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A INTERFACE ENTRE O TURISMO E A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

3 O USO DO ‘PÚBLICO’ NOS PARQUES NACIONAIS

3.2 A INTERFACE ENTRE O TURISMO E A CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE

Este tópico apresenta uma reflexão sobre a interface entre a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento do turismo, à luz das diretrizes e dos objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). A opção pela ‘lente’ da CDB se fez em função de sua crescente influência no âmbito das políticas nacionais e internacionais relacionadas à conservação da biodiversidade, principalmente em áreas protegidas (ALBAGLI, 2006)34. Horowitz (2003) salienta que a CDB pode ser encarada como o “corolário de um mandato global para as áreas protegidas”, na mesma linha promovida por alguns tratados internacionais (p. 73)35. Antes de passar para a discussão dos temas turismo e biodiversidade, é necessário abordar o contexto no qual as áreas protegidas estão inseridas na CDB.

A adoção da Convenção da Diversidade Biológica, sobretudo no que se refere ao artigo 8, relativo ao desenvolvimento de sistemas de áreas protegidas36 como uma forma de conservação da biodiversidade in situ37, desencadeou uma série de debates e ‘experimentos’ sobre diferentes mecanismos de gestão dos recursos naturais. O referido artigo ressalta alguns objetivos importantes que têm relação direta com a visitação em unidades de conservação:

- “promover o desenvolvimento sustentável e ambientalmente sadio em áreas adjacentes às áreas protegidas, a fim de reforçar a sua proteção”;

34 Abagli (2006) salienta que: “embora a CDB tenha força de lei nos países que a ratificaram, não está totalmente

assegurada sua capacidade de fazer valer, concretamente, suas determinações (...) No plano interno dos países, o abandono do princípio de “herança comum” e a afirmação do princípio de “soberania” dos Estados, relativamente a seus recursos genéticos e biológicos, representam, para aqueles comprometidos com a implementação da CDB complexos desafios” (2006, p. 131).

35 Alguns tratados internacionais relacionados às áreas protegidas: Convenção sobre Zonas Úmidas (1971),

também conhecida como Convenção de Ramsar, que estabelece critérios específicos para a conservação e o uso sustentável das zonas úmidas de importância internacional; Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Natural e Cultural, que institui sítios naturais e/ou culturais como patrimônios mundiais da humanidade; Programa Homem e Biosfera da Unesco, que promove um modelo de gestão integrada, participativa e sustentável dos recursos naturais por meio das Reservas da Biosfera.

36 Para os propósitos da CDB, área protegida significa “área definida geograficamente que é destinada, ou

regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservação” (MMA/2000, p. 10).

37 Para os propósitos da CDB, condições in situ significa “as condições em que recursos genéticos existem em

ecossistemas e habitas naturais e, no caso de espécies domesticadas ou cultivadas, nos meios onde tenham desenvolvido suas propriedades características” (MMA/2000, p. 10).

- “procurar proporcionar as condições necessárias para compatibilizar as utilizações atuais com a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus componentes”.

Desde a adoção da CDB, a Conferência das Partes (COP)38 se reuniu nove vezes. A cada reunião foram tomadas decisões necessárias à tradução dos dispositivos gerais da Convenção em ações práticas. Na COP 7, realizada em Kuala Lumpur, em fevereiro de 2004, as partes confirmaram esforços para estabelecer e manter sistemas de áreas protegidas. Foi desenvolvido um Programa de Trabalho para Áreas Protegidas39, construído com base no Plano de Ação do V Congresso Mundial de Parques, nos Objetivos do Milênio40 e no Plano de Implementação da Cúpula Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável.

Em consonância com o Programa de Trabalho para Áreas Protegidas da CDB, o Brasil elaborou o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas – PNAP (Decreto 5.758, de 13 de abril de 2006) que tem como desafio o estabelecimento, até 2015, de um “sistema abrangente de áreas protegidas, ecologicamente representativo e efetivamente manejado, bem como a promoção do acesso aos recursos oriundos da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos custos e benefícios advindos da conservação da biodiversidade” (BRASIL, 2006). O PNAP inclui as paisagens terrestres e marinhas, além de propor estratégias específicas para as terras indígenas e terras de quilombos.

Dentre os objetivos gerais do PNAP, destacam-se aqui aqueles que estão diretamente relacionados ao desenvolvimento do turismo nas unidades de conservação: “potencializar o papel das unidades de conservação e demais áreas protegidas no desenvolvimento sustentável e na redução da pobreza; fortalecer a comunicação, a educação e a sensibilização pública para a participação e o controle social sobre o SNUC; garantir a sustentabilidade econômica das unidades de conservação”. Este último objetivo tem sido tratado com destaque no âmbito do Programa de Trabalho para Áreas Protegidas da CDB. Em 2007, durante o encontro do Grupo de Trabalho de Áreas Protegidas da CDB foi desenvolvido um documento que abordou, em caráter de urgência, as possibilidades para a

38 A Conferência das Partes (COP) é o órgão supremo decisório no âmbito da CDB. A COP se reúne a cada dois

anos em diferentes continentes. A reunião conta com a presença de delegações oficiais dos 188 membros da CDB (187 países e um bloco regional), participantes de países não associados, organizações internacionais, academia, ONG, lideranças de comunidades tradicionais, entre outros.

39 Cumpre salientar a declaração conjunta de apoio das ONGs para a implementação do Plano de Trabalho para

Áreas Protegidas. Assinaram a declaração: BirdLife International, Conservation International, Flora and Fauna International, The Nature Conservancy, Wildlife Conservation Society, WWF e Instituto de Recursos Mundiais.

40 Em 2000 o Programa das Nações Unidas estabeleceu oito objetivos que devem ser alcançados pelos 191

Estados-Membros das Nações Unidas até 2015: 1 - erradicar a extrema pobreza e a fome; 2 - atingir o ensino básico universal; 3 - promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4 - reduzir a mortalidade infantil; 5 - melhorar a saúde materna; 6 - combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças; 7- garantir a sustentabilidade ambiental; 8 - estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento. Esses objetivos têm orientado as discussões e pesquisas em torno da relação entre conservação da biodiversidade e redução da pobreza. (MANSOURIAN et al, 2008; SCHERL & EMERTON, 2008).

mobilização, por meio de diferentes mecanismos, de recursos financeiros para apoiar a implementação do programa em questão. Um dos temas abordados no documento foi o estabelecimento de parcerias público-privadas para o desenvolvimento de programas de ecoturismo que incrementem a sustentabilidade financeira das áreas protegidas. A concessão de serviços de apoio ao turismo nos parques nacionais é comumente citada como uma das parcerias viáveis para financiar a manutenção destas áreas (UNEP/CBD, 2007). Em recente estudo, Eagles & Hillel (2008) salientam que a contribuição do turismo pode ser muito maior do que é hoje para a implementação do Programa de Trabalho de Áreas Protegidas. Cumpre destacar que tanto a conservação da biodiversidade quanto o planejamento e o desenvolvimento do turismo são fenômenos complexos, multidisciplinares e inter-setoriais. A interação e a integração adequadas entre ambos é ainda mais desafiadora (CEBALLOS-LASCURÁIN, 2001).

Na década de 1980, pesquisadores da Academia Nacional de Ciências norte- americana, com destaque para o biólogo Edward O. Wilson, definiram o termo biodiversidade – combinação das palavras diversidade e biologia – como a variedade de organismos vivos em todos os ecossistemas do planeta e os respectivos processos que propiciam o funcionamento e a preservação de sua estrutura (WILSON, 1997). Pode-se dizer que o termo biodiversidade foi institucionalizado e fortalecido após a assinatura da CDB, que define diversidade biológica como:

Variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo, ainda, a diversidade de espécies, entre espécies e de ecossistemas (MMA, 2000, p. 11)

O conceito adotado pela CDB deixa transparecer a amplitude do termo biodiversidade, pois abarca desde a variabilidade genética entre indivíduos da mesma espécie até a diversidade de ecossistemas. Engloba os atributos de todas as coisas vivas, incluindo a maneira como as espécies se diferem nas adaptações que definem os seus espaços nos ecossistemas, na tolerância às condições físicas, nas defesas de sobrevivência, nas formas de crescimento, nas estratégias de reprodução e dispersão e nos comportamentos (BENSUSAN, 2001; RICKLEFS apud HOROWITZ, 2003).

Para algumas correntes, o termo biodiversidade não está restrito somente ao mundo natural, mas também pode ser entendido como uma construção cultural e social, que valoriza a interação do homem e as espécies e ecossistemas. Santilli (2005) destaca a articulação entre os conceitos de biodiversidade e sociobiodiversidade, sendo este último resultante de contribuições culturais de povos e comunidades que desenvolvem uma relação de estreita dependência do meio natural e um amplo conjunto de conhecimentos e práticas relativas à biodiversidade. A autora argumenta que o entendimento dos cientistas a

respeito da biodiversidade, descontextualizado do domínio cultural, é diferente do conceito de biodiversidade elaborado e apropriado de forma material e simbólica pelas populações tradicionais. Sob este viés, o conceito de biodiversidade resultaria de uma estreita dependência do meio natural por parte das comunidades e povos, que desenvolveram, ao longo do tempo, formas culturais diferenciadas de interação e apropriação dos recursos ambientais (DIEGUES, 2001; SANTILLI, 2005).

Para Santos, Meneses & Nunes (2005), biodiversidade é um conceito em permanente reinterpretação, redefinição e adaptação às necessidades políticas locais. A noção de biodiversidade pode, por exemplo, ser entendida sob a perspectiva de que os países do Sul são o “reservatório mundial da diversidade biológica”. O Brasil apresenta de 15 a 20 % do número total de espécies conhecidas do planeta e um alto grau de endemismo de espécies. Os autores chamam a atenção para o fato de que:

Se considerarmos a diversidade de populações que possuem conhecimento sobre os ecossistemas em que vivem e se admitirmos que estes conhecimentos são pontos de passagem obrigatórios (Latour, 1987) para a construção da biodiversidade enquanto objeto da ciência, iremos verificar que o conhecimento efetivo sobre a biodiversidade vai muito mais além do que aquele que está oficialmente registrado em base de dados construídas por instituições científicas. (2005, p. 60).

Neste sentido, a diversidade biológica é percebida de inúmeras formas, de acordo com as necessidades políticas e os diferentes conhecimentos, culturas e interesses. O valor atribuído à diversidade biológica depende de critérios distintos. Como mencionado, a CDB ressalta a necessidade de apreensão dos diversos valores da diversidade biológica, quais sejam: intrínseco, genético, social, econômico, científico, educacional, cultural, recreativo e estético. No que tange ao turismo, os valores recreativo e estético são os principais elementos ‘fundadores’ da atração dos turistas.

A CDB tem definido alguns marcos conceituais para orientar a gestão da biodiversidade em escala mundial. Dentre estes instrumentos, destaca-se o documento Diretrizes para o desenvolvimento do turismo com base na biodiversidade (Secretariat of the Convention on Biological Diversity, 2004). Essas diretrizes estão relacionadas ao turismo sustentável desenvolvido em ecossistemas terrestres, marinhos e costeiros, com foco nas áreas protegidas. O turismo qualificado como ‘sustentável’ é aquele que incorpora em seu desenvolvimento a sustentabilidade e as suas diversas dimensões (ambiental, econômica, social, cultural). Para Ceballos-Lascuráin (2001), o turismo sustentável tem a capacidade de se tornar uma ferramenta factível para a conservação da biodiversidade, ao proporcionar alternativas econômicas para as comunidades locais, criar novas receitas para a conservação da biodiversidade e despertar o apoio público necessário para a proteção da biodiversidade. Esses aspectos são comumente citados em publicações e documentos políticos relacionados ao turismo em áreas protegidas. Cumpre destacar o viés ‘econômico’

da valoração dos ‘atributos’ da biodiversidade, que constitui um dos principais elementos para subsidiar a prestação de serviços de apoio à visitação em UC como uma forma de incrementar os recursos financeiros para a sua manutenção e do próprio sistema de UC (FONT, COCHRANE & TAPPER, 2004). Trataremos desse aspecto na próxima seção.

Um dos principais objetivos das diretrizes elaboradas pela CDB é a maximização dos benefícios positivos do turismo para a biodiversidade, os ecossistemas e o desenvolvimento econômico e social. Além deste objetivo geral, destacam-se:

- manutenção da estrutura e do funcionamento dos ecossistemas;

- compatibilização do turismo sustentável com a conservação e o uso sustentável da biodiversidade;

- distribuição justa e eqüitativa dos benefícios provenientes das atividades turísticas, com ênfase nas demandas específicas das comunidades indígenas e outras comunidades locais; - integração com outros planos de desenvolvimento ou atividades desenvolvidas na mesma área;

- informação e fortalecimento de capacidades locais;

- redução da pobreza por meio da geração de renda e emprego para reduzir efetivamente a ameaça à biodiversidade em comunidades indígenas e locais;

- diversificação das atividades econômicas, além do turismo, para reduzir a dependência em uma única atividade;

- zoneamento e controle das atividades turísticas, incluindo licenças e limites necessários ao desenvolvimento da atividade (Secretariat of the Convention on Biological Diversity, 2004).

No entanto, a apologia ao turismo como a ‘salvação’ para compatibilizar a conservação da biodiversidade com o desenvolvimento socioeconômico é muitas vezes acompanhada por atropelos e interesses econômicos que transformam a atividade num verdadeiro canal para ‘colonização’ das áreas rurais e para a utilização desmedida e perdulária dos recursos naturais.

Claramente o turismo tem um papel econômico predominante para os países em todo o mundo e, se planejado e manejado corretamente, pode contribuir significativamente para a sustentabilidade do desenvolvimento socioeconômico e da conservação ambiental. No entanto, o desenvolvimento inapropriado do turismo – baseado principalmente no modelo “mainstream” ou no turismo de massa – tem produzido impactos negativos nos ambientes naturais e culturais, incluindo a biodiversidade [...] Conseqüentemente, a apropriada interação entre a conservação da biodiversidade e o planejamento e desenvolvimento do turismo transformou- se no problema-chave para muitas instituições em nível, local, nacional e internacional (CEBALLOS-LASCURÁIN, 2001)41.

O impacto do turismo sobre o ambiente e a conservação da biodiversidade biológica pode incluir a degradação dos ecossistemas; a perturbação de espécies e alteração de seus

hábitos alimentares, de migração e de reprodução; o aumento dos resíduos sólidos; pressão sobre os recursos naturais locais; a deterioração da qualidade da água; poluição sonora; o aumento da erosão do solo; e a coleta de ‘lembranças’ da natureza (plantas, pedras, conchas). No que diz respeito aos impactos socioeconômicos negativos vinculados ao turismo, destacam-se a crescente expropriação e ocupação do território por parte de agentes externos; enfraquecimento de práticas tradicionais e do estilo de vida das populações; a ruptura dos valores culturais e desequilíbrio da economia local; a expulsão e marginalização de populações locais; os desvios de comportamentos e prostituição; a violação de lugares sagrados; e a manipulação da memória e da herança coletiva. (Secretariat of the Convention on Biological Diversity, 2004; PIRES, 2002; DRUMM & MOORE, 2002).

Entender a maneira como o turismo se desenvolve é fundamental para vislumbrar as prováveis conseqüências sobre o futuro da conservação da biodiversidade. A organização não-governamental Conservação Internacional (CI), com o apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), desenvolveu uma pesquisa que procurou mapear as experiências relacionadas à minimização dos impactos negativos do turismo e à maximização de sua contribuição para a proteção da biodiversidade e melhoria da qualidade de vida das populações locais. As experiências de vários países foram abordadas a partir da conexão entre turismo (fluxo de turistas), biodiversidade (áreas protegidas) e o bem-estar das populações envolvidas (países em desenvolvimento e regiões pobres). O cruzamento entre estes três parâmetros possibilitou a identificação de áreas onde eles estão sobrepostos e onde estratégias devem ser desenvolvidas para conservar os ecossistemas ameaçados e contribuir com a redução da pobreza (CHRIST et al., 2003). O estudo da CI partiu da hipótese de que o turismo está crescendo nas áreas ricas em biodiversidade e que o turismo desenvolvido de acordo com os princípios de sustentabilidade poderá alcançar um resultado positivo no que diz respeito aos impactos sobre a biodiversidade. Destacamos os seguintes resultados da pesquisa:

- um número crescente de países do Sul com áreas hotspots42está passando por um rápido crescimento do turismo;

- mais de um terço dos 15 países mais pobres do mundo encontram-se em áreas de hotspots e, em todos eles, o turismo é considerado uma atividade importante e promissora; - a biodiversidade é a maior atração turística em inúmeros países em desenvolvimento que abrigam ‘hotsposts’ (Madagascar, Costa Rica, Belize);

- as previsões indicam que a importância do turismo irá aumentar nos países considerados

42 As áreas prioritárias de biodiversidade são definidas pela Conservação Internacional por meio da estratégia de

“hotspots”. “Hotspots são regiões que abrigam uma imensa diversidade de espécies endêmicas e que, ao mesmo tempo, foram impactadas e alteradas de maneira significativa por atividades humanas” (Myers, et al. 2000 apud Christ et al., 2003).

hotspots, particularmente no Sul da Ásia – e tal fato requer um planejamento cuidadoso, para evitar os impactos negativos sobre a biodiversidade (CHRIST et al., 2003).

O estudo destaca o paradoxo de que muitos países ricos em biodiversidade também apresentam baixos escores de desenvolvimento humano (IDH) e um significativo fluxo de visitação, como é o caso do Brasil, Indonésia e África do Sul. Em alguns casos, a contribuição do turismo para a redução da pobreza é limitada em virtude de interesses privados externos que direcionam o setor. O turismo, neste sentido, é freqüentemente acompanhado de um “desvio” considerável de divisas que acaba beneficiando majoritariamente os médios e grandes grupos (CHRIST et al., 2003, p.18).

A visão centrada na redução da pobreza engendrou um novo modelo de turismo denominado de pro-poor tourism43, que visa o desenvolvimento de iniciativas que garantam o aumento de renda para as populações pobres. Essa abordagem se sustenta na ligação entre o incremento de renda por meio de oportunidades de negócios liderados pelas populações locais, o fortalecimento dos impactos positivos na qualidade de vida e os canais de participação e parceria com a iniciativa privada. O questionamento central dessa abordagem parte da própria lógica do turismo baseado preponderantemente nos aspectos econômicos. A questão que deve ser observada nessa e em outras iniciativas é em que medida a abordagem ‘pro poor’ pode despertar uma visão distorcida sobre como ‘incluir os excluídos’, engendrando uma linha filantrópica do turismo, ao invés de gerar possibilidades de autonomia e emancipação para que os ‘pobres’ possam conduzir os seus próprios ‘negócios’ ou mesmo decidir se o turismo é ou não a sua vocação.

De maneira geral, a literatura e as pesquisas sobre o turismo destacam os seguintes benefícios econômicos, ambientais e sociais da atividade: diversificação da economia regional; estímulo ao desenvolvimento de alternativas econômicas de baixo impacto ambiental; indução do estabelecimento de pequenos negócios; manutenção da população no interior e em áreas rurais; geração local de empregos; melhoria nas infra-estruturas de transporte, comunicações e saneamento; estabelecimento de alternativas de arrecadação para as áreas protegidas; diminuição do impacto sobre o patrimônio natural e cultural; melhoria dos equipamentos nas áreas protegidas; sensibilização com relação às questões ambientais (CEBALLOS-LASCURÁIN, 2001; DRUMM & MOORE, 2002; CHRIST et al. 2003; FONT, COCHRANE & TAPPER, 2004).

Estudos sobre o desenvolvimento do turismo em países em desenvolvimento ilustram as potencialidades da atividade em termos de conservação da biodiversidade e do incremento econômico nas regiões localizadas ao redor das áreas protegidas.

Em alguns casos, como no Parque Nacional Tarangire, na Tanzânia, a taxa de entrada

paga pelos turistas é partilhada entre a população local. Davenport et al. (2002) argumentam que essa iniciativa pode contribuir para aumentar o apoio público para os parques, principalmente em áreas onde a população do entorno demanda uma compensação pela perda de acesso aos recursos. Salientam que a partilha de renda não é muito comum nas estratégias de manejo da visitação nos parques, mas a consideram uma experiência interessante que deve ser analisada e trabalhada, principalmente nos casos em que “reclamantes legítimos” devem ser compensados e necessitam de alternativas de trabalho e renda (DAVENPORT et al., 2002, p. 327).

No Parque Nacional de Ranomafana, em Madagascar, o início das atividades de turismo priorizou o estabelecimento de infra-estrutura turística e o repasse de parte dos lucros provenientes da visitação para os residentes do entorno da área. Metade das receitas obtidas com as taxas pagas pelos turistas é destinada à Associação Nacional para as Áreas Protegidas (Association Nationale pour la Gestion des Aires Protegees – ANGAP) e é utilizada para manutenção das operações turísticas. A outra metade vai para as comunidades para financiar microprojetos aprovados pela ANGAP (WRIGHT & ANDRIAMIHAJA, 2002).

Alguns estudos apontam a geração de renda por meio do turismo como um aspecto relevante em países em desenvolvimento, cujas alternativas econômicas dependem em grande medida dos recursos naturais. “O governo desses países estão sob grande pressão para maximizar a renda gerada por suas terras e, sem os ingressos representados pelo turismo, eles raramente têm como justificar a alocação de níveis adequados de verbas para a conservação da biodiversidade” (DAVENPORT et al. 2002, p. 305).

Contudo, embora algumas pesquisas forneçam dados promissores em relação ao incremento de renda proveniente do turismo para as áreas protegidas, mesmo em países com um expressivo fluxo de visitantes e com rendimentos significativos como a Costa Rica e os Estados Unidos, os parques precisam ser subsidiados e não são auto-suficientes