• Nenhum resultado encontrado

3. MEMÓRIA DE TRABALHO E SEMELHANÇA INTERPRETATIVA

3.3 A interpretação simultânea como fenômeno cognitivo

Liu (2001) cita vários teóricos internacionais como Barik (1975), Dillinger (1994), Davidson (1992), McDonald & Carpenter (1981), Darò & Fabbro (1994) e Padilla et al. (1995) que, numa interface entre a Psicologia, Psicolinguística e os Estudos da Tradução, investigaram a diferença entre a capacidade cognitiva e de memória de trabalho, entre intérpretes novatos e expertos.

Segundo Guará-Tavares (2009, 2011), vários estudos investigaram a relação entre as diferenças nas capacidades de memória de trabalho e a produção oral em uma determinada língua (tais como Bergsleithner, 2007; Daneman, 1991; Daneman & Green, 1986; Fontanini et al., 2005; Fortkamp, 1999, 2003; Guará-Tavares, 2006; Mizera, 2006; Weissheimer, 2007; 2007; Xhafaj, 2006). Dentre eles, o estudo proposto por Daneman (1991) reporta uma correlação significativa entre os escores obtidos em testes de mensuração da fluência verbal em L1 e a capacidade de memória de trabalho mensurada através do Speaking Span Test.

Nesta mesma interface multidisciplinar, em nível nacional, alguns estudos como de Merode (2011), Ferreira (2012), Rodrigues (2013) e Fonseca (2015) investigam diferenças cognitivas entre sujeitos de perfis linguísticos distintos:

Merode (2011) investiga as diferenças na memória de trabalho entre três pessoas: uma intérprete (do par linguístico português/inglês), uma bilíngue (também em português e inglês) e uma monolíngue (da língua portuguesa). Neste estudo, acredita-se que o acesso lexical da intérprete profissional não pode ser prejudicado devido ao seu bilinguismo, mas sim que ela apresente escores em testes de Fluência Verbal semelhantes a monolíngues, já que é uma condição indispensável ao êxito no seu trabalho de interpretação simultânea. Foram utilizados testes de Memória de Trabalho verbal (Span Auditivo de Palavras em Sentenças e N-back Auditivo) e de Fluência Verbal (Evocação lexical livre, com critério semântico e com critério fonológico-ortográfico). A escolha dos mesmos respeitou critérios de idade, sexo, tempo de estudo formal, fluência e frequência de uso da L1 (Português) e da L2 (Inglês). Os resultados obtidos apontam para um desempenho semelhante entre a participante intérprete e a monolíngue nos testes de Fluência Verbal, com um escore menor para o bilíngue. No entanto, no teste de Memória de Trabalho, os três sujeitos obtiveram resultados semelhantes, com uma pequena vantagem para a participante intérprete.

Já Ferreira (2012) devota sua atenção na investigação de viés cognitivista do desempenho de dez profissionais expertos na tradução direta e inversa de textos escritos em inglês e português. Através do método da triangulação, Ferreira analisa os dados

(procedimentos de tradução obtidos por meio de gravações feitas com o programa Translog©), em conjunto com protocolos retrospectivos. Os resultados indicam algumas tendências sobre o desempenho de todo o grupo, ao mesmo tempo que revela o caráter idiossincrático do processamento de cada tradutor que, a partir de uma complexa rede de conhecimentos e habilidades, trabalha no intuito de produzir um texto-alvo de acordo com cada tarefa proposta. Rodrigues (2013) realiza um estudo empírico-experimental que tem como objetivo a reflexão sobre algumas características processuais relacionadas ao desempenho cognitivo de dois grupos de TILS numa interpretação do Português para a Libras. O primeiro grupo é constituído por TILS bilíngues que têm a Libras como língua nativa (CODAs). O segundo grupo é composto por TILS bilíngues, mas tem a Libras como segunda língua. Assim como a presente pesquisa, o estudo de Rodrigues (2013) baseia-se numa interface dos Estudos da Tradução com a Teoria da Relevância (mais especificamente os processos inferenciais e a atribuição de Semelhança Interpretativa). A coleta de dados é realizada através de gravações em vídeo das interpretações (posteriormente analisadas pelo software ELAN), entrevistas e protocolos verbais retrospectivos. Rodrigues conclui que o desempenho dos TILS é fortemente influenciado pela distinção entre as modalidades que compõe este par-linguístico, e isso influencia no modo de como a busca por Semelhança Interpretativa se dá nesse tipo de interpretação.

Fonseca (2015) investiga o efeito de interferência semântica no acesso lexical bilíngue bimodal em um grupo de ouvintes bilíngues bimodais adultos que atuam como TILS por meio de uma Tarefa de Reconhecimento de Tradução desenvolvido especificamente para seu estudo, no qual os participantes foram solicitados a observar sequências de sinais em um vídeo seguido de uma palavra em Língua Portuguesa e a responder se a palavra correspondia à tradução correta do sinal. Seus resultados sugerem que nem os diferentes níveis de experiência linguística, nem a certificação do Prolibras não estão correlacionados com uma resposta mais rápida aos testes propostos, apesar disso, constatou-se que os TILS que trabalham 20h por semana tiveram um melhor desempenho comparado com o grupo de profissionais que trabalham 40h por semana.

Neste capítulo, revisamos os conceitos da área dos Estudos da Cognição necessários ao desenvolvimento desta pesquisa, como os Modelos de Memória de Trabalho (Baddeley e Logie, 1999 e Engle et al., 1999), a Teoria da Relevância e a Semelhança Interpretativa à luz de teóricos como Wilson e Sperber (1995, 2005), Gutt (1991, 1998) Alves (1995, 1996ª, 1996b, 2001), Gonçalves (2005), Rodrigues (2013), além de embasarmos teoricamente a escolha das Entrevistas Dirigidas de caráter retrospectivo, à luz da teoria exposta por Alves (2001a).

Além disso, ao término deste capítulo, discorremos sobre alguns dos estudos realizados no Brasil que tem investigaram a relação da Memória de Trabalho com outros fenômenos cognitivos tais como: Guará-Tavares (2009, 2011), que a relação entre as diferenças nas capacidades de MT e a produção oral em estudantes de inglês. Merode (2011) que investiga a correlação da MT com o acesso lexical realizado por pessoas com perfis linguísticos diferentes (uma intérprete, uma bilíngue e uma monolíngue). Ferreira (2012) que estuda, sob a perspectiva da cognição, o desempenho de tradutores expertos numa atividade de tradução escrita (direta e inversa). Rodrigues (2013) analisa os processos inferenciais de TILS de diferentes perfis linguísticos e, finalmente, Fonseca (2015), que examina o efeito de interferência semântica no acesso lexical realizado por TILS.

Diante dos estudos aqui revisados, percebemos que a interpretação simultânea é uma tarefa cognitiva complexa, com uma alta demanda cognitiva, como defendida por Gile (1991), Cowan (2000); Dar & Fabbro (1994); Hulme (2000); Frauenfelder & Schriefers (1997); Moser- Mercer (2000) e Pöchhacker (2004).

Assim, acreditamos que a existência de diferenças individuais na capacidade de Memória de Trabalho possa explicar diferenças no desempenho de intérpretes expertos quanto à produção de Semelhança Interpretativa mesmo num grupo de TILS expertos. No próximo capítulo, apresentamos o Método utilizado para a realização deste estudo.