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A interpretação tradicional e um novo problema

2.2 A situação brasileira: subdesenvolvimento histórico

2.2.2 Segunda fase: movimentos cíclicos

2.2.2.1 A interpretação tradicional e um novo problema

Decerto a defesa do território brasileiro demandava um custo considerável para Portugal em meados do século XVI. Em razão disso, e considerando o fato de não se ter encontrado metais preciosos que pudessem ser explorados, tornou-se essencial encontrar um modo diferente de utilização econômica daquela vasta região. Desta feita, iniciou-se a exploração agrícola das terras brasileiras.

Era tanta terra que seria possível explorá-la em grandes propriedades. Havia décadas que Portugal produzia, nas ilhas do Atlântico, uma das especiarias mais valiosas do mercado europeu: o açúcar. Possuía, portanto, experiência técnica nesse setor: já se desenvolvia uma indústria portuguesa de equipamentos para engenhos açucareiros.

O mercado do açúcar, contudo, era dominado pelos italianos, os quais, antes da entrada dos portugueses no negócio, detinham monopólio sobre as fontes de produção. Era, portanto, uma oportunidade interessante o investimento na produção de açúcar no Brasil.

Tanto que desde o início os maiores comerciantes da época, os holandeses, associaram-se com os portugueses nessa empreitada, tanto com sua experiência comercial quanto com capitais para financiamento, inclusive para importação de mão-de-obra escrava73.

Essa reunião de experiências e fatores foi essencial para o êxito da grande empresa agrícola açucareira no Brasil, favorecido pela decadência política e econômica da Espanha na mesma época.

Em linhas gerais, isso explica o primeiro ciclo econômico brasileiro: a produção de açúcar. O conceito de ciclos econômicos, em nossa história, refere-se aos movimentos de expansão e declínio de determinadas atividades como a produção de açúcar, a extração de ouro e a empresa cafeeira. Eram produtos primários, de baixo valor agregado, sempre voltados a enaltecer a acumulação capitalista europeia.

A produção de açúcar foi o eixo da economia colonial do século XVI até quase o fim do século XVIII, quando houve o desmoronamento completo dessa realidade. Ressalte-se que os abalos à estrutura açucareira já vinham acontecendo antes disso: no século XVII, com a absorção de Portugal pela Espanha, houve confrontos com a Holanda, que culminaram com invasões holandesas ao território brasileiro e o fim daquela festejada aliança comercial.

Com isso, os holandeses passaram a verificar, in loco, todos os aspectos da produção cotidiana do açúcar nos engenhos brasileiros, adquirindo conhecimento suficiente para implantar uma indústria concorrente no Caribe e dando início ao fim do ciclo do açúcar no Brasil, ainda que isso demorasse mais de um século para acontecer.

O declínio evidente do milagre econômico decorrente do açúcar fez com que, em Portugal, os olhos se voltassem para o antigo objetivo de descobrir metais preciosos. Já era notícia corrente que havia metais no interior do território brasileiro. Faltavam, porém, conhecimentos técnicos para tornar a exploração um intuito economicamente viável, os quais foram proporcionados pela metrópole74. Já na primeira metade do século XVIII, iniciava-se o ciclo da mineração. Mudou o foco, mas não a finalidade: o pacto colonial ainda existia.

A grande empresa açucareira e a mineração têm algo muito próprio em comum. Para Caio Prado Jr., “ambas se destinam à exploração de produtos que têm por objeto unicamente a exportação, em função da qual se organiza e mantém a exploração; são atividades que se

desenvolvem à margem das necessidades próprias da sociedade brasileira”75

.

73 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34ª. ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2007, pp.

33-34.

74

Ibidem, p. 118.

75 PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil contemporâneo - colônia. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.

A máxima produtividade das minas se deu em meados do século XVIII. E o alvorecer do século XIX viu a ruína daquela indústria mineradora, por vários fatores76.

A riqueza das minas teve dois destinos: primeiro a Inglaterra, cujos cofres receberam os pagamentos do déficit comercial português; e depois Portugal, que sustentou com ela os gastos de sua corte e nobreza, além de edificações de palácios, monumentos, igrejas, mosteiros e também para reconstrução de Lisboa, arrasada com o terremoto de 177577.

Houve então um grande período de decadência econômica, ainda que a agricultura tenha renascido, mediante a cultura e exportação de algodão, açúcar, arroz, anil, cacau e café78. Esse período foi crucial para que se formasse, no Brasil, uma economia de subsistência aliada a um exército de mão de obra subempregada. A análise da obra de Celso Furtado “sugere mesmo que, se o surto cafeeiro tivesse se iniciado no momento em que a mineração entrava em decadência, em fins do século XVIII, a economia brasileira teria conseguido evitar o atraso relativo e o próprio subdesenvolvimento”79.

Em razão desse atraso, o Brasil não conseguiu integrar-se nas correntes que se expandiam no comércio mundial durante aquele momento de rápida transformação das estruturas econômicas dos países mais avançados, razão pela qual “criaram-se profundas dissimilitudes entre seu sistema econômico e os daqueles países”80.

O café desenvolveu-se na região montanhosa próxima da capital do país. Ali, mão de obra escrava era excedente, em razão justamente do declínio da mineração. E, com o fim do tráfico de escravos e, depois, da própria escravidão, a questão não gerou crise pois houve sua substituição por mão de obra imigrante, graças a fortes posicionamentos políticos. A relativa pouca distância estava também a região portuária, o que facilitava o problema do transporte da produção. Os produtores de café eram ricos comerciantes, pessoas experientes, portanto, na arte de negociar. Uma nova classe dirigente se formava, então, lutando nas seguintes frentes, concomitantemente: “aquisição de terras, recrutamento de mão-de-obra, organização e direção da produção, transporte interno, comercialização nos portos, contatos oficiais, interferência na política financeira e econômica”81.

76

Ibidem, pp. 234-245.

77 BRUM, Argemiro J. O desenvolvimento econômico brasileiro. 24ª. ed., Petrópolis: Vozes, 2005, p. 137. 78 LACERDA, Antônio Corrêa de; BOCCHI, João Ildebrando; REGO, José Márcio; BORGES, Maria Angélica;

MARQUES, Rosa Maria. Economia brasileira. 4ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 30.

79

BIELSCHOWSKY, Ricado. Formação econômica do Brasil: uma obra-prima do estruturalismo cepalino. In: MACAMBIRA, Junior; VIANNA, Salvador Teixeira Werneck; ARAÚJO, Tarcísio Patrício de. 50 anos de Formação Econômica do Brasil: ensaios sobre a obra clássica de Celso Furtado. Rio de Janeiro: Ipea, 2009, p. 61.

80 FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 34ª. ed., São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 216. 81 Ibidem, p. 172.

Assim, diante da demanda externa em expansão82 e do apoio do governo central, a empresa cafeeira tornou-se de certo modo economicamente dominante a ponto de constituir o terceiro ciclo econômico de nossa história, com as mesmas características, contudo, dos anteriores.

Esse terceiro ciclo se caracterizou pelas forças sócio-políticas que o sustentaram. Em 1906, por exemplo, ocorreu uma explícita política de valorização do café83 (o Convênio de Taubaté), a qual funcionou com eficiência até a crise mundial de 1929. Nesse ano, apresentou-se um gigantesco desequilíbrio estrutural entre oferta – que aumentava anualmente – e procura – estagnada há muitos anos. A produção excessiva, então, gerou estoques acumulados. A crise provocou a fuga em massa de capitais do país: as reservas financeiras evaporaram. Certamente a questão econômica de fundo não é tão singela84: o fulcro da simplificação é demonstrar quão volátil era a economia brasileira até então, extremamente vulnerável ao que ocorria externamente.