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No contexto educacional atual, como já mencionamos, temos presenciado o insucesso da escola no que diz respeito ao ensino e aprendizagem da leitura. Consoante Antunes (2009), essa instituição, no geral, tem falhado na tarefa de formar leitores, embora seja um assunto bastante pesquisado e discutido no meio acadêmico e científico.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), por exemplo, são ações institucionais, que, segundo a autora, são realizadas com objetivo de motivar e reorientar, de forma fundamentada, práticas de linguagem como a leitura e a escrita. Ambos, já com enfoque no domínio da língua “como uma das condições para a plena participação do indivíduo em seu meio social” (ANTUNES, 2003, p. 22).

Não obstante, é possível perceber a leitura dentro de uma abordagem ainda tradicional, que, conforme Ritter (2005), é abstrata e homogênea, centrada unicamente na competência linguística, especificamente, no domínio do código. Em outras palavras, ler na escola, não tem passado do simples ato da decodificação ou, unicamente, da extração de significado do texto (LEFFA, 2009).

O problema dessa abordagem é que os leitores-aprendizes ficam impossibilitados de produzirem seus próprios discursos, de construírem sentidos, já

que lhes é cabido apenas a reprodução mecânica daquilo que está explícito no texto, tornando-se “um ser passivo, um receptáculo de informações, (...) pseudo-leitores, carentes de reflexão e crítica” (RITTER, 2005, p. 122).

De acordo com os PCN, o ato de ler

(...) é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de extrair informação, decodificando letra por letra, palavra por palavra (BRASIL, 1998, p. 69).

Desse modo, o documento oficial supracitado orienta a prática da leitura sob o viés de uma abordagem interacionista da linguagem, na qual o sujeito-leitor assume uma postura ativa diante de suas leituras, precisando, para isso, muito mais que copiar informações do texto ou captar as intenções do autor. Em vista disso, cabe-nos um questionamento: por que a escola se distancia ainda dessa perspectiva de ensino e aprendizagem da leitura?

Em conformidade com Silva (2004), uma possível resposta pode ser encontrada na própria formação do professor, que, muitas vezes, é falha, por diversos motivos, impossibilitando um trabalho competente com a leitura. O autor cita vários estudos6 que comprovam a limitação no repertório teórico docente. Essa inconsistência teórica é que leva o professor a reproduzir, de forma mecânica, sempre as mesmas práticas pedagógicas que, geralmente, não têm sido suficientes para promover a progressão do desenvolvimento da competência leitora.

Outro fator que pode reduzir a leitura à simples ação de “cópia e cola”, ou seja, atividade desprovida de qualquer função comunicativa, é a adoção do livro didático como único recurso pedagógico condutor da prática docente. O problema não está no uso do livro didático, mas na falta de uma avalição antes do uso, para fins de análise do que realmente está adequado ou não às necessidades dos alunos e/ou aos objetivos pedagógicos das aulas.

Quanto a isso, Ritter (2005) explica que não é difícil encontrar incoerências e desarticulações em materiais didáticos de certas coleções. Daí a importância de uma análise prévia. Além disso, o professor precisa ser autor de suas aulas, porque só

6 Sobre a desatualização dos professores de língua portuguesa, v. A escolarização do leitor; a didática da destruição da leitura, de Lilian Lopes Martins Silva (Porto Alegre, Mercado Aberto, 1986, p.39-52) e A literatura infantil na escola, de Regina Zilberman (2. Ed. São Paulo, Global, 1982, cap. 2) (SILVA, 2004, p. 19. Em nota de rodapé).

assim ele também assumirá um papel ativo dentro do processo ensino e aprendizagem da leitura.

Por isso há

(...) a necessidade de o professor se ver como um ser inacabado, incompleto, que necessita de uma “realimentação”, já que a sua formação continua ao longo de sua vida profissional. Nessas condições, é fundamental que a produção científica assuma a posição de co-autora das transformações pedagógicas, permitindo ao professor momentos de revisitação, de estranhamento, de reflexão em relação a sua prática (RITTER, 2005, p. 135).

Dentre outros fatores que, de certa forma, prejudicam o andamento do trabalho eficiente com a leitura, Silva (2004) cita ainda: o currículo, que segundo o autor, quase sempre é inconsistente, incoerente, cheio de lacunas; as ideologias, as múltiplas funções da mulher professora, a falta de equipamentos que dê o suporte necessário para o trabalho com a leitura, no caso, as bibliotecas etc.

Tendo em vista alguns dos aspectos que podem atrapalhar o trabalho com a leitura, Ritter (2005) discute sobre aqueles que podem contribuir para atividades mais significativas, que possibilitem o senso crítico, reflexivo do aluno. Um deles pode ser o trabalho pedagógico por meio de projetos de leitura. No entanto, como posto pela autora, esse trabalho precisa seguir a linha dialógica da linguagem e ser desenvolvido de maneira coletiva, a partir de situações sociais reais inerentes ao contexto escolar, como por exemplo:

a organização da festa junina da escola, a apresentação teatral em um evento, a comemoração do final do ano letivo. (...) tais atividades são muito frequentes em nossas escolas, mas, na grande maioria das vezes, não são aproveitadas como situações para contextualizar a necessidade de ler (RITTER, 2005, p. 137).

Na mesma linha de pensamento, Menegassi (2010a) expõe que, além de propostas pedagógicas ligadas a uma série de estratégias e habilidades de leitura, é preciso, também, proporcionar ao aluno-leitor o contato efetivo com livros, materiais escritos de diferentes gêneros, veiculados em seus suportes reais propagados na sociedade.

Entendemos que é por esse viés que a escola precisa conduzir as práticas leitoras: como oportunidade de ampliar os repertórios de informações, de conhecimentos, de trocas de experiências, bem como de propiciar ao aluno uma compreensão ativamente responsiva. É preciso incentivar e estimular o estudante,

por intermédio de práticas pedagógicas consistentes e fundamentadas, a desenvolver-se como leitor crítico, consciente e ativo em todos os âmbitos: intelectual, cultural, ideológico e social.

Destarte, finalizamos, aqui, este capítulo, no qual dissertamos sobre o processamento da leitura, cuja realização se dá por meio de etapas, a saber: decodificação, compreensão, interpretação e retenção. Essas etapas ocorrem simultaneamente no momento da leitura, por isso não podem ser dissociadas. Discorremos também, acerca das concepções de leitura. A partir dos estudos de Menegassi (2010a) e Leffa (2009), pudemos conhecer quatro concepções: foco no autor, foco no texto, foco no leitor e foco na interação autor-texto-leitor. À luz da Psicolinguística, discutimos a respeito das estratégias de leitura. Por fim, debatemos sobre a leitura no contexto escolar.

No próximo capítulo, tratamos a respeito de aspectos inerentes à interação verbal, de acordo com os pressupostos do círculo de Bakhtin. Em seguida, discutimos sobre a Responsividade, os gêneros discursivos, bem como as especificidades do gênero charge.