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1.1 OS APORTES TEÓRICOS DA COOPERAÇÃO

1.1.2 A Interdependência Complexa

Um dos principais expoentes no campo sociológico a tratar sobre a interdependência das sociedades foi Norbert Elias, em A Sociedade de Corte (2001). Nesta obra, o autor argumenta que a sociedade deve ser compreendida pela constante rede de relações de interdependência entre os indivíduos que, por sua vez, cria regras, relações de poder, fazendo com que os indivíduos dependam uns dos outros. Em outras palavras, segundo Elias (2001), não é possível entender a sociedade sem verificar que a mesma é caracterizada por uma cadeia de relações de intercâmbios que se modificam constantemente, na qual os indivíduos estão mutuamente orientados e dependentes. Assim, conforme Devin (2010, p. 63), para Elias: “a interdependência é tanto reveladora das mutações objetivas da relação indivíduo-sociedade (nós-eu), quanto um lugar de descobertas do trabalho histórico dos homens para criar vínculos entre

eles”.

No campo de estudo das Relações Internacionais, o tema sobre a interdependência passa a ganhar maior destaque a partir da publicação do livro Power and Interdependence: World Politics in Transition, em 1977, de Joseph S. Nye e Robert O. Keohane. Os autores desenvolvem a Teoria da Interdependência Complexa e apresentam um novo modelo para a análise dos fenômenos internacionais, até então sob a primazia da teoria Realista. Para os autores, interdependência refere-se a uma relação em que os atores - Estados nacionais - afetam-se mutuamente, em outras palavras, refere-se a um estado de mútua dependência entre os atores.

A interdependência entre os Estados não significa pobreza nem riqueza, pois os resultados - positivos ou negativos - irão depender substancialmente da forma como foi determinada a cooperação entre os atores internacionais. Segundo Keohane e Nye (2001), as relações de interdependência, geralmente, são marcadas pela assimetria, e que os Estados fazem uso desta para projetar seu poder. Nesse sentido, o poder dos Estados deixa de ser dimensionado tão somente por sua capacidade coercitiva (poder bruto), mas também por sua capacidade de articulação com os diversos temas da agenda internacional, fazendo com que os outros realizem o que ele objetivava, controlando o resultado final através da negociação e da barganha. Para os autores, o poder está relacionado na capacidade dos atores controlarem os recursos (matérias primas, tecnologia, capital) ou na potencialidade de afetar os resultados11.

Keohane e Nye (2001) identificam quatro qualidades que ilustram as dimensões da interdependência: i) as suas origens, ii) benefícios, iii) simetria e, iv) seus custos. A interdependência pode ser originada em

11 Em um exemplo, Joseph Nye expõe a relação comercial entre os Estados

Unidos e Canadá: "O maior Estado nem sempre vence na manipulação da interpendência econômica. Se um Estado menor ou mais fraco tem um envolvimento maior com determinada questão, pode se sair muito bem. Por exemplo, uma vez que os Estados Unidos respondem por praticamente três quartos do comércio exterior canadense, ao passo que o Canadá responde por cerca de um quarto do comércio exterior americano, o Canadá é mais dependente dos Estados Unidos do que o contrário. Não obstante, os interesses do Canadá sempre prevaleceram em numerosas desavenças com os Estados Unidos porque o Canadá se dispunha a ameaçar com ações retaliatórias, o que conteve os Estados Unidos. Os canadenses teriam sofrido muito mais do que os Estados Unidos se suas ações tivessem levado a uma desavença total, mas o Canadá achou que era melhor arriscar uma retaliação do que seguir as regras que sempre o fariam perder" (NYE, 2009, p. 258).

fenômenos físicos (naturais) ou sociais (econômicos e políticos). Quanto aos benefícios, a interdependência pode trazer resultados como de soma zero (um ganha e outro perde), de soma positiva (ambos ganham) ou de soma negativa (ambos perdem). Quanto à simetria, é possível afirmar que dificilmente será simétrica a relação de interdependência entre dois ou mais atores, mesmo em uma situação com resultados de soma positiva, uma vez que sempre um determinado ator obterá maior ganho sobre o outro. Nesse contexto, Nye (2009, p. 256) afirma que: “[...] ser menos dependente pode ser uma fonte de poder”.

Em relação à última dimensão, por sua vez, os custos da interdependência podem ser medidos pelo grau de sensibilidade ou de vulnerabilidade. A sensibilidade “refere-se à quantidade e ao ritmo dos efeitos da dependência; quer dizer, com que rapidez as mudanças em uma parte do sistema produzem mudanças em outra parte?” (NYE, 2009, p. 254). A sensibilidade está relacionada com a importância e a rapidez dos efeitos sentidos pelos atores envolvidos nessa interação de dependência mútua.

A vulnerabilidade, por sua vez, “refere-se aos custos relativos de mudar a estrutura de um sistema de interdependência. É o custo de escapar de um sistema ou de mudar as regras do jogo” (NYE, p. 254-255). A vulnerabilidade está relacionada em uma perspectiva de longo prazo, sendo mais difícil e custosa de ser alterada. Por exemplo, na crise do petróleo de 1973, tanto o Brasil como os Estados Unidos foram sensíveis em relação às alterações no comércio global e nos padrões de investimentos provocados pela interdependência do petróleo. Os Estados Unidos não foram tão vulneráveis em relação à alta dos preços do petróleo pelo fato de rapidamente terem conseguido implementar um conjunto de ações para reduzir o consumo e controlar a oferta de gasolina vendida no país. Já o Brasil, por sua vez, era muito dependente da energia importada e sua produção interna não dava conta de suprir a necessidade de seu mercado doméstico, fazendo com que o país levasse muito mais tempo para alterar essa situação. Em resposta ao susto do choque do petróleo e os baixos preços do açúcar no mercado internacional, o Brasil lança, em 1975, um programa de substituição em larga escala dos combustíveis veiculares derivados de petróleo por álcool, conhecido por Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool).

Keohane e Nye (2001) denominam a atual interdependência de complexa pelo fato da mesma apresentar um vasto e extenso aprofundamento de conexões e fluxos internacionais envolvendo diversos atores, estatais ou não, que interagem em variados níveis, gerando uma

teia de relações interdependentes. Neste contexto, ao longo das últimas décadas, verifica-se que a multiplicação dos canais de interface global fez com que as relações internacionais deixassem de ser caracterizadas apenas pelas relações interestatais (entre Estados nacionais), e surgiu o termo relações transnacionais por envolver múltiplas redes de conexão com os "novos" atores internacionais, tais como: Corporações Transnacionais (CTNs), Organizações Não-Governamentais (ONGs), Organizações Intergovernamentais Internacionais (OIGs), grupos de interesse do nível doméstico dos Estados, dentre outros.

O aperfeiçoamento das tecnologias de transporte e comunicação barateou e aumentou a rapidez dos fluxos das transações financeiras, comerciais, de informação, de pessoas, reduzindo relativamente o poder dos Estados em controlar esses fluxos. Além da entrada de novos atores, novos temas passaram a ganhar importância na análise da política internacional tais como: economia, saúde, meio ambiente, direitos humanos, refugiados. Nesse contexto, Sarfati (2005) argumenta que houve uma quebra na hierarquia12 dos temas de estudo para a análise das relações internacionais, fazendo com que os assuntos militares deixassem de ser considerados de “alta política” (high politics), até então, e os demais temas como secundários, de “baixa política” (low politics).

A interdependência não corresponde um aumento da paz e ausência de conflitos entre os players no cenário internacional. Pelo contrário, devido a complexidade e as conexões de dependência entre os atores, atualmente o sistema internacional é muito mais confuso, conflituoso e difícil, em comparação com o período da Guerra Fria. Tal pensamento difere-se dos autores idealistas ou liberais clássicos, que defendiam o pensamento de que o aumento da interdependência econômica fomentaria a paz no sistema internacional. Nesse contexto, Nye (2009) destaca que:

Alguns analistas liberais pensam erroneamente que, na medida em que a globalização torna o mundo mais interdependente, a cooperação substituirá a competição. O raciocínio deles é que a interdependência gera benefícios conjuntos e que

esses benefícios conjuntos encorajam a

12 Sobre a importância e hierarquia dos temas de estudo das Relações

Internacionais, foi Edward Carr, em sua crítica ao Idealismo, quem primeiro defendeu o argumento de que os assuntos de guerra e paz (high politics) deveriam ter primazia sobre os demais temas (low politics) (CARR, 2001).

cooperação. Isso é verdade, mas a interdependência econômica também pode ser usada como uma arma [...]. Na verdade, a interdependência pode ser mais útil do que a força em alguns casos, porque ela pode ter gradações mais sutis. E, em algumas

circunstâncias, os Estados estão menos

interessados em seu ganho absoluto com a interdependência do que em como os ganhos relativamente maiores de seus rivais possam ser usados em seu prejuízo (NYE, 2009, p. 253). No atual cenário de interdependência marcado pela competição entre Estados em defesa de seus interesses e objetivos no plano internacional, a teoria da Interdependência Complexa defende o argumento de que os Regimes Internacionais e as Instituições Internacionais poderiam amenizar tal competição. Segundo Stephen Krasner (1983), Regimes Internacionais são definidos como: “um conjunto de princípios, de normas, de regras e de procedimentos de tomada de decisão, implícitos ou explícitos, em torno dos quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área”. Por meio da institucionalização de regras, normas, convenções, formais (estabelecidas por via diplomática) ou informais, sendo capaz de prescrever o comportamento dos Estados e os obrigar a respeitar as normas, os Regimes Internacionais podem contribuir para a estabilidade e a manutenção da ordem no sistema internacional.

O maior grau dessa institucionalização é a criação de organizações internacionais. Estas quando constituídas passam a ter autonomia jurídica no sistema internacional. Suas ações são baseadas por uma Carta Constitutiva que estabelece os direitos e deveres da organização internacional. Algumas dessas organizações passam ser configuradas por tribunais específicos para administrar conflitos entre os seus membros.

Segundo Keohane (1984), as Organizações Internacionais levam os Estados a cooperarem, uma vez que facilitam o estabelecimento de acordos internacionais, garantem maior cumprimento das normas e regras, reduzem os custos, aumentam a simetria, contribuem para a melhoria da qualidade das informações e transparência entre os Estados. Sendo assim, Keohane e Nye (2001) defendem o argumento de que o incremento da institucionalização de normas e regras beneficiaria tanto países ricos como pobres e, assim como os Regimes Internacionais, contribuiria para a manutenção da estabilidade e da ordem no sistema internacional.

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