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2. O SAMBA DAS CANÇÕES PRAIEIRAS

2.2. O toque da “raspada só” de Caymmi

2.2.3. O samba em “O Mar”

A sexta faixa do LP Caymmi e Seu Violão – “O Mar” – também traz o toque da “raspada só” no acompanhamento em samba sobre cinco estrofes que são apresentadas depois do trecho inicial da canção (o mar quando quebra na praia/ é bonito/ é bonito/). O que acontece no violão é o mesmo que vimos em o samba de “A Jangada Voltou Só”: uma linha do baixo em semínimas seguida de três semicolcheias do preenchimento rítmico. A tonalidade da canção é a de Mi maior em métrica binária.

O toque da “raspada só” começa sobre o canto do fim do verso é bonito/ da sessão inicial da canção. Nesse começo do samba o acompanhamento traz o acorde de Mi maior com o intervalo de sexta maior na ponta aguda – segunda casa da segunda corda - e sua linha do baixo toca as notas Mi e Si. Verificamos (nos compassos 47 ao 53) que há uma acentuação na quarta semicolcheia do primeiro tempo e na terceira semicolcheia do segundo tempo na figura rítmica que é executada pelo dedo indicador. O andamento começa com a semínima valendo 100 bpm – quando acontecer oscilações, serão colocadas no começo de cada estrofe transcrita.

O acorde do primeiro grau continua sobre toda a primeira estrofe - Pedro vivia da pesca/

saía no barco seis horas da tarde/ só vinha na hora do sol raiá/ - idêntico ao começo da sessão,

porém sem a acentuação e apenas em um momento a linha do baixo toca duas vezes a nota Si (compasso 55). No fim dessa estrofe, sobre o canto da última sílaba da palavra ‘raiá’, a harmonia caminha para o acorde do segundo grau – Fá# menor com o intervalo de sexta maior: a linha do baixo toca as notas Fá#-Ré#-Si-Lá e o preenchimento é pelo intervalo harmônico de terça maior (Lá-Dó#). Segue a transcrição dessa primeira estrofe.

A segunda estrofe - todos gostavam de Pedro/ e mais do que todos/ Rosinha de Chica/

a mais bonitinha/ e mais bem feitinha/ de todas mocinha lá do arraiá/ - acontece com o

acompanhamento ainda no segundo grau menor como já ocorria antes de sua entrada. Esse acorde também pode ser encarado como a tétrade do quinto grau com a tensão de nona maior (tétrade de Si maior com tensão de nona maior com o intervalo de quinta justa no baixo). Isso ocorre devido ao fato que os dois acordes possuem as mesmas notas. No final dessa estrofe, harmonia volta para o acorde do primeiro grau: com os mesmos elementos do começo dessa sessão em samba vistos na página anterior.

A terceira estrofe - Pedro saiu no seu barco/ seis horas da tarde/ passou toda noite/ não

veio na hora/ do sol raiá/ - começa sobre o acorde do primeiro grau com a linha do baixo tocando

o novo intervalo de sétima maior – nota Ré#. Sobre o fim do último verso, a harmonia caminha para o segundo grau menor onde a linha do baixo toca o intervalo de sétima menor – nota Mi – também antes não visto. Segue a transcrição dessa estrofe com os dois novos intervalos destacados.

Figura 114 - Transcrição do fonograma “O Mar” de 1959 em 01'56'' – 02'06''

A quarta estrofe - deram com o corpo de Pedro/ jogado na praia/ roído de peixe/ sem

barco, sem nada/ num canto bem longe/ lá do arraiá/ - segue com a tétrade do quinto grau – Si

maior com a tensão de nona maior e com a quinta justa no baixo – como se deu no acompanhamento durante a segunda estrofe. No final dessa passagem o acorde do primeiro grau retorna com intervalo de sexta maior na ponta aguda e com as mesmas acentuações vistas no começo da sessão.

Figura 115 - Transcrição do fonograma “O Mar” de 1959 em 02'06'' – 02'17''

O acompanhamento da quinta estrofe - pobre Rosinha de Chica/ que era bonita/ agora

parece que endoideceu/ vive na beira da praia/ olhando pras ondas/ andando...rondando/ dizendo baixinho:/ - morreu...morreu/ - morreu, oh.../ - não se dá com o toque da “raspada só” a partir do

canto da palavra ‘ondas’ do seu quinto verso. No início dessa última estrofe é visto o acorde do primeiro grau com o intervalo de sétima maior na linha do baixo como foi na terceira estrofe. Sobre o final do canto da palavra ‘endoideceu’ do terceiro verso, a harmonia caminha para o segundo grau – Fá# menor com o intervalo de sétima menor na linha do baixo. Com a entrada do verso vive na

beira da praia/, há o aparecimento do quinto grau como se deu na segunda e quarta estrofes. Nesse

ponto o preenchimento executado pelo dedo indicador passa a ser na segunda e quarta semicolcheia de cada tempo até o canto da palavra ‘ondas’ – aqui é iniciado o tempo rubato que segue a canção sem o toque da “raspada só” no acompanhamento.

Figura 116 - Transcrição do fonograma “O Mar” de 1959 em 02'17'' – 02'30''

O primeiro fonograma solo da canção é do LP de 1954 Canções Praieiras. O acompanhamento dessa sessão em samba é o mesmo que vimos acima em 1959. Apenas há algumas

pequenas mudanças: a linha do baixo sobre o acorde do primeiro grau sempre traz o intervalo de sétima maior quando é iniciado o canto; e em dois momentos - segunda e quarta estrofes - a linha do baixo começa com a terça maior da tétrade do quinto grau no lugar de começar com a quinta justa como se deu no violão de 1959. Segue a transcrição desses dois trechos de 1954 sobre a tétrade de Si maior com a tensão de nona maior – passagens que possuem as linhas de baixo diferentes das vistas em 1959. (O ponto da afinação do acompanhamento pode ser verificado na figura 100).