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3. Introdução

3.5. A Intervenção em Desenvolvimento Infantil

A forma como uma sociedade lida com a infância está diretamente associada à concepção que tem do que significa ser criança, concepção essa que vem sendo forjada historicamente.

A ciência mostra que o período que vai da gestação até o sexto ano de vida, particularmente do nascimento aos três anos, é o mais importante na preparação das bases das competências e das habilidades no curso de toda a vida humana. (UNESCO, 2003)

Há ainda divergências quanto à importância relativa dada à natureza, isto é, os traços e as características inatos, herdados dos pais biológicos, e à experiência, isto é, as influências ambientais, tanto antes como depois do nascimento, incluindo as influências da família, dos amigos, da escola, do bairro, da sociedade e da cultura (Papalia, 2006).

A concepção que prevalece em grande parte de nossa sociedade, ainda hoje, é a de que o único cuidado capaz de prover condições de estimulação adequadas ao desenvolvimento do bebê é aquele provido pela mãe no contexto da família. Contextos de desenvolvimento diversos, como o cuidado oferecido em creche, são aceitáveis apenas nos casos em que a mãe ou a família não tem condições de criar o filho em casa. No entanto, essa visão vem sendo contestada, especialmente a partir de estudos que procuram demonstrar de que maneira ela se encontra influenciada por práticas, concepções e valores sociais, constituídos historicamente. Em alguns grupos sociais, por exemplo, este cuidado é compartilhado com crianças mais velhas, adolescentes e adultos, com ou sem grau de parentesco, colaborando nesta tarefa. Em outros, como na sociedade ocidental capitalista, predomina o modelo de família nuclear, com uma freqüência cada vez maior de mães e/ou pais solteiros ou descasados, famílias agregadas com filhos de diferentes casamentos, famílias com filhos adotivos, famílias de homossexuais, dentre outros (Rossetti-Ferreira et al, 1994).

A pergunta essencial para os pesquisadores desta área, segundo Bee (2003), é relativa ao possível efeito do cuidado não-parental sobre os bebês e crianças pequenas. Esta questão não é fácil de ser respondida, visto que existe uma grande variedade de diferentes arranjos sob o título de “creche”. Além disso, as crianças entram nesses arranjos de atendimento em idades diferentes e permanecem neles por períodos variados de tempo. Algumas crianças têm a

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mesma responsável substituta por muitos anos, enquanto outras mudam freqüentemente de um ambiente para outro. As creches também variam muito em qualidade e as famílias destas crianças são diferentes, de várias maneiras, daquelas que mantêm os filhos sobretudo em casa. Muitas das pesquisas sobre desenvolvimento de crianças que freqüentam creches não levam em conta essa complexidade. Especialmente os estudos mais antigos que comparavam crianças “de creche” com as “crianças em casa” e atribuíam quaisquer diferenças entre elas à experiência de creche.

Segundo Bee (2003), há evidências de que creches de boa qualidade, cognitivamente enriquecidas, têm efeitos benéficos sobre o desenvolvimento cognitivo global da criança, como mostram os resultados de um grande estudo realizado sobre assistência infantil precoce, patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano (National Institute of Child Health and Human Development – NICHD). Os resultados deste estudo, até agora, mostram que a quantidade e a qualidade da assistência que as crianças recebem, bem como o tipo e a estabilidade da assistência, influenciam diversos aspectos do desenvolvimento – emocional, social e cognitivo. Entretanto, características da família, como renda e nível de escolaridade da mãe, prevêem fortemente os resultados de desenvolvimento, independentemente do número de horas diárias que as crianças estejam recebendo assistência.

Até os anos 80, segundo Lordelo et al (2007), os estudos realizados sugeriam pouco ou nenhum efeito positivo ou negativo no desenvolvimento cognitivo e algumas diferenças consistentes no comportamento social. Deste modo, as crianças criadas em creche tendiam a ser mais orientadas para os pares do que para os adultos, apresentando algumas características sociais avaliadas como negativas, como agressividade por exemplo. Já nos anos 90 emergiu uma tendência a considerar que a experiência da creche seria ou não favorecedora do desenvolvimento infantil a depender de sua qualidade, em interação com a qualidade do ambiente familiar e do nível sócio-econômico da família. Deste modo, crianças de ambientes

pobres que experimentavam uma creche de alta qualidade mostrariam resultados desenvolvimentais melhores, em comparação com aquelas freqüentando creches de baixa qualidade.

No Brasil, Lordelo et al (2007), aponta alguns importantes estudos sobre efeitos da experiência de creche no desenvolvimento da criança, como o trabalho de Rubiano (1992) e Rubiano e Rossetti-Ferreira (1985), que investigaram as condições do serviço oferecido, em creches públicas, em cidade do interior do estado de São Paulo. Estas pesquisadoras constataram que, apesar das creches serem deficientes em várias características relevantes que constituem critérios para avaliar sua qualidade, as crianças não apresentavam problemas cognitivos ou comportamentais importantes, com exceção da área da linguagem, em que foi observado um pequeno atraso, que não pôde ser atribuído à experiência da creche, visto que o estudo não dispunha de uma amostra do mesmo nível sócio-econômico vivendo em condição ambiental diferente.

Segundo esta autora, parece haver uma tendência a apontar poucas diferenças em desenvolvimento cognitivo entre crianças criadas em creches ou em casa, se as creches não são de alta qualidade. Na maioria dos estudos realizados nesta área deve ser ressaltada a limitação de alcance dos resultados, seu escopo e as condições contextuais, de modo que as conclusões devem ser entendidas como restritas a esses parâmetros. Essa cautela interpretativa sobre as evidências das pesquisas é especialmente importante quando se sabe que as propriedades dos ambientes são dinâmicas, com diferentes significados, conforme as relações entre seus elementos. Enquanto a experiência de creche pode ser significativa em produzir resultados desenvolvimentais diferenciados num bairro e em um tipo de família, ela pode ser inócua ou gerar resultados opostos em outro contexto.

Talvez o fator crítico, segundo Bee (2003), seja a discrepância entre o nível de estimulação que a criança receberia em casa e a qualidade da creche que ela freqüenta.

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Quando o ambiente específico da creche de uma criança oferece maior enriquecimento do que ela receberia em casa, são observados alguns efeitos cognitivos benéficos para ela. Por outro lado, quando esse ambiente é menos estimulador do que o atendimento que ela receberia em casa, a freqüência a creche pode ter efeitos cognitivos negativos. No entanto, não há amplos e bons estudos para afirmar que esta é a maneira correta de conceitualizar o processo do desenvolvimento paralelo a vivência da creche.

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