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3 INTERAÇÃO VERBAL, RESPONSIVIDADE E GÊNEROS DISCURSIVOS

3.1 A INTERAÇÃO VERBAL

Em sua obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin/Volochinov (2004) discorrem sobre os estudos da linguagem. Os autores, antes de lançarem mão de sua proposta, expõem de forma crítica duas correntes de pensamento de natureza filosófica e linguística. São essas correntes denominadas Subjetivismo Individualista e Objetivismo Abstrato.

Segundo os autores, para o Subjetivismo Individualista, a enunciação é considerada uma ação (linguística) monológica, ou seja, a enunciação é um ato puramente individualista, considerando-se essencial apenas o que vem do (discurso) interior, descartando, assim, o exterior.

Entretanto, Bakhtin/Volochinov (2004) consideram que a verdadeira concepção de expressão nada tem a ver com a teoria da expressão dessa primeira orientação do pensamento filosófico-linguístico. Consoante os filósofos, não há uma distinção qualitativa entre conteúdo interior e a expressão exterior.

O centro organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social que envolve o indivíduo. Só o grito inarticulado de um animal procede do interior, do aparelho fisiológico do indivíduo isolado. É uma reação fisiológica pura e não ideologicamente marcada. Pelo contrário, a enunciação humana mais primitiva, ainda que organizada por um organismo individual, é, do ponto de vista do seu conteúdo, de sua significação, organizada fora do indivíduo pelas condições extra-orgânicas do meio social. A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social, quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições de vida de uma determinada comunidade linguística (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p. 121).

Ao seguir essa lógica, entendemos que, em situações comunicativas reais entre dois interlocutores ou mais, o discurso é construído a partir de condições externas. Numa conversa entre amigos, por exemplo, supomos o que o outro já sabe ou o que lhe interessa saber. Pressupomos o seu ponto de vista, suas possíveis concordâncias ou discordâncias e, a partir disso, vamos construindo o nosso discurso da melhor maneira possível, com argumentos, novas informações, explicações. Nessa linha de pensamento, podemos perceber que é a expressão exterior que determina o percurso do discurso interior.

Com relação ao Objetivismo Abstrato, também podemos constatar um distanciamento da verdadeira natureza da linguagem, pois, para esta corrente de pensamento, as leis linguísticas dependeriam somente da consciência do indivíduo. No entanto, Bakhtin/Volochinov (2004) alegam que essas leis linguísticas não podem depender unicamente da consciência do indivíduo, isso porque as regras já se encontram estabelecidas, cabendo ao sujeito apenas levá-las para a sua consciência. Assim, a partir dos estudos feitos sobre as orientações do pensamento filosófico-linguístico, Bakhtin/Volochinov (2004) explicam que

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato fisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p. 123).

Para os autores, o surgimento da enunciação dá-se a partir de uma determinada situação de interação comunicativa entre sujeitos (dois ou mais) socialmente organizados. Os parceiros do ato interativo mantêm uma relação de troca da palavra, isto é, o falante não fala sozinho ou para ninguém, ao terminar seu discurso passa a vez ao outro e assim a interação se concretiza de fato. Isso porque “O enunciado é (...) uma unidade real, precisamente delimitada da alternância dos sujeitos do discurso” (BAKHTIN, 2011, p. 275). Nesse sentido, a linguagem, para o círculo de Bakhtin, não pode ser concebida como monológica, mas dialógica.

Nessa lógica, Sobral (2009) confirma que o círculo bakhtiniano considera o sentido fruto da interação de cunho dialógico. A interação se fundamenta no diálogo em sentido amplo. Desse modo, interação e diálogo não se separam, haja vista que, nesse processo, são envolvidos mais de um termo (a pergunta e a resposta) e mais de um sujeito (o eu e o outro).

Nessa perspectiva, “toda ação de linguagem é dialógica; quer dizer, é realizada em conjunto, ou reciprocamente” (ANTUNES, 2014, p. 19). Quando falamos ou escrevemos algo, não o fazemos com base somente no que tem importância ou interesse para nós. Fazemos, pensando sempre no outro. Na realidade, tentamos nos ajustar às condições do outro. É o que Antunes (2014, p. 19) chama de “ação conjunta, resultado de uma troca de saberes, de informações, de propósitos e de mútuas influências”.

A partir disso, a interação passa a ser vista como elemento indispensável para o processo contínuo de criação de sentido e sempre envolverá dois ou mais sujeitos, que interagem entre si. O sujeito, ao falar ou escrever, por exemplo, reporta-se ao outro, suscitando sempre uma reação, uma resposta, uma réplica (atitude responsiva). Numa aula de leitura, podemos trabalhar dessa maneira, favorecendo situações de diálogo, de interação entre os interlocutores, no caso, aluno e autor, aluno e aluno, alunos e professor, levando em consideração o texto como lugar desse processo interativo e, principalmente, o direito de resposta ao discurso dado.

Logo, depreendemos que a linguagem se caracteriza por envolver, pelo menos, dois interlocutores que agem um sobre o outro pela enunciação, no interior da qual cada um constrói sentidos e significados por meio de recursos linguísticos. Esses recursos podem ser orais, podem ser escritos, levando-se em consideração a ideia veiculada, os objetivos, os aspectos exteriores à situação de comunicação, a qual pertence a um contexto social, cultural, histórico e ideológico muito mais amplo.

Nesse processo, cada indivíduo é responsável pela construção do sentido, os quais lançam mão dos recursos e conhecimentos que dispõem sobre a língua, sobre o assunto. Assim, articulam conhecimentos pré-concebidos, conhecimento de mundo e a relação que mantêm entre si, a situação comunicativa, o contexto social, histórico e ideológico para que a interação seja efetivada. Cada vez que se trava um discurso, ativa-se um contrato social implícito que limita e faz com que cada envolvido reconheça o seu espaço e respeite o outro socialmente, pois cada ação linguística corresponde uma reação do outro (atitude responsiva), fazendo com que o discurso se mantenha equilibrado.

Sob esse enfoque, a linguagem é muito mais que a expressão do pensamento ou um meio de comunicação apenas (denominações de Geraldi (1984), utilizadas no

Brasil)7. Na verdade, ela é a expressão real de como as pessoas veem o mundo e se comportam nele. Isso porque a língua é constituída por um sistema de recursos expressivos em aberto, que sofrem transformações de acordo com as mudanças que ocorrem na sociedade. “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes”. (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2004, p. 124).

Portanto, a linguagem é um sistema de signos em constante evolução cujo principal agente modificador é o próprio ser humano. À medida que se transforma, esse sistema adquire novos significados, novos usos, novas concepções, uma vez que está em todos os grupos sociais, nos distintos momentos históricos.

Cabe salientar, ainda, que a atividade da linguagem, mesmo sendo interativa, não pode ser concebida como uma simples troca de saberes, troca de informações, um dizer por dizer. Uma ação de linguagem, seja ela escrita, lida, falada, é em qualquer momento “um fazer, um agir de um com o outro, de um para o outro, no sentido de que a finalidade última do que é dito é gerar uma resposta no outro” (ANTUNES, 2014, p. 20).

Essa resposta é sempre esperada pelos companheiros da interlocução, seja ela de concordância ou discordância. Na verdade, o prosseguimento de nosso discurso depende, de certa forma, da resposta do nosso interlocutor. Assim, estaremos, de fato, numa situação interativa de linguagem. E é exatamente sobre essa resposta, isto é, sobre a responsividade que dissertamos a seguir.