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A introdução de “O Vento” tecida em outras canções

1. AS CORDAS CAYMMIANAS DE “O VENTO”

1.2. A introdução de “O Vento” tecida em outras canções

Seguindo a ordem das canções no LP Caymmi e Seu Violão, “O Vento” é a sétima faixa. Curiosamente a sua introdução é citada em mais duas canções no álbum: na faixa 10 com “A Lenda do Abaeté” – mesmo que de forma sutil e breve - e na última faixa, número 12, com “Noite de Temporal48” – citada de modo bem direto em duas passagens.

A canção “A Lenda do Abaeté” está na tonalidade de Mi menor. O trecho inicial de “O Vento” é citado ou simplesmente sugerido pela audição em uma única ligeira ocasião do fonograma. O acontecimento é visto sobre o acorde de Mi menor depois da repetição do verso ô de areia branca/ como ponte para a entrada da estrofe de manhã cedo/ se uma lavadeira/.../, com o andamento de 93 bpm (mínima) a tempo, sucedido de rallentando no final.

Figura 42 - Transcrição do fonograma “A Lenda do Abaeté” de 1959 em 00'28'' – 00'34''

O que nos faz perceber a presença do trecho da introdução de “O Vento” nessa passagem de “A Lenda do Abaeté” são as figuras melódicas da voz superior do violão, apesar de serem realizadas com pequenas diferenças melódicas e com outro padrão rítmico. As divergências se evidenciam na primeira figura melódica com a omissão da segunda nota – Dó – e a troca da terceira nota da segunda figura melódica - nota Dó pela nota Si - que é reiterada duas vezes. Podemos observar as similaridade e diferenças a seguir, onde destacamos a cor vermelha (figura melódica 1) e a cor azul (figura melódica 2) e marcamos com uma seta o ponto da troca da nota da segunda figura.

48 No LP gravado ao vivo com o formato solo Caymmi – Setenta Anos, lançado em 1984, a canção “Noite de Temporal”

é seguida da canção “O Vento”. O repertório do álbum é dividido em temáticas que abarcam a obra de Caymmi. O bloco que segue as duas canções no álbum é nomeado de “a força dos elementos”. Em um especial da TV Tupi chamado “Mais cor em sua vida”, de 1972, Caymmi canta “O Vento” seguido de “Noite de Temporal” com a citação do dedilhado da abertura de “O Vento”. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=IKKo-sUGuVs> Acesso em abril de 2017.

Figura 43 - Figuras melódicas da voz superior do violão da introdução de “O Vento” em uma breve ponte de “A Lenda do Abaeté” de 1959

“Noite de Temporal’’ também está na tonalidade de Mi menor. A citação da abertura de “O Vento” sobre o acorde do primeiro grau ocorre em três ocorrências que são repetidas no fonograma, o que será detalhado a seguir de forma mais clara. A referência da abertura de “O Vento” é muito explícita nos segundos e terceiros pontos, sendo de tal maneira que podemos afirmar e sustentar que esses casos são uma citação direta da abertura de “O Vento”, e não uma mera sugestão do dedilhado, como pode ser encarado o primeiro caso dessa última faixa do LP e a passagem já vista de “A Lenda do Abaeté”.

A forma da canção “Noite de Temporal” é constituída de duas partes: o refrão (é noite/

é noite/ é lamba ê/ é lambaio/) e uma estrofe que é apresentada duas vezes, cada momento com uma

letra diferente sobre os mesmos elementos musicais. A primeira ocorrência da citação de “O Vento” acontece nas duas pontes entre o refrão (é lamba ê/ é lambaio/) e a estrofe que segue primeiro com o verso pescador, não vá pra pesca/ e depois com o pescador, se vai pra pesca/. Relembramos que essa citação é mais sutil.

Sobre essas duas pontes para as entradas das estrofes de “Noite de Temporal” são citadas as duas primeiras figuras melódicas da linha superior do dedilhado com algumas modificações. Na primeira figura melódica a ordem das notas é invertida e com a nota Dó elevada de meio-tom – sexta maior –, assim temos Dó#-Si no lugar de Si-Dó. Na segunda figura melódica a única diferença é na nota Dó também com a alteração do sustenido. A maneira como o dedilhado é preenchido – semicolcheias e colcheias – é muito parecida com vários dos trechos do que aconteceu em “O Vento” de sua abertura com as mesmas notas (tríade de Mi menor). A própria linha do baixo auxilia nessa conexão entre as partes, principalmente com a nota Si da região grave tocada

concomitantemente com a nota Fá# aguda (primeira nota da segunda figura melódica). A seguir temos a transcrição das duas pontes e da comparação dessas com as figuras melódicas com o destaque das cores vermelha (figura melódica 1) e azul (figura melódica 2) e setas indicando as convergências.

Figura 44 - Transcrição do fonograma “Noite de Temporal” de 1959 em 00'44'' – 00'52'' (Primeira ponte entre refrão- estrofe)

Figura 45 - Figuras melódicas da voz superior do violão da introdução de “O Vento” na primeira ponte entre refrão- estrofe de “Noite de Temporal” de 1959

Figura 46 - Transcrição do fonograma “Noite de Temporal” de 1959 em 02'06'' – 02'12'' (Segunda ponte entre refrão- estrofe)

Figura 47 - Figuras melódicas da voz superior do violão da introdução de “O Vento” na segunda ponte entre refrão- estrofe de “Noite de Temporal” de 1959

As outras duas citações em “Noite de Temporal” são muito claras e diretas em relação ao trecho da abertura de “O Vento” e se dão nas duas estrofes da canção. Uma ocorrência é entre o segundo e terceiro verso das duas estrofes: depois de pescador, não vá pescar/ da primeira estrofe e depois de na noite de temporá/ da segunda estrofe. A última ocorrência é no final do quarto verso – que é noite de temporá/ da primeira estrofe - e esperando ele vortá/ da segunda estrofe - antes da entrada da repetição dos dois últimos versos. Indicamos com a seta a entrada das citações para uma melhor visualização.

Figura 48 - Estrofes da canção “Noite de Temporal”. Indicamos com setas os momentos das citações diretas da abertura de “O Vento”

A citação de “O Vento” no final do terceiro verso da primeira estrofe traz uma ocorrência de cada uma das três figuras melódicas da voz superior do violão. Os outros elementos do dedilhado são apresentados de forma quase idêntica como detalhamos em vários trechos da introdução de “O vento” na análise musical do acompanhamento. Uma novidade do trecho é a tercina de semicolcheias do primeiro tempo da segunda figura melódica, onde a nota Fá# que inicia o trecho é tocada e sucedida de uma ligadura da mão esquerda para nota Mi – primeira corda solta – e esta seguida para nota Dó – segunda corda.

Figura 49 - Transcrição do fonograma “Noite de Temporal” de 1959 em 00'57'' – 01'04''

Destacamos com as cores vermelha (figura melódica 1), azul (figura melódica 2) e verde (figura melódica 3) a voz superior na partitura a seguir.

Figura 50 - Citação direta do violão da introdução de “O Vento” no final do terceiro verso da primeira estrofe de “Noite de Temporal” de 1959 em 00'57'' – 01'04''

A ocorrência do final do quarto verso da primeira estrofe também traz uma aparição de cada figura melódica da voz superior do violão – destacadas com as mesmas cores abaixo. Esse trecho traz uma novidade que não foi vista na canção “O Vento” que é o uso da tensão de nona maior na quarta casa da quarta corda no preenchimento harmônico/rítmico nesse dedilhado. Isso pode ser visualizado na transcrição a seguir, nos compassos 68 e 69, nas duas últimas semicolcheias, onde as notas são ligadas por uma ligadura da mão esquerda – assinalados com um círculo.

Figura 51 - Citação direta do violão da introdução de “O Vento” no final do quarto verso da primeira estrofe de “Noite de Temporal” de 1959 em 01'06'' – 01'12''

A citação do final do terceiro verso da segunda estrofe traz a tensão de nona maior no preenchimento com e sem a ligadura da mão esquerda. Já a citação do final do quarto verso da segunda estrofe não traz a terceira figura melódica da voz superior do violão. Não há mais nenhuma novidade nessas duas menções de “O Vento” em “Noite de Temporal”. As passagens seguem abaixo

nas partituras com a mesma maneira de destacar os elementos musicais mencionados nos outros exemplos acima.

Figura 52 - Citação direta do violão da introdução de “O Vento” no final do terceiro verso da segunda estrofe de “Noite de Temporal” de 1959 em 02'17'' – 02'23''

Figura 53 - Citação direta do violão da introdução de “O Vento” no final do quarto verso da segunda estrofe de “Noite de Temporal” de 1959 em 02'25'' – 02'30''