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A investigação-ação e a renovação da universidade 89 

No documento 2013MartaMarques (páginas 89-93)

5. INVESTIGAÇÃO-AÇÃO COMO POSSIBILIDADE DE FORMAÇÃO

5.2 A investigação-ação e a renovação da universidade 89 

É notório o fato de que a sociedade está vivendo complexas mudanças, uma vez que o avanço tecnológico e a proliferação dos conhecimentos científicos ocasionam grandes e profundos impactos. Nesse cenário, a relação da universidade com a sociedade passa a ser

pautada por novas exigências e novas configurações que, de certa forma, provoca uma modificação da identidade da própria universidade.

Em seu texto “A universidade em ruínas”, Marilene Chauí (1999) chama a atenção para o fato de que a universidade inserida nesse contexto de reformas impulsionadas pelo neoliberalismo está deixando de ser uma “instituição social” para se tornar uma “organização social”. O que isso significa? Nas análises de Chauí (1999, p. 27-28), desde o seu surgimento, no século XIII, a universidade foi uma “instituição social” imbuída de exercer uma “ação social” que resulta numa “prática social”, que se consolida com o reconhecimento público de sua “legitimidade e de suas atribuições”. A legitimidade dessa ideia de universidade como instituição social fundou-se no pressuposto da autonomia perante o Estado e a religião, possibilitando, dessa forma, a produção de um espaço privilegiado de promoção de ideias, “formação, reflexão, criação e crítica”. A democracia nesse cenário apresentou-se como “ideia reguladora” e promotora da “democratização do saber”. Apesar de ser uma instituição elitista, a universidade possuía a condição de promover um saber livre e emancipador que foi responsável na condução das transformações sociais e políticas que marcaram os séculos XIX e XX. No entanto, a passagem da “condição de instituição social à de organização social” fez com que a universidade passasse a ser uma “entidade administradora” 19.

Chauí (1999, p. 218) chama de “tecnocracia” essa “prática que julga ser possível dirigir a uma montadora de automóveis ou uma rede de supermercados” da mesma forma como se gerencia uma instituição educacional. Transformada em “organização social”, a universidade passa a ser regida pelas ideias de gestão, planejamento, previsão, controle e êxito. Nas análises de Chauí (1999, p. 219), uma universidade reduzida a condições de organização “não lhe compete discutir ou questionar sua própria existência, sua função, seu lugar no interior da luta de classes”. Enfim, a universidade transformada em organização se torna incapaz de “responder às contradições” e se ocupa com a tarefa de “vencer a competição com seus supostos iguais” no mercado educacional.

A universidade está sendo desafiada a responder de forma rápida aos novos desafios exigidos pela complexidade do mundo do trabalho, do mercado e do consumo, dentre outros fatores. Renovar a universidade significa tirá-la da condição de organização social para

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A expressão “entidade administradora” de Chauí (1999, p. 217) foi retirada dos pesquisadores da Escola de Frankfurt. Para esses pesquisadores, a ideia de administração é inseparável do modo de produção capitalista como produção de equivalentes para a troca. O capitalismo estabeleceu um equivalente universal – a mercadoria dinheiro – como instrumento generalizado e generalizador da troca de equivalentes. Com isso, garantiu que o mercado fosse o espaço de produção e distribuição dos equivalentes. Sendo assim, passa a existir um conjunto de regras e princípios formais idênticos para todas as instituições, logo, não há diferença entre administrar uma universidade e administrar uma montadora de veículos ou um shopping center. É justamente a ação administrativa que transforma uma instituição em uma organização.

transformá-la em uma instituição social, ou, nas palavras de Panizzi, “como patrimônio social, que se caracteriza precisamente pela sua dimensão de universalidade na produção e transmissão da experiência cultural e científica da sociedade” (2006, p.8). Para isso é necessário que a universidade se torne um espaço de esperança, que saiba identificar e compreender suas dificuldades e limitações, que consiga formular e reformular uma nova identidade, uma nova estrutura e uma nova metodologia de trabalho que promova uma transformação na própria concepção do que seja ensinar e aprender.

Percebe-se, diante desse cenário, que a universidade vive atualmente entre diferentes caminhos, os quais precisam ser observados e escolhidos. Nesse sentido, Buarque (2003, p.27) afirma que “a universidade vive em um momento de encruzilhada, onde é necessário que ela se transforme e reinvente a si própria”. Buarque deixa claro, nessa colocação, que em meio à frenética globalização a universidade perde sua identidade, bem como sua autonomia de escolher qual “lado” seguir ou percorrer. Ressalta ainda que diante das encruzilhadas a universidade terá de escolher entre:

a modernidade técnica, cuja a eficiência independe da ética, ou uma modernidade ética, na qual o conhecimento técnico estará subordinado aos valores éticos, dos quais um dos principais é a manutenção da semelhança entre os seres humanos (BUARQUE, 2003, p.27).

As observações de Buarque ajudam a explicitar os dilemas atualmente enfrentados pelas universidades, bem como as possíveis barreiras pelas quais elas têm de passar para que as encruzilhadas sejam reconstruídas. Sabe-se que já há muito tempo as universidades se veem confrontadas com essa necessidade de mudar, contudo, nunca precisaram tanto quanto agora estar abertas e preparadas para inovar.

Diante desse cenário, portanto, almeja-se a renovação das instituições de ensino superior, sendo necessário, para tal, discutir o papel da universidade dentro de seu próprio contexto. Sua autonomia, sua qualidade e a formação de seus docentes são algumas dentre tantas questões que vêm sendo levantadas e ponderadas pelos envolvidos com a educação superior no Brasil. Pode-se dizer que os docentes, dentre tantos outros fatores e categorias, podem se caracterizar como aqueles que dão a possibilidade de iniciar a renovação. Buarque já fazia uma apelo a estes, dizendo que:

Por favor, aceitem o risco de ser professores num tempo que o conhecimento muda a cada instante, exigindo dedicação para acompanhar as mudanças contínuas. Aceitem com audácia esse desafio, e sigam rumo à criação de novas maneiras de conhecer, por mais efêmeras que sejam (2003, p. 61).

Baseando-se no apelo do autor, percebe-se a reafirmação da importância do docente universitário, bem como sua audácia em encarar ou buscar novos desafios, novos caminhos a serem trilhados para que seu ensino alcance uma determinada qualidade. Pensando nisso, a metodologia de investigação-ação já apresentada no decorrer deste estudo se mostra, mais uma vez, um dos possíveis caminhos que poderá conduzir à renovação da formação continuada dos docentes das instituições de ensino superior dentro desse cenário globalizado.

Diante desses desafios, inerentes à profissão docente, efetivar as inovações na maneira de realizar o ensino implica investir na formação continuada, na formação pedagógica dos professores universitários. Cabe ressaltar, sobre a investigação-ação, que seus esforços não estão voltados para a redução do processo educativo à mera instrução, à transmissão de certos conteúdos já pré-selecionados. Sua implantação está relacionada a um trabalho investigativo, buscando estratégias através de atos reflexivos, os quais são capazes de contribuir para a permanente construção da identidade dos docentes.

Portanto, a metodologia de investigação-ação poderá ser a impulsionadora da renovação da universidade, sendo essa uma proposta desafiadora, mas, ao mesmo tempo, oportunizadora de conhecimentos novos, de si próprio e da percepção das ações realizada no dia a dia em sala de aula, tornando o docente do ensino superior um investigador, um observador das suas próprias ações, tendo a reflexão como uma das principais ferramentas a ser utilizada na sua reprofissionalização20.

A investigação-ação poderá ser a ferramenta de renovação, pois favorece o desenvolvimento do professor como investigador, observador e agente reflexivo das questões elencadas por Elliott como sendo de grande relevância para o novo, “a) la naturaleza de la acción educativa y su relación con el saber educativo, b) la investigación educativa y el desarrollo del conocimiento profisional, c) problemas de promoción e institucionalización de la investigación-acción educativa y d) métodos de recogida y análisis de datos” (1983, p. 83).

ϮϬ Segundo os autores Fávero e Tauchen (2013) a reprofissionalização está diretamente ligada com as diversas etapas de formação dos docentes: a) na formação pós-graduada, b) no acompanhamento da iniciação à

docência e na c) formação permanente. Nesse sentido, muitas instituições, pensando no seu próprio

autodesenvolvimento e qualificação, estão promovendo redimensionamentos na e da compreensão da profissão docente, tanto no âmbito da complexidade epistemológica, quanto no âmbito das práticas efetivas em que acontece a docência (dimensão política e ética).

Segundo os autores, a metodologia de investigação-ação conduz os envolvidos no processo de renovação do ensino superior, convidando-os a refletir e a discutir sobre questões de grande relevância para que tal metodologia se torne de fato a ferramenta de renovação.

No documento 2013MartaMarques (páginas 89-93)