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A cidade pós-moderna ou a “cidade do prazer”: incorporando outros elementos da

1.1 O espaço e a dinâmica urbana no capitalismo tardio: produção, circulação e consumo

1.2.3 A cidade pós-moderna ou a “cidade do prazer”: incorporando outros elementos da

Na perspectiva de incorporar outros elementos pós-moderno à “cidade do prazer”, é conveniente ressaltar as proposições de Jameson (2000, p. 28) sobre a arquitetura, por ele considerada um campo emblemático das transformações estéticas que revelam de forma dramática as críticas pós-modernistas ao alto modernismo, as quais se referem principalmente a “[...] destruição da cidade tradicional e de sua cultura da vizinhança [...]” através dos projetos de reestruturação urbana.

Durante esse período, Harvey (1992) destaca o padrão inglês, baseado nos Modelos Ebenezer Howard e Lê Corbusier, que liquidaram de vez o sentido social que serviu de inspiração inicial a reestruturação urbana do modernismo, motivada particularmente pelo sentimento de um “futuro melhor”, resquício do fim da Segunda Guerra. Segundo o autor, enquanto a Inglaterra implementava, sob intervenção estatal, a construção de novas cidades ou a renovação de alta densidade, nos Estados Unidos acorria a suburbanização e a gentrificação financiada pelo governo e implementada pelo setor privado. Conforme o autor, ambos tinham como principal objetivo a racionalização econômica e a implantação de sistemas de circulação.

Assim, a urbanização pós-moderna surge em face dessas práticas urbanas e representou uma alternativa para trazer à tona o sentimento social perdido e a identidade de comunidades, ao propor o reconhecimento de suas diversidades e essências outrora reprimidas pela austeridade do projeto urbano moderno (alto modernismo) criticado por Harvey (1992), por valer-se de um igualitarismo às avessas e de uma democracia frágil, que na prática não se desfaziam da estrutura social estratificada na qual operavam.

A partir da leitura de Jencks (1984), Harvey (1992) afirma que a arquitetura pós- moderna foi viabilizada pela flexibilização da produção industrial que possibilitou a produção de inúmeros produtos customizados e pela transformação das dispersões urbana em distâncias factíveis através do desenvolvimento das comunicações e dos transportes. Em outras palavras, essas condições propiciaram que planejadores urbanos e arquitetos adotassem estilos diversificados baseados em tempos históricos e culturas diferentes.

Isso significou como afirmou Jameson (2000), o fim da separação entre alta cultura e cultura de massa, principal característica do pós-modernismo. O autor argumenta que o fim dessa barreira deve ser analisado, sobretudo, pela vertente política, pois, não se trata apenas

de um estilo cultural ou de um estilismo, mas de uma estratégia naturalizada na própria cultura pública. O autor explica que,

O que ocorreu é que a produção estética hoje está integrada a produção de mercadorias em geral: a urgência desvairada da economia em produzir novas séries de produtos que cada vez mais pareçam novidades (de roupas a aviões), com um ritmo de turn over cada vez maior, atribui uma posição e uma função estrutural cada vez mais essenciais à inovação estética e ao experimentalismo. Tais necessidades econômicas são identificadas pelos vários tipos de apoio institucional disponíveis para a arte mais nova, de fundações e bolsas até museus e outras formas de patrocínio. De todas as artes, a arquitetura é a que está constitutivamente mais próxima do econômico, com que tem, na forma de encomendas e no valor dos terrenos, uma relação virtualmente imediata. (JAMESON, 2000, p. 30).

Nessa direção, cabe observar também o destaque de Jameson (2000) as diferenças que tornam o pós-modernismo radicalmente distinto do modernismo, que seriam o significado e a função social em cada um, transformados pela posição do pós-modernismo na economia capitalista atual e pelo papel que a cultura assumiu na sociedade pós-moderna, revelando-se como uma “dominante cultural” como ele a denominou.

Essa dominante cultural vai nortear as características do cenário urbano na (pós?)- modernidade e, por conseguinte, irá estruturar a cidade pós-moderna, devendo servir de lente para identificar em termos políticos as forças distintas que atuam na (re) produção do espaço. (JAMESON, 2000).

Jameson (2000) tomando para análise obras de artes, filmes e a arquitetura de cidades, ressalta as características incorporadas ou aprofundadas nesse contexto pós-moderno em função da junção da produção estética com a produção de mercadorias. É óbvio que o que foi dito pelo autor a respeito da transformação dos objetos em mercadorias aplica-se com a mesma intensidade aos lugares confiscados para tornarem-se produtos turísticos e levados a transformarem-se em imagem estereotipas.

Ao se fazer uma leitura do espaço urbano turístico a partir das colocações do autor, sem considerar se elas se intensificaram ou não, uma vez que essa é uma questão de ordem empírica que pode variar de acordo com o lugar, seria possível afirmar que existe:

a) uma falta de profundidade visível na maneira como os espaços e as atividades são planejadas e gerenciadas que acentuam essa condição já existente no turismo moderno e enaltece (in)conscientemente a superficialidade através de experiências turísticas descontextualizadas histórica, cultural e geograficamente. As paradas para que turistas visitem

bazares globais de objetos sem vida e sem história que jamais denotarão as relações produtivas e culturais imbricadas na confecção daqueles souvenirs é um exemplo singelo;

b) um “esmaecimento dos afetos” (expressão do autor) no turismo que se traduz não pela falta de sentimento, mas pela transformação desse sentimento em euforia, de pensar sua liberdade utópica no suposto período de “férias”, de buscar “viver intensamente” nem o lugar e nem o tempo, mas a coleção de pontos fotografados, numa busca desenfreada pelo prazer que não mais considera o sentir, mas apenas o experimentar;

c) o pastiche, o historicismo e o simulacro. O pastiche pode ser notado na paisagem que logo incorpora designs arquitetônicos variados escolhidos em escala global e/ou no túnel do tempo – denominado historicismo, perceptíveis também nos equipamentos turísticos (hotéis, restaurantes, etc.) repletos de atividades ou objetos descontextualizados, espetáculos e pseudo-eventos, gestões que refletem a falta de (re) conhecimento da cultura local ou na sua comercialização, resultando na espetacularização ou criação de simulacros, como por exemplo, pratos ou hábitos que na prática nunca existiram. Pode-se ainda constatar simulacros espaciais, a exemplo dos camelos que percorrem as dunas litorâneas do RN.

Mullins (1991) faz críticas contundentes à incorporação confusa dos vários elementos abordados no pós-modernismo, a exemplo da arte e da arquitetura, para explicar à cidade pós- moderna, defendendo que as características sejam mais precisas se quiserem ser úteis às pesquisas sobre urbanização turística.

No intuito de solucionar esse problema, o autor opta por compreender a cidade pós- moderna como sendo uma nova forma de urbanização pós-moderna na qual as cidades seriam organizadas exclusivamente para o prazer e a urbanização turística seria sua mais notável expressão. Embora Lopes Jr. (1997) se coloque completamente à parte da discussão pós- moderna, corrobora que a urbanização turística molda os espaços para o consumo do prazer. Jameson (2000) vai ao encontro das proposições de Harvey (1992), ao afirmar que a cidade pós-moderna não propiciou uma representatividade política, mas apenas estética e midiática, com vantagens questionáveis para as comunidades, revelando mais um projeto que visa construir uma imagem de cidade através da estruturação de espaços urbanos espetaculares, com qualidades diferenciadas, tempos históricos misturados, paisagens pastichizadas (regionalismo, nacionalismo, internacionalismo), ecletismos e gostos mascarados e reconhecimento superficial da alteridade, num processo de camuflagem do conflito através do glamour, oferecendo aos que estavam à parte, o prazer da participação sem que eles percebam o quão transitória e superficial ela é.

De acordo com Harvey (1992) e Jameson (2000), a transformação das categorias tempo e espaço através da mídia, revela uma crônica explosão e implosão de imagens pastichizadas e esquizofrênicas, que projetadas em tempo real, alteram o sentido de tempo histórico, levando a uma sensação de estar-se vivendo um eterno presente, ao mesmo tempo em que desloca a identidade do sujeito e sua teleologia a respeito do significado da vida, provocando a substituição de valores éticos por estéticos.

Em suma, a cidade pós-moderna está em contínua descontextualização e recontextualização, responsáveis por desvirtuar a distinção entre significante e significado, cópia e original, passado e presente.

O conceito de esquizofrenia, particularmente buscado por Jameson (2000) em Lacan, complementa o aspecto psicológico destacado por Harvey (1992) revelando alguns pontos que devem ser destacados, a saber, a fabricação de identidade pessoal diante a unificação temporal que se transfere para própria vida psíquica do ser, afetando o eu coerente que acarreta a perda do indivíduo alienado, que por sua vez, implica na construção de um projeto social consciente de um futuro alternativo ao presente e ao passado.

Segundo Harvey (1992), os valores do mercado se tornam dominantes no zoneamento urbano colocando o poder econômico e não as razões e o sentido social como determinantes da ocupação e do uso da terra, isso estaria emoldurando as paisagens. Em outras palavras estaria solapando a rica desordem, a naturalidade, a vitalidade, a energia e a interação social que denotam o sentido de lugar e de vida. (JACOBS, 2000). É nesses termos que Harvey (1992) afirma que a cidade pós-moderna repetiu a monotonia do modernismo que pretendera substituir.

Afirma-se que a organização da vida em torno de uma lógica de consumo tem efemerizado não apenas produtos, processos, técnicas, ideologias, mas o próprio apego as pessoas, ao lugar e as práticas cotidianas que se fazem e refazem a todo instante (HARVEY, 1992; JAMESON, 2000). Esse consumo transloucado estaria enfraquecendo os laços sociais e atomizando a sociedade, transformando-a em uma "anti-sociedade", como afirmou Jameson (2000).

Harvey (1992) traz essa discussão ao nível de planejamento urbano, explicando que a ênfase no consumo trouxe a estratégia da diferenciação de produtos, mencionada anteriormente, para o projeto urbano, fazendo surgir um novo nicho de mercado através da diversidade cultural estética que passa a maximizar o capital via capital simbólico.

Na próxima sessão são apresentados dois estudos sobre urbanização turística no contexto internacional.