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2.1. Internacionalização de Empresas

2.1.4. Abordagens recentes no estudo da internacionalização de empresas

2.1.4.3. A internacionalização de empresas sob a ótica cultural

O estabelecimento de organizações em novos mercados suscita o enfrentamento de obstáculos relacionados, em grande medida, a diferenças culturais, impactando diretamente a sobrevivência da organização. As imposições emanadas do ambiente cultural, segundo Miroshnick (2002, p. 524), são refletidas no comportamento gerencial, e, logicamente, em suas práticas de gestão. Ainda segundo essa autora, “estratégias, estruturas e tecnologias que são apropriadas em um contexto cultural podem levar à falência em outro”. Esse fato demanda do gestor lidar com a problemática das “relações entre organizações multiculturais e seus ambientes culturais” por meio de “percepção acurada, diagnóstico e adaptação apropriada”.

Corrobora com essa autora a pesquisa conduzida por Bhaskaran e Gligorovska (2009). Por meio de uma pesquisa survey envolvendo 1.248 organizações, esses autores confirmaram que crenças organizacionais e comportamentos afetos às alianças empresariais transnacionais são influenciados pela cultura nacional, bem como por fatores como as complexas inter- relações entre construtos como confiança, comprometimento, cooperação, dependência, comunicação e compatibilidade, além do próprio ramo de atividade. No entanto, a cultura

nacional aparece como fator de destaque nesse bojo, sobrelevada na ótica de Nes, Solberg e Silkoset (2007, p. 405) de implicar “um impacto significativo na confiança e comprometimento” nas relações de empresas internacionalizadas.

Diferentemente das demais vertentes abordadas nesta pesquisa, conjetura-se que a abordagem cultural da internacionalização de empresas não se propõe, por si, a apresentar um modelo do fenômeno, mas sim a analisar o papel desempenhado por um construto que permeia e afeta diretamente a interação da organização com o ambiente estrangeiro, em todos os momentos do processo. Afinal, segundo Freitas (1997, p. 40), “as organizações são partes da sociedade e, portanto, parte de sua cultura”, o que mitiga sobremaneira seu caráter de autonomia frente aos aspectos culturais que a permeiam.

Em que pese a manifesta lacuna da área de gestão internacional sobre os impactos culturais na escolha da estratégia de internacionalização (ARMAGAN; FERREIRA, 2005), é possível identificar uma corrente de pesquisa dedicada ao estudo dos efeitos da dinâmica cultural durante processos de internacionalização de empresas, conforme iniciativas de Lucas (2006), Faulconbridge (2008), Jung e Su (2008), Lunnan e Traavik (2009), Ijose (2010) entre outros.

Não se olvida, no entanto, que esforços de pesquisa sobre a relação entre cultura e empresas internacionalizadas remontam há algumas décadas. Nesse âmbito, ressalta-se o estudo conduzido pelo psicólogo holandês Geert Hofstede que, no final dos anos 60 e começo dos anos 70 do século passado, iniciou uma pesquisa global nos escritórios da IBM sobre as atitudes dos funcionários em diferentes países. Com aproximadamente 120 mil questionários aplicados em 66 subsidiárias da empresa, os achados constataram a influência da cultura nacional para explicar os valores e atitudes em relação ao trabalho. A relevância desse estudo é sentida nas iniciativas mais recentes: diversas são as abordagens culturais sobre internacionalização que tomam por base o modelo das dimensões culturais nacionais desenvolvidas por Hofstede (HSIEH; TSAI, 2009; IJOSE, 2010; JUNG; SU, 2008; LI; HARRISON, 2008; LUCAS, 2006 entre outros).

Com viés metodológico distinto, apoiando-se essencialmente em observações no terreno, análise documental e entrevistas (GOMES, 2002), o antropólogo francês Philippe D'Iribarne dedicou-se nos últimos trinta anos ao estudo da capacidade da gestão em adaptar-se a diversas culturas e contextos (D’IRIBARNE, 2005). Nesse ínterim, conduziu estudos de caso em empresas situadas em diferentes países (Marrocos, Camarões, México, Argentina, entre outros) estabelecendo linhas explicativas, que permitem observar o funcionamento das

empresas e as relações entre os seus membros à luz dos percursos históricos do país, das organizações, e também do tipo de socialização primária dos seus nacionais (GOMES, 2002).

A abordagem desse antropólogo afasta-se da elaboração de modelos de cultura nacional / organizacional, preferindo a consideração dos efeitos de realidades culturais distintas sobre práticas de gestão o que, em sua opinião, é um modo mais frutífero de investigação, dada a consideração de aspectos temporais e de localidade:

Quando tentamos entender cada cultura finamente, a forma usual de caracterizá-las, atribuindo-se pontuações diferentes dependendo de dimensões, implica a assunção de um significado independente do tempo e de lugares que parece muito questionável. (...) Em uma tentativa de categorizarem-se as culturas, parece mais frutífero olhar para as diferenças que cobrem um único conceito (justiça, igualdade, liberdade ou dignidade) em diferentes contextos e os efeitos dessas diferenças nas instituições e nas práticas. (D’IRIBARNE, 2000, p. 72) (tradução deste autor)

Com esse entendimento, D’Iribarne (1993) e sua equipe detectam, mediante técnicas qualitativas de pesquisa, as constantes históricas que condicionam as interpretações e as práticas de gestão nas organizações nos Estados Unidos, na França e na Holanda. As lógicas internas dessas três culturas são evidenciadas, servindo de esquema de interpretação das práticas organizacionais locais.

Em termos de iniciativas recentes, há pesquisas que apontam a efetividade da influência da cultura nacional tanto do país de origem quanto do hospedeiro nas práticas organizacionais (HILAL, 2006; OMAR e URTEAGA, 2010). Hilal (2006), por exemplo, efetuou um estudo de uma multinacional brasileira, realizando uma pesquisa survey com 1.742 respondentes localizados em 36 cidades espalhadas no Brasil e em 4 outros continentes, verificando-se a influência da cultura nacional brasileira na cultura organizacional das subsidiárias. Em ótica distinta, a pesquisa de Jung e Su (2008) sobre a relação entre cultura organizacional (derivada da cultura nacional) e a implementação de práticas de gestão da qualidade total em multinacionais localizadas nos EUA, México e China revela que a cultura nacional local é capaz de exercer mais influência em uma prática organizacional do que a cultura que emana da matriz.

A despeito da tendência de as pesquisas apontarem a influência da cultura nacional nas práticas organizacionais, Hilal (2006, p. 162) sugere que o grau de afetação pode ser determinado pelo próprio contexto da organização. Transferências de pessoal entre países, por exemplo, seriam, segundo esta autora, uma estratégia de socialização, promovendo uma “atitude mais aberta e positiva em relação a outras nacionalidades e culturas, edificando-se um comprometimento com a organização como um todo”.

Proeminente é a discussão acerca da estruturação de práticas de gestão transculturais em um contexto de internacionalização de empresas, visando a minimizarem-se, de forma voluntária, os eventuais impactos negativos da diversidade cultural neste processo, corroborando as escolhas estratégicas de gestão mais acertadas.

Nesta linha, Gerhart (2009, p. 241) identifica como ponto focal ao gestor a decisão sobre “o quanto customizar sua cultura organizacional e as práticas administrativas correlatas a fim de se adequar ao contexto do país hospedeiro, e quanto, em contrapartida, empenhar-se em manter consistência ou padronização destas práticas”.

Analogamente, para Jing e Bing (2010), a consciência sobre os possíveis óbices advindos do conflito entre culturas em um processo de internacionalização implica a possibilidade de elaboração e implementação de práticas de gestão transculturais, construídas pelos autores com base no modelo de aculturação de Berry (1984). As linhas de ação possíveis estendem-se desde a busca por uma forte integração entre culturas, passando pela manutenção de práticas organizacionais originais apenas no que tangem aos core business e indo até o rígido transplante da cultura da matriz à subsidiária. Esse conteúdo encontra-se sintetizado no Quadro 4.

Manutenção da identidade cultural

SIM NÃO Inte ra çã o co m o utr as cult ura s SIM Integração

Práticas de enxerto (culturas dissonantes): a cultura do país da matriz é o alicerce principal, sendo as práticas locais customizadas pontualmente mediante aspectos da cultura local.

Práticas de acomodação (culturas “suplementares”): dado que as culturas não são dissonantes, não há alicerce principal, mas apenas a superposição de traços culturais.

Assimilação

Práticas de localização: emprego de gestores locais, visto que estão familiarizados com maneiras e costumes locais, tendências de mercado e aspectos legais do país hospedeiro.

NÃO

Separação

Práticas de transplante cultural: há um transplante da cultura da matriz para suas subsidiárias, a qual é aceita gradualmente, mediante o exercício de práticas padronizadas arraigadas na cultura do país mãe da organização, emprego de gestores expatriados, ou socialização de gestores locais (desterritorialização).

Marginalização

Práticas de evasão cultural: frente a culturas dissonantes, opta-se pela adoção de um padrão cultural de um terceiro país, assegurando uma ferramenta de ligação no exercício da gestão.

Quadro 4. Práticas de Gestão Transcultural.