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Quarta fase: financeirização

2.2 A situação brasileira: subdesenvolvimento histórico

2.2.4 Quarta fase: financeirização

Os choques provocados pela crise do petróleo abalaram as estruturas da economia mundial. Bretton Woods foi relegado ao passado em 1976, ocasião em que houve a substituição oficial da paridade fixa pela adoção de um sistema de taxas de câmbio flutuantes113, embora desde 1971 o governo norte-americano de Nixon já houvesse rompido o vínculo do dólar com o ouro114; suas instituições, porém, continuaram funcionando a todo vapor.

Essa ruptura provocou a desvalorização do dólar, cuja alta demasiada estava gerando déficits comerciais para os Estados Unidos, proporcionando instabilidades e quedas nos preços de muitas commodities, inclusive provocando um desacerto no preço do petróleo naquela moeda115. Daí o choque do petróleo havido em 1973, caracterizado como uma resposta árabe àquela situação instável: reduziu-se a produção em tempos de alta demanda, fazendo com que o preço do barril aumentasse 400% em três meses.

Em 1979 houve o segundo choque do petróleo, agravando aquela crise. Dessa vez o preço do barril elevou-se em mais de 1000%, em decorrência da crise política no Irã, o qual paralisou sua produção de petróleo naquele ano.

A desvalorização do dólar provocou a alta dos juros nos Estados Unidos, que saltaram de 4% para 14% no governo de Jimmy Carter (1977-1981) e depois a 21% no governo de Ronald Reagan (1981-1989). O efeito dessa escalada dos juros na poupança mundial foram catastróficos. As economias dos países latino-americanos, por exemplo, quebraram. O dólar se valorizou novamente, mas o custo foi uma recessão mundial. Os países do terceiro mundo sentiram as consequências, a saber: “a duplicação da dívida externa e a inversão do fluxo de recursos com uma sangria significativa exigida pelos serviços desta dívida, a redução do

113 SOUSA, Fernando José Pires de. Percalços da América Latina: de Bretton Woods à atual crise financeira

global. In: SOUSA, Fernando José Pires de (org.). Poder e políticas públicas na América Latina. Fortaleza: Edições UFC, 2010, p. 30.

114 PAULANI, Leda Maria. A hegemonia neoliberal. In: LACERDA, Antonio Correa de; PAULANI, Leda;

PRADO, Luiz Carlos Thadeu Delorme; POCHMANN, Márcio; BIELSCHOWSKY, Ricardo; BACELAR, Tania. O desenvolvimento econômico brasileiro e a Caixa: palestras. Rio de Janeiro: Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento; Caixa Econômica Federal, 2011, p. 38.

preço das commodities e a deterioração dos termos de troca dos países exportadores de matéria-prima”116.

O Brasil, por sua vez, não se recuperaria dessas crises pelos vinte anos que se seguiram. Em resposta à crise de 1973, elaborou-se o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) no governo Geisel, entre 1975 e 1979, também financiado com empréstimos externos, num último esforço junto às instituições criadas em Bretton Woods.

O II PND foi extenso e articulado: buscava uma transformação estrutural, propondo uma “fuga para a frente”. Assumia o risco de aumentar a dívida externa e os déficits comerciais apostando na construção de uma estrutura industrial avançada e apta a superar a crise e o subdesenvolvimento ao mesmo tempo117.

Para realizar o que se propunha, o governo brasileiro apostou nas grandes empresas estatais (como Petrobrás, Eletrobrás e Embratel), as quais financiariam, com fundos públicos, grandes empresas de bens de capital do setor privado nacional. No entanto, o governo determinou que as estatais só obtivessem crédito no sistema financeiro externo, impedindo- lhes o acesso ao crédito interno. Por conseguinte, esses ativos tornaram o Brasil o mercado ideal para o sistema financeiro internacional, sobrecarregado com os excedentes dos países exportadores de petróleo (os chamados petrodólares), os quais terminaram por gerar uma grande liquidez internacional que reduziu os demandantes de crédito. Logo, nosso país tornou-se um dos únicos tomadores de recursos desse sistema118 comandado pela lógica da valorização financeira.

Em verdade, transformou-se numa das maiores vítimas dessa financeirização, especialmente com as consequências advindas da segunda crise do petróleo, em 1979, e do choque dos juros, no mesmo ano119. A inflação não parou de subir, só tendo sua questão resolvida em 1994, com o Plano Real. De acordo com Leda Paulani,

Junto com isso, o país se viu enredado na crise da dívida externa, uma vez que não conseguia gerar por suas próprias forças os recursos em moeda forte necessários para enfrentar a nova alta dos preços do petróleo e a quadruplicação do valor dos

116 SOUSA, Fernando José Pires de. Percalços da América Latina: de Bretton Woods à atual crise financeira

global. In: SOUSA, Fernando José Pires de (org.). Poder e políticas públicas na América Latina. Fortaleza: Edições UFC, 2010, p. 36.

117 LACERDA, Antônio Corrêa de; BOCCHI, João Ildebrando; REGO, José Márcio; BORGES, Maria Angélica;

MARQUES, Rosa Maria. Economia brasileira. 4ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, p. 111.

118

Ibidem, p. 112.

119

Vale destacar que o sucesso ou o insucesso do II PND é um debate aberto entre os economistas brasileiros. Isso porque houve um considerável superávit comercial entre 1983 e 1984 considerado, por alguns, consequência direta daquele plano, o qual, por sua complexidade, exigiu longo prazo de maturação para apresentar resultados visíveis. Contudo, essa versão passa longe de qualquer unanimidade. Sobre o tema, cf. LACERDA, Antônio Corrêa de; BOCCHI, João Ildebrando; REGO, José Márcio; BORGES, Maria Angélica; MARQUES, Rosa Maria. Economia brasileira. 4ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 112-116.

serviços da dívida externa. Em 1987, na esteira da falência do primeiro plano de estabilização, o Brasil entra em moratória. Mesmo com ela, entre 1979 e 1990, o país paga aos credores externos US$ 140 bilhões a título de juros, mais US$ 180 bilhões em amortizações. Nessa quarta fase de sua relação com a economia capitalista mundial, o Brasil era o retrato de uma economia periférica já industrializada, vitimada pela marcha acelerada da financeirização do capitalismo em nível mundial120.

Esse cenário foi repetido em todos os países latino-americanos e em um sem número de outros terceiro mundo afora. Assim, em 1989, reuniram-se, em Washington, nos Estados Unidos, economistas das instituições financeiras mais importantes do mundo, a exemplo do FMI e do Banco Mundial, para debater como os países menos desenvolvidos poderiam resgatar suas trajetórias rumo ao desenvolvimento.

Estabelecia-se o Consenso de Washington cuja mira principal voltava-se exatamente para a América Latina. Chegava a hora de colocar em prática velhas ideias neoliberais.