• Nenhum resultado encontrado

Vento que dá na vela – o acorde de Mi menor com o cromatismo na voz superior

1. AS CORDAS CAYMMIANAS DE “O VENTO”

1.3. Vento que dá na vela – o acorde de Mi menor com o cromatismo na voz superior

O que ocorre no acompanhamento da parte B (vento que dá na vela/.../) de “O Vento” é revisto em mais duas canções do álbum Caymmi e Seu Violão. Uma delas é na faixa “A Lenda do Abaeté”. O dedilhado do acorde de Mi menor com o cromatismo na voz superior com o movimento ascendente e descendente com intervalos de quinta justa, sexta menor (quinta aumentada), sexta maior - realizados na segunda corda do violão – acontece com o aparecimento do intervalo de sétima menor49 – nota Ré – e por conta do cromatismo o de sétima diminuta - nota Réb – compondo a melodia cromática: Si-Dó-Dó#-Ré-Réb-Dó-Si. O trecho é visto sobre as duas ocorrências da primeira estrofe (ou podemos chamar de refrão) da canção: no Abaeté tem uma lagoa escura/

Arrodeada de areia branca/ Ô de areia branca/ Ô de areia branca/. A única diferença do trecho

em relação ao de “O Vento”, além do novo intervalo de sétima na melodia da voz superior, é o preenchimento rítmico/harmônico do dedilhado que é realizado por três semicolcheias com notas da tríade de Mi menor no lugar de uma pausa de colcheia seguida do intervalo harmônico de terça menor – Mi e Sol – na colcheia restante. Esse preenchimento não se mostra assim em apenas um compasso da segunda ocorrência do refrão no qual acontece uma quiáltera de cinco notas com três dessas notas na nota Mi da linha do baixo (compasso 85). Seguem as transcrições dos dois trechos mencionados de “A Lenda do Abaeté” com o destaque da melodia cromática em vermelho.

49 Esse intervalo de sétima na melodia da voz superior do dedilhado ocorre no acompanhamento da parte B de “O

Figura 55 - Transcrição do fonograma “A Lenda do Abaeté” de 1959 em 02'03'' – 02'16''

Essa passagem do caminho cromático da voz superior também ocorre em “A Lenda do Abaeté” brevemente no final do último verso da segunda e terceira estrofes da canção, respectivamente, depois dos versos ô do batucajé-é/ e ô do Abaeté-é/. Nesse caso o cromatismo é evidenciado em apenas dois compassos do trecho com a melodia Dó-Dó#Dó-Si – a mesma da linha superior da parte B de “O Vento” – com o preenchimento das notas da tríade de Mi menor por semicolcheias ou colcheias tercinadas. A seguir temos a transcrição dos dois trechos da canção também com o destaque do cromatismo em vermelho.

Figura 57 - Transcrição do fonograma “A Lenda do Abaeté” de 1959 em 01'05'' – 01'17''

Essas duas últimas passagens acima também podem ser comparadas com a segunda volta da modulação de meio-tom de “O Vento”. A seguir temos as partituras dos trechos das duas canções com o de “A Lenda do Abaeté” na segunda pauta. Os trechos acontecem de maneira muito similar. As diferenças são no primeiro tempo – um trecho com o arpejo ascendente e outro com descendente –, nas trocas das figuras rítmicas do segundo tempo – um trecho com colcheia de tercinas seguida de semicolcheias e o outro com essas mesmas figuras, porém, invertidas -, e no desfecho melódico do dedilhado – um com a nota Si e outro com a nota Mi.

Figura 58 - Segunda volta da modulação de “O Vento” e final das duas estrofes de “A Lenda do Abaeté de 1959”

Essa passagem do acorde de Mi menor com o cromatismo em sua voz superior é ainda vista em uma última ocorrência de “A Lenda do Abaeté”, no final de uma terceira parte canção que se inicia com o verso a noite tá que é um dia/. O trecho acontece sobre o verso cantado a lua se

namorando/ com a melodia cromática começando da nota Dó e com uma diferença no final da linha:

a nota Dó - já como terça menor do quarto grau menor. Dessa maneira a melodia composta é Dó- Dó#-Ré-Réb-Ré-Dó.

Figura 59 - Transcrição do fonograma “A Lenda do Abaeté” de 1959 em 01'46'' – 01'52''

A outra faixa que traz o acompanhamento similar ao da parte B de “O Vento” é a quinta canção do LP Caymmi e Seu Violão – Coqueiro de Itapuã50. O trecho acontece na estrofe que se inicia com o verso o vento que faz cantigas/. Essa sessão é apresentada duas vezes no fonograma e o dedilhado é exatamente sobre o verso o vento que ondula as águas/ no qual traz o acorde de Mi menor com a melodia cromática na extremidade. Nesse caso o acorde é o segundo grau menor, pois a canção está na tonalidade de Ré maior.

É importante notarmos que os trechos são pontos particulares da canção, porque até eles acontecerem o acompanhamento da canção segue um padrão rítmico muito definido: a linha do baixo toca com a duração de uma mínima junto com um bloco composto de três notas dos acordes tocadas concomitantemente que se inicia com uma pausa de colcheia seguida de mínima e depois de colcheia.

Assim que o trecho sobre o acorde de Mi menor se inicia com o andamento de 120 bpm (mínima), o dedilhado rompe com o padrão rítmico detalhado acima e compõe em sua voz aguda a melodia cromática Dó-Dó#-Ré-Réb. Essas notas são tocadas simultaneamente com a nota Mi da linha do baixo que apresenta durações longas. Já o preenchimento dessa melodia é realizado por figuras de colcheias (tercinadas e não) e semicolcheias com notas da tríade de Mi menor. No ponto exato onde a melodia aguda está na nota Ré inicia-se um rallentando. Em seguida o padrão rítmico

50 Na quinta edição do livro Cancioneiro da Bahia, a canção vem com um título diferente do LP aqui estudado: “Saudade

volta exatamente como evidenciado antes, mas agora com o andamento de 110 bpm (mínima) e com o toque da linha do baixo na última colcheia do tempo – nota Si.

Uma observação importante é que utilizamos na transcrição o compasso de um por quatro no momento exato onde a melodia da voz mais aguda do violão está na nota Ré em

rallentando. A opção de usarmos essa fórmula de compasso deve-se ao fato que se mantivéssemos

o compasso dois por quatro haveria uma fragmentação do padrão rítmico do violão entre o segundo tempo e o primeiro tempo dos compassos que seguem a canção nesse ponto, de maneira a perder a fluidez na leitura que vinha acontecendo desde seu início com a levada ritmicamente definida do violão. Segue abaixo a transcrição da primeira aparição.

Figura 60 - Transcrição do fonograma “Coqueiro de Itapuã” de 1959 em 00'59'' – 01'04''

A segunda aparição do verso o vento que ondula as águas/ ocorre sem diferenças significativas do que foi detalhado acima em sua primeira ocorrência.