensino de línguas e influenciar as crenças que permeiam a sala de aula.

1.1.5 Crenças e as concepções de linguagem, de ensino e aprendizagem de