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1.1 OS APORTES TEÓRICOS DA COOPERAÇÃO

1.1.1 Idealismo Moderno

O Idealismo, também chamado por alguns autores de Liberalismo4, foi o pensamento que influenciou o nascimento da disciplina das Relações Internacionais, que teve como seu grande precursor contemporâneo Thomas Woodrow Wilson (1815-1924), presidente dos Estados Unidos entre os anos de 1913 e 1921. Wilson defendia que a paz poderia ser alcançada por meio da ética e respeito das normas e regras do Direito Internacional Público. Foi também o grande idealizador para a criação de uma organização internacional5 com objetivo de fazer com que os Estados cumprissem os acordos internacionais, fazendo-os respeitar o Direito Internacional como forma de garantir a paz no sistema internacional6.

Segundo Root (1997), para que haja a possibilidade da convivência entre as pessoas é preciso estabelecer direitos e obrigações recíprocas,

4 Os primeiros estudos e investigações do pensamento idealista estiveram

associados, sobretudo, pela crença iluminista no progresso humano bem como pelo liberalismo do século XIX.

5 Em um discurso ao Congresso dos Estados Unidos, em 1918, Woodrow Wilson

apresentou sua proposta para a paz mundial, conhecida por "Quatorze Pontos", para que fosse levada em conta quando das negociações internacionais para a construção de uma ordem internacional no pós-guerra. Em consonância com o segundo Artigo Definitivo de Immanuel Kant em sua obra "À Paz Perpétua", Wilson menciona no décimo quarto ponto de seu discurso sobre a necessidade de criar uma organização internacional com o objetivo de promover a segurança coletiva e evitar um envolvimento de guerra entre os Estados. O resultado prático acerca da influência dos Estados Unidos e da aceitação dos respectivos Quatorze Pontos de Wilson traduziu-se na criação, no ano de 1919, da Liga das Nações.

6 Sistema Internacional é o ambiente onde interage diversos atores

internacionais como Estados nacionais, Organizações Internacionais, ONGs, Empresas, entre outros, no qual estabelecem princípios e regras entre os mesmos.

criando uma ideia de comunidade. A comunidade não é estabelecida pela livre espontânea vontade das pessoas, mas sim pela necessidade de estabelecer uma ordem capaz de gerar a possibilidade de coexistência entre as pessoas. Não obstante, tal argumento poderia ser estendido no contexto internacional do pós-Primeira Guerra Mundial, momento em que a Liga das Nações tinha o intuito de criar esse vínculo entre os Estados nacionais, estabelecendo direitos e obrigações para ser cumpridos pelos mesmos a fim de manter a ordem e a paz no sistema internacional. Sendo assim, a adesão e o cumprimento das regras e normas internacionais não foram aceitos por altruísmo pela maioria dos Estados nacionais no pós-guerra, mas sim pelo interesse de cada um em garantir sua própria sobrevivência.

Os principais autores que influenciaram o pensamento idealista moderno foram Hugo Grotius (1583-1645), Abade de Saint-Pierre (1658- 1743), Jean-Jacques Rousseau (1722-1778) e Karl Immanuel Kant (1724- 1804). Hugo van Groot, grande jurista holandês, conhecido como “Grotius”, foi responsável pela defesa da “descolonização” do Direito, deixando a influência da lei divina para um contexto puramente racional (DAL RI JÚNIOR, 2003). Sua principal obra para as Relações Internacionais é o Direito de guerra e paz, de 1625, a qual defende que a anarquia no sistema internacional, ou seja, a ausência de um governo mundial superior aos demais Estados nacionais, poderia ser controlada a partir do respeito e cumprimento dos acordos e regras internacionais estabelecidas pelos próprios Estados. Assim, para Grotius, o respeito às leis e às regras do direito internacional permitiriam a manutenção da ordem, ou seja, os meios para a paz no cenário internacional. No entanto, o autor não nega a possibilidade de haver guerras, mas as mesmas deveriam ser justificadas com base nas regras do direito internacional para serem consideradas justas7 (GROTIUS, 1993).

Abade de Saint-Pierre foi o primeiro autor clássico a levantar a ideia da construção da paz internacional por meio da cooperação entre as nações. De que forma o autor acreditava que isso seria possível? Por meio

7 A ideia sobre a “guerra justa” não fora desenvolvida inicialmente por Hugo

Grotius, mas sim por Thomas More, em A Utopia (1516), que defende o argumento que a guerra só seria considerada justa quando fosse para defender seu próprio território ou para socorrer um aliado. No caso de Grotius, a guerra seria justa quando o Estado comprovasse uma “injúria recebida”, ou seja, uma violação do direito, um dano causado, como por exemplo agressão não justificada, dano causado ao comércio de determinado país, entre outros fatores.

do estabelecimento de uma união federativa constituída pelos países. Tal proposta foi defendia em sua obra Projeto para tornar perpétua a paz na Europa, em 1713. Saint-Pierre não negava a possibilidade da existência das guerras, mas ao participar das negociações do Tratado de Utrecht, em 1712-1713 (acordo entre Reino Unido e França), acreditava ser possível os países católicos europeus – França, Reino Unido, Holanda, Portugal, Suíça, Florença, Genova, Veneza, Dinamarca etc. – criarem uma organização política, com um Congresso Perpétuo onde os Estados discutiriam suas ações políticas internacionais. Segundo Saint-Pierre (2003), essa união teria como base o compartilhamento de valores comuns entre os países europeus, que neste contexto seria o catolicismo. Para o autor, o catolicismo seria o “valor ético” para que os países membros não fizessem mau uso de seus poderes, deixando de lado iniciativas bélicas entre eles. Assim, por meio do vínculo do catolicismo, seria estabelecida uma união política entre eles, entretanto, a preservação dessa união se daria com o aumento das trocas comerciais e da interdependência econômica entre os mesmos.

Ainda que Abade de Saint-Pierre seja considerado como o pai do processo da integração europeia8, em sua época suas ideias não ganharam repercussão devido a falta de interesse e vontade política por parte dos governantes europeus. Seu trabalho passou a ganhar destaque quando da reedição de seus manuscritos por outro francês, Jean-Jacques Rousseau, no ano de 1756. No entanto, Rousseau publicou em 1782 um conjunto de críticas à obra de Saint-Pierre. Rousseau não concordava sobre os efeitos positivos da interdependência entre os Estados, pois tal situação levaria uma das partes a ser dependente em relação a(s) outro(s) podendo gerar conflito e competição entre eles; o elo de aproximação para a cooperação entre os países não poderia ser o catolicismo, pois, segundo ele, não seria possível criar uma organização política com Estados caracterizados por diferentes regimes políticos. Como seria possível realizar uma cooperação para criar mecanismos comuns em uma organização política com Estados democráticos e outros Estados autoritários? Para Rousseau, a cooperação só seria possível por meio da formação de uma federação de pequenos Estados democráticos, isto é, o vínculo comum para a cooperação seria a democracia e não mais o catolicismo (BENEVIDES, 1999).

8 O primeiro passo para a criação do bloco europeu foi dado em 1951, com a

Mas foram as contribuições de Immanuel Kant, grande filósofo iluminista, que exerceram grande influência para o desenvolvimento do pensamento idealista moderno nas Relações Internacionais. Sua obra, A Paz Perpétua, publicada em 1795, é estruturada como um tratado internacional fictício, dividido em duas partes principais: os artigos preliminares, que representavam os fatores que deveriam ser eliminados pelos Estados pois contribuíam para o desenvolvimento das guerras; e os artigos definidos, que representavam as bases para a estruturação de uma paz permanente entre os Estados tendo como pilar os pressupostos racionais. De forma resumida, os artigos preliminares eram: I: proibido fazer reserva secreta entre os governos; II: proibido adquirir outro Estado por meio da troca, compra ou doação; III: proibido manter exércitos permanentes; IV: os débitos públicos não deveriam financiar exércitos e outras atividades militares; V: defesa do principio da não intervenção, ou seja, é proibido os Estados intervirem no contexto domestico de outros Estados, esta garantido aos Estados sua soberania e autonomia interna; e VI: proibido a utilização de hostilidades que possam levar a conflitos futuros. Já os artigos definitivos são: I: os Estados deveriam ser republicanos; II: deveria ser estabelecida uma federação entre os Estados; III: a utilização do direito cosmopolita9 (KANT, 2008).

Norberto Bobbio, ao analisar a obra de Kant sobre a paz perpétua, destaca quatro pontos principais:

1) Os Estados nas suas relações externas vivem ainda num estado não jurídico; 2) o estado de natureza é um estado de guerra e portanto um estado injusto (da mesma maneira como é injusto o estado de natureza entre os indivíduos); 3) sendo esse estado injusto, os Estados têm o dever de sair do mesmo e fundar uma federação de Estados,

9 O Direito cosmopolita é o direito que baseou os direitos do homem, ou, os

direitos humanos, o qual passa a ser reconhecido de forma universal a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, assinada pela ONU. O direito cosmopolita, defendido por Kant, consistia em direitos comuns aceitos em qualquer lugar do mundo. Sendo assim, não existiria a ideia de nacionalidade pois haveria um só direito para todos os cidadãos do mundo. Segundo Bobbio (1995, p. 164), “[...] enquanto o direito internacional regula as relações entre os Estados, e o direito interno regula as relações entre o Estado e os próprios cidadãos, o direito cosmopolita regula as relações entre um Estado e os cidadãos dos outros Estados (ou seja, os estrangeiros)”.

segundo a idéia de um contrato social originário, ou seja, “uma união dos povos por meio da qual eles sejam obrigados a não se intrometer nos problemas internos uns dos outros, mas a proteger- se contra os assaltos de um inimigo externo”; 4) essa federação não institui um poder soberano, ou seja, não dá origem a um Estado acima dos outros Estados, ou superestado, mas assume a figura de uma associação, na qual os componentes permanecem num nível de colaboração entre iguais (societas aequalium), como se dos dois contratos

que, segundo a doutrina tradicional do

jusnaturalismo, eram necessários para a formação do Estado, o pactum societatis e o pactum subiectiones, tivesse que ser efetivado, para resolver os conflitos entre os Estados, somente o primeiro e de forma alguma o segundo (BOBBIO, 1995, p. 159-160).

Kant verifica o tema da paz afirmando a ideia de que o "estado de natureza"10 é diferente do "estado de sociedade". O estado de natureza consiste em uma situação de guerra contínua, sendo a opção racional a escolha do pacto social ou um contrato social, o qual seja estabelecida regras a fim de garantir a ordem e liberdade civil. No plano internacional, em uma situação de estado de natureza, os Estados se aproximariam a partir da percepção de que a paz e o processo de interdependência econômica seria mais vantajoso e que a guerra era irracional. Para Kant, a paz perpétua seria alcançada quando fosse estabelecido um pacto para criar uma federação de repúblicas europeias, sendo que as normas e regras internacionais que regulariam essa federação seria o direito cosmopolita. Assim sendo, as contribuições dos autores clássicos mencionados acima contribuíram para o desenvolvimento da escola idealista que predominou no campo acadêmico das Relações Internacionais até o início da Segunda Guerra Mundial. O Idealismo Moderno, por sua vez, defendia o argumento de que o aumento da interdependência entre os Estados, caracterizada pelo aprofundamento da cooperação entre eles, seria capaz de evitar possíveis conflitos internacionais. Nesse contexto, além de Woodrow Wilson, Norman Angell, autor da obra A Grande Ilusão, de

10 O estado de natureza foi um termo desenvolvido por Thomas Hobbes, na sua

obra O Leviatã, para designer o ”estado de guerra de todos contra todos”, ou seja, a ausência de um poder superior que pudesse controlar as ações dos indivíduos.

1912, defendia a ideia de que seria muito mais benéfico para os Estados aumentar a interdependência econômica do que promover guerras. Angell (2002), por sua vez, critica a visão belicista da época que considerava a guerra como algo que exaltava a virtude do homem. O autor ressalta que a guerra é irracional, uma ilusão de ótica, pois não traz nenhum benefício para os atores envolvidos, nem mesmo para os vencedores, como é ressaltado no prefácio da sua obra: “meu objetivo não é provar que a guerra é impossível, mas que é inútil” (ANGELL, 2002, p. XXII).

Apesar das contribuições idealistas para assegurar a paz no ambiente internacional, as concepções desta escola não representavam a realidade do comportamento dos Estados neste período, caracterizado pela busca do poder, protecionismo comercial, nacionalismo, ascensão de regimes totalitários. Por conta disso, a Liga das Nações, por sua vez, mostrou-se incapaz de garantir a manutenção da paz no cenário internacional, entrando em colapso em 1939 com a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Por volta dos anos 1970, as contribuições sobre a interdependência no ambiente internacional são retomadas, mas com um caráter diferente. Enquanto as contribuições da escola idealista verificavam que a interdependência contribuiria para a paz, os autores Joseph Nye e Robert Keohane destacam que a interdependência não é o que contribui para a paz, mas sim a institucionalização de normas e regras internacionais, que contribuem para o ordenamento do sistema internacional, descrita a seguir.

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