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2.2 Os principais eventos e atores que impulsionaram o crescimento do turismo em Natal

2.2.4 A internacionalização do turismo em Natal (1991-2000)

Os anos finais da década de 1980 dão sinais do egresso de Natal em uma fase de “mundialização”. Embora, o Parque das Dunas/Via Costeira – PD/VC já estivesse sido formulado com essa premissa de internacionalização, esta não ocorreu, visto que sua ocupação se deu, em sua maioria, por grupos locais e de outras capitais nordestinas, dos quais muitos não possuíam experiência em turismo (CAVACALNTI, 1993). Estima-se que o XV Congresso da ABAV favoreceu o interesse já existente de internacionalizar a atividade, à medida que facilitou a troca de conhecimentos na área, situando os atores locais sobre os parâmetros da atividade no mundo.

Nessa perspectiva, novos assuntos emergem e alguns em voga em outros momentos do campo ganham uma nova conotação nas discussões. O adjetivo que vem à tona é “qualidade” da mão de obra, das instalações, dos serviços prestados, além do interesse em novos modelos gerenciais e na estética das praias da cidade, sinalizando para necessidade de reordená-las.

Tais assuntos começam a aparecer, timidamente, nas reportagens da RN Econômico, com gestores públicos e privados nessa época. Cabe ressaltar que todos esses aspectos são sinônimos de conflitos no campo do turismo, sejam porque envolvem percepções diferentes da relação homem e natureza (LEFEBVRE, 2006; SANTOS, 1999), ou pelas contradições decorrentes dos reflexos da formação cultural, econômica e política nordestina (PAIVA et al. 1996).

Essas novas exigências aguçaram o interesse de instituições acadêmicas pelo tema e influenciaram o foco das pesquisas que buscaram se concentrar, inicialmente, em temas relevantes para suprir as necessidades do mercado turístico.

A partir da década de 1990, registrou-se a instalação do curso de turismo, na Faculdade de Ciências Cultura e Extensão – FACEX (1991), na Universidade Potiguar – UNP (1992), na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (1998), na Faculdade Câmara Cascudo (2002), na Faculdade União Americana (2003), na Universidade Estadual do

Rio Grande do Norte – UERN (2003), na Faculdade de Natal – FAL (2004) e no Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN (curso técnico, em 2004) (FURTADO, 2005).

Entretanto, cabe pontuar que o turismo já vinha sendo investigado em outras áreas de conhecimento, sobretudo, nos cursos de Administração, Economia e Geografia da UFRN, onde foram encontradas pesquisas que datam do início da década de 1980.

Esse processo de internacionalização do turismo parece começar pelas preocupações estéticas, particularmente, voltadas para o visual das praias. O ano de 1991 marca o início dessa nova fase no processo de desenvolvimento histórico do campo do turismo em Natal. Isso porque nesse ano é ajuizada pelo Patrimônio Público da União, uma ação civil pública relativa à retirada das barracas da Praia de Ponta Negra, sob a alegação de que as mesmas situavam-se na faixa de uso comum do povo, infringindo o artigo 20, inciso VII da Constituição Federal de 1988. No banco dos réus ficou a Prefeitura Municipal de Natal (órgão destaque: IPLANAT), acusada de fazer uso indevido das suas atribuições ao cadastrar e alocar barraqueiros na praia, os oitenta e oito barraqueiros que ocupavam suas areias (Associação dos Barraqueiros de Ponta Negra – ABPN) (GRANDES TEMAS, 1999).

Ordens próximas e distantes começavam a ser encaminhadas em direção ao bairro. Toda a complexidade da vida social do lugar e as formas de representação do espaço da praia, articulada pelos próprios barraqueiros para o Brasil e o mundo, através da divulgação boca-a- boca e até por intermédio de entrevistas que eles próprios concediam a revistas nacionais e internacionais, carregadas de uma forma própria de racionalidade, com objetivos de produção material e social compartilhados com a comunidade, estavam com os dias contados (NB1, 2009).

As relações de produção e reprodução social recebiam cada vez mais interferências, através da intermediação de sistemas de representações complexos e modernos engendrada, não mais, pelos barraqueiros, mas por novos atores interessados na “venda da cidade”, via de regra, para canalizar seus próprios interesses mercantis, potencializando a imagem da cidade para o consumo do espaço e impondo uma racionalidade diferente, geradora de rápidas transformações no espaço de representação da comunidade local (LEFEBVRE, 2006).

Em 1993 é fundada a Comissão de Turismo Integrado do Nordeste – CTI-NE (FOCO, 2002) um órgão que aglutina todos os órgãos oficiais de turismo (municipais e estaduais) e está ligado a vários outros que trabalham no setor. De acordo com Paulo César Gallindo, presidente da EMPROTURN na época, o objetivo da CTI-NE é traçar estratégias conjuntas para estabelecer uma “política de desenvolvimento turístico” para o Nordeste, através da

promoção, infra-estrutura e ampliação de linhas de financiamentos junto ao Banco Mundial (RN ECONÔMICO, 6/1994).

Essa comissão impulsionou, consideravelmente, o chamado city marketing das cidades nordestinas e desempenhou um papel fundamental tanto na transformação do espaço vivido, em espaço concebido, apropriando-se do próprio simbolismo local, quanto do que denominou Santos (1999) de “guerra dos lugares”, na qual está em jogo a captação de turistas e investimentos nacionais e estrangeiros para região Nordeste. O relato a seguir demonstra a importância do órgão e a entrada dos novos atores no processo de representação do espaço:

Depois da criação da CTI Nordeste e o início de seus trabalhos tudo mudou, teve um impulso maior nas campanhas (de marketing) por aqui com a produção

do Nordeste Semi-Verão, nós fizemos além da capital (São Paulo), Ribeirão Preto, Campinas, São José do Rio Preto e Sorocaba, então a gente saia era num ônibus todo mundo, eu, mas algumas pessoas, e em alguns foi o Presidente da Emproturn da época, Augusto Carlos Viveiros e em outros, Antonio Tibúcio, Diretor técnico, a

gente levava carne de sol, queijo, fotos, levava a coisas, montava um stand num hotel e fazia as reuniões para os agentes de viagens e o pessoal da área de turismo para fazer a divulgação, umas coisas bem diferente do que é hoje né? Mas

foi assim que começou. (OE2, 2009).

Ao que tudo indica em 1994, Natal já estava se destacando como um dos principais destinos nordestinos na preferência de turistas nacionais e até internacionais. Por outro lado, existia, ainda, a deficiência de leitos e equipamentos turísticos na cidade, capacitados, principalmente, para atender o fluxo turístico internacional (RN ECONÔMICO, 2/1995).

Com o objetivo de superar esse problema, a EMPROTURN organiza, nesse mesmo ano, juntamente, com a EMBRATUR e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas – SEBRAE, a primeira Bolsa de Investimentos Turísticos no Estado, visando aproximar o investidor e o dono da terra (RN ECONÔMICO, 6/1994).

Com efeito, para atender os investidores interessados foram disponibilizadas outras linhas de financiamento além das citadas, como o “Nordeste Competitivo”, para grandes investidores e o Programa de Apoio ao Turismo Regional – PROATUR, direcionado para pequenos investidores, respectivamente intermediados pelo BNDES e BNB (RN ECONÔMICO, 8/1995). Segundo o Presidente da EMPROTURN na época, Paulo César Gallindo, a cidade acumulou esse déficit porque enfrentou, “nos últimos 7 anos, uma ausência total de investimentos no turismo” (RN ECONÔMICO, 6/1994, p. 8).

Essa retração citada por ele, possivelmente tem suas explicações no cenário nacional desse período em que a economia, desde o final de 1987, quando fora implantado o Plano Cruzado II, obteve sucessivos planos (Cruzado II, Plano Bresser, Plano Verão, Plano Collor I e II) que não lograram êxito no alcance da estabilidade econômica, muito embora o declínio do fluxo de turistas tenha ocorrido, apenas, em 1990, conforme demonstra a tabela 1 (p. 111). Esse cenário conturbado só apresentou sinais de mudanças após 1994, com a implantação do Plano Real no governo de Itamar Franco (RN ECONÔMICO, 6/1994).

É interessante observar que o processo de consolidação da atividade turística e, por conseguinte, sua influência na urbanização da cidade, coincide com a promulgação do Plano Diretor de 1994, que segundo Lima (2001), flexibiliza o uso e a ocupação do espaço urbano, exatamente no momento em que a cidade está investindo em infra-estrutura voltada para exploração turística. Em outras palavras, o autor afirma que o plano não propõe uma estrutura urbana formatada, pelo contrário, coloca-se como instrumento básico que permite que a cidade seja moldada pelas forças presentes na sociedade que não obstante possuem interesses e capacidades de pressão diferentes, embora estejam sob a supervisão da ação do Estado.

Este plano manteve e criou alguns dispositivos importantes para o planejamento e a gestão do desenvolvimento turístico da cidade, entre eles, deve ser citada as áreas especiais com normas específicas de uso e ocupação do solo, a saber: as áreas de controle de gabarito, previstas para proteção do valor cênico-paisagístico; as áreas de recuperação urbana, que têm por objetivo recuperar os conjuntos histórico-culturais, e; as áreas especiais de interesse social (AEIS) destinadas a preservação do espaço vivido das comunidades e a assegurar formas heterogêneas de desenvolvimento na cidade (LIMA, 2001).

Acredita-se que tais mecanismos são vitais, sobretudo, porque podem frear o processo de homogeneização do espaço urbano, decorrente da influência turística que, não obstante, tem reflexos no próprio nível de competitividade da cidade no mercado turístico nacional e internacional.

No campo institucional, registra-se, em 1995, a extinção da Emproturn, como reflexo da política neoliberal, comanda no Estado pelo Governador Garibaldi Alves, que enxugou a máquina pública, pondo fim a vários órgãos. Entretanto, no mesmo ano, criou a Secretaria de Turismo, Indústria e Comércio que tinha entre outras finalidades a competência de formular a política para as atividades envolvidas e vendê-las no exterior, investimentos em infra- estrutura de saneamento, transporte e energia, desenvolver programas de qualificação de mão- de-obra para o turismo, desenvolver pesquisas de oferta turística e desenvolver alternativas para os períodos de baixa estação (RN ECONÔMICO, 1995).

O processo de internacionalização do campo passa pelo advento dos vôos charters que começam a ser trazidos para cidade em 26 de dezembro de 1995, com a implantação de uma rota ligando Milão a Natal (FOCO, 6/2001). Contudo, a internacionalização do turismo recebe, realmente, um grande impulso a partir da implementação do PRODETUR/RN I, afinal, de acordo com Santos (1999), a condição primeira da globalização é a formação dos espaços de fluxos que dependem do fornecimento de acessibilidade e infra-estrutura para propiciar a competitividade que é a ação hegemônica.

Segundo Fonseca (2005), o programa intermediado pelo BNB, foi implantado durante o governo estadual de Garibaldi Alves (1995/1998 e 1999/2002) com recursos da ordem de US$ 44.950.000,00, sendo 50% financiado pelo BID e o restante pelo Governo do Estado. Desse montante, Natal absorveu 23,10%, sendo o maior beneficiado entre os municípios do Estado. De acordo com a autora, entre o período de 1996 e 2001, foram efetuados investimentos em três direções: em desenvolvimento institucional, que recebeu, apenas, 4,75% do montante; em obras múltiplas, para as quais foram destinados 39,23%, utilizados na recuperação do Parque das Dunas, na implantação de equipamentos nesse parque, no esgotamento sanitário, drenagem, pavimentação, urbanização e iluminação de Ponta Negra, no esgotamento sanitário da Via Costeira, além de várias estradas construídas para interligar os municípios à Natal, e; no aeroporto, que concentrou a maior parte dos recursos, sendo 56,01% empregados na sua ampliação e modernização, que antes possuía uma área de 2.970 m2 e estacionamento para 130 veículos, passando a 10.300 m2 e 450 vagas de estacionamento, tornando-se um aeroporto internacional.

Cabe mencionar que nessa fase, em 1997, um grupo da iniciativa privada, procurando intensificar os patamares de lucratividade do setor, principalmente mantendo o fluxo de turistas na baixa estação, faz surgir na cidade à primeira fundação em regime cooperativo voltada para a capitação de eventos, chamada de Convention Visitors Bureau, colocando Natal no competitivo mercado do turismo de eventos, atividade que segundo a E MBRATUR, gera três vezes mais dividendos que o turismo de lazer. A intenção de captar a demanda internacional desse segmento específico está explicita no próprio nome da organização (RN ECONÔMICO, 8/1997).

Assim, como em todas as fases, o city marketing tem acompanhado esses investimentos em infra-estrutura, porém, a divulgação é ampliada para escala internacional. (FURTADO, 2005). Dos congressos organizados, dois merecem destaque, em função do impacto que produziram em termos de marketing: a VI Brazil National Tourism Mart – BNTM em 1997, com perspectiva de dois mil participantes de vários países (RN

ECONÔMICO, 4/1996) e o Encontro da Associação dos Agentes Portugueses de Viagens e Turismo – APAVT, realizado em 1998, no qual foram esperados mil e quinhentos participantes de diferentes países (RN ECONÔMICO, 11/1998).

Enquanto não se anunciava a solução para o impasse da reestruturação da Orla de Ponta Negra, a prefeitura decidiu iniciar a reurbanização das praias pela faixa litorânea na altura de Areia Preta, até o Forte. Afinal, precisava-se demonstrar aos empresários que as praias, realmente, seriam ordenadas e aqueles locais valorizados. Desse modo, em 1998, com recursos do FUNGENTUR orçados em R$ 7 milhões e uma contrapartida de 20% da prefeitura, o projeto para área começa a ser executado. Todavia, foi necessário retirar os barraqueiros da área (RN ECONÔMICO, 11/1997).

Em 1999 registra-se outro fato importante nessa trajetória de internacionalização do campo. Trata-se da parceria pioneira no país, realizada entre o SEBRAE e o Governo do RN no setor de hotelaria. Após reaver na justiça o Hotel Escola Barreira Roxa, arrendado a uma empresa suíça, que não cumpriu o contrato, o governo estadual concedeu o Hotel Escola ao SEBRAE, com a pretensão de torná-lo um centro de excelência regional de padrão internacional na qualificação de mão-de-obra para o setor de hotelaria e turismo.

O volume dos recursos foi considerável e disponibilizado pelo Governo do Estado (RN ECONÔMICO, 1999).

Nesse mesmo ano, em 24 de agosto, foram demolidas as barracas da praia de Ponta Negra. Para os barraqueiros um dia que ficará na história de suas vidas e, para os empresários, o início de uma nova fase, baseada em outra racionalidade muito mais benéfica para seu segmento. Logicamente, diante de todos esses investimentos, seria quase impossível que o turismo não produzisse cifras extraordinárias, pelo menos para alguns.

O trade turístico, principalmente, sua cúpula: hoteleiros, agenciadores de viagens e operadores de companhias aéreas, puderam maximizar ainda mais seus lucros na fase seguinte, a partir de 2001, quando se percebe um aumento significativo do fluxo turístico estrangeiro na cidade.