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CAPÍTULO 1 AS FORTALEZAS DO E PARA O CAPITAL: O ES PAÇO DE SE PRODUZIR CONHECIMENTOS NANOCIENTÍFICOS

1.3 A lógica dominante na produção de conhecimentos nanocientífi cos

Se virtualmente forem ampliadas em nível de Brasil essas infor- mações de infraestrutura e recursos financeiros, ter-se-á uma pequena idéia da potência brasileira em termos dessas forças produtivas sociais de base científica laboratorial. Somente contabilizando os laboratórios que estão associados à Sociedade Brasileira de Microscopia e Microaná- lise, são 59 laboratórios (públicos e privados).31 É evidente que esse número é maior.

Como evidências dessa base produtiva em processo de formação e ampliação existem alguns estudos, tais como o de Martins (2007), que analisa o desenvolvimento da nanotecnologia no Brasil recente sob uma perspectiva crítica; Santos (2008), que estuda sobre o Sistema Brasileiro de Inovação em nanotecnologia, bem como em Garacisi Filho, Camara e Sereia (2011), porém, a partir da análise de patenteamento; e Gordon (2010), sobre as políticas e ações estabelecidas pelo Governo Federal brasileiro para nanotecnologia após 2004.

É sabido que o Brasil vem investindo um grande volume de re- cursos na área de nanociência, especialmente de aporte estatal. A nano- tecnologia entrou na pauta de investimentos do governo no Plano Pluri- anual (PPA) 2000-2003 e, no PPA 2004-2007. Para tanto, houve a cria- ção de um programa específico, com previsão de investimentos da or- dem de R$ 80 milhões para o período via editais de chamadas públicas.

Note-se que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2010, expressou a tendência mundial já colocada no início da década de 2000, de que o motor de impulso para as economias saírem da crise estava (e ainda está) no desenvolvimento de produtos inovadores, dentre eles, a nanotecnologia, conforme Alves (2010):

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Na ‘Estratégia para a Inovação’ [da OCDE], [...] só é possível ultrapassar a crise económica mun- dial através de um forte investimento na inovação e no empreendedorismo. E o Investimento públi- co, refere a OCDE, é essencial, em áreas onde es- tão em causa as doenças infecciosas e o ambiente, mas também é fundamental para o crescimento dos mercados inovadores, onde a nanotecnologia pode vir a desempenhar um papel central (AL- VES, 2010, p. 1).

Por isso que no ano de 2003, há 10 anos, os Estados Unidos, por exemplo, investiram algo em torno de US$ 1,5 bilhão nesta área, sendo US$ 900 milhões do governo e US$ 600 milhões da iniciativa privada (BRAZIL, 2004) (valores não corrigidos), e seu orçamento federal pre- visto para 2011 foi de “1,7 mil milhões de dólares, a acrescentar aos 12 mil milhões de dólares já investidos desde 2001” (ALVES, 2010, p. 1).

No mesmo compasso, a União Européia financiou, entre 2002 e 2006, 550 projetos em nanotecnologia, num total de 1,4 mil milhões de euros, e, estipulou entre 2007 e 2013, um investimento de 3,5 mil milhões de euros (ALVES, 2010).

Ambas as regiões, por meio da forte aplicação de recursos públicos e de suas estratégias (os EUA com sua ‘Iniciativa Nacional de Nanotecnologia’, e a União Européia com seus ‘Programas-quadro’ que constituem o instrumento principal de subvenção de pesquisa na Europa) pretendem desenvolver aplicações comerciais (ALVES, 2010).

A iniciativa privada evidentemente sabe do potencial dos conhecimentos nanocientíficos e tem muito a lucrar, por isso tem sido imperativa a chamada aos investimentos privados por parte dos governos.

Entretanto não é unicamente o investimento público como carro- chefe e o investimento privado substancial que definem a aplicação comercial dos conhecimentos nanocientíficos (o investimento público garante o desenvolvimento da pesquisa básica), senão o modus operandi do processo de produção desse conhecimento: como intercâmbio entre as diversas áreas do conhecimento (pressuposto para o desenvolvimento da pesquisa básica sobre conhecimentos nanocientíficos).

Como verbalizou Clayton Teague, Diretor do Departamento de Cordenação da Iniciativa Nanotecnologia Nacional, nos Estados Unidos:

Não é apenas física, não é apenas química, não é apenas biologia, não é apenas engenharia, por-

que é um aspecto fundamental de matéria que se começa a tentar controlar e usar para uma gran- de variedade de aplicações. Entra-se em quase todas as disciplinas científicas para olhar para is- to e na verdade algumas das melhores aplicações de nanotecnologia são aquelas que fazem a ponte entre todas as diferentes disciplinas (ALVES,

2010, p. 1).

Em outras palavras, a forma com que o efetivo intercâmbio de diferentes disciplinas aparece como real e frutífero são as aplicações comerciais, sendo o meio para tal a conjugação parceira entre investi- mentos públicos e privados. Por isso, as aplicações comerciais dos co- nhecimentos nanocientíficos têm sido a busca constante em diversos países e, evidentemente, no Brasil.

A lógica dominante é a de que a nanotecnologia tem a capacidade de impulsionar a economia de um país, de que é requerida uma parceria conjugada de investimentos públicos e privados e de que o intercâmbio de disciplinas é crucial para o desenvolvimento de aplicações.

Essa lógica impõe que não basta produzir conhecimentos nanoci- entíficos de qualidade, inéditos, se não puderem ser desenvolvidas apli- cações comerciais; não adianta as universidades ou centros de pesquisa públicos produzirem conhecimentos acadêmicos ou, ainda o que é pior, isoladamente, com cada disciplina em sua área, se existem necessidades reais e complexas da sociedade a serem supridas.

Em 2004, comparativamente aos países investidores em nanoci- ência, predominava no Brasil uma articulação precária entre as institui- ções de pesquisa universitária e as empresas brasileiras - conforme en- trevista feita por Brazil (2004), naquele ano, ao professor Paulo César Morais, do núcleo de Física Aplicada do Instituto de Física da Universi- dade de Brasília.

Segundo esse professor, a comunidade científica brasileira é bem organizada em relação à nanociência, produzindo nanociência de exce- lente qualidade e tendo uma grande potencialidade nessa área. Entretan- to, no tocante à nanotecnologia, afirma o professor, esta não existe. Porque para saltar da nanociência para a nanotecnologia - significando produtos brasileiros no mercado internacional baseados em nanociência, ou seja, agregar valor a esses produtos, colocando-os em condições viáveis no mercado - é preciso investimentos públicos e privados.

Para tanto, o professor Paulo César Morais defende que esse in- vestimento e a organização dessa tarefa seja atribuição do Estado, que

sejam construídos instrumentos, uma política de médio e longo prazo para a nanotecnologia, a exemplo do modelo de operacionalização de países investidores em nanotecnologia, tal como exemplo da Suíça:

Recentemente visitei na Suíça um centro de porte médio que trabalha com nanociência e nanotec- nologia, com 250 pesquisadores trabalhando... Esse centro tem um orçamento anual de entre 50 e 60 milhões de euros. Cerca de 35% desse orça- mento vêm do governo federal; mais 35% vêm das indústrias, das empresas; e os restantes 30% são contratos... Nesses últimos dois anos e pouco de atividade, o governo colocou na área menos de 3 milhões de euros. As quatro redes de pesquisa brasileiras têm hoje cerca de 600 pesquisadores, com nível de doutorado em nanociência. Então veja, o número de pesquisadores que nós temos é mais do que o dobro do que esse centro suíço, só que nosso governo colocou aqui cerca de 1,5 mi- lhão de euros por ano. Perceba aí a diferença de aporte de recursos (BRAZIL, 2004, p. 5).

Ao nosso ver, ele constata em 2004 um paradoxo permanente, que marcará a relação de produção de nanociência no Brasil pelos quase 10 anos seguintes: de que mesmo com a restrição de recursos, o Brasil vem se destacando no cenário científico quando o assunto é nanociência, pois alguns países já perceberam que aqui se faz nanociência com um “rendimento fantástico”, quer dizer, o país não investe muitos recursos, mas a comunidade nanocientífica brasileira consegue dar uma resposta em nanociência. Nesse sentido, a questão custo-benefício é extrema- mente favorável, sendo para outros países uma excelente oportunidade de fazerem cooperação com o Brasil.

Portanto, a perspectiva em meados da década de 2000 era a de que o Estado devia continuar investindo nesses espaços institucionais de nanotecnologia (mesmo com o país apresentando um “rendimento fan- tástico”) e em escala ampliada (como necessidade imperativa do desen- volvimento contraditório do capital em nível mundial), mas que a inicia- tiva privada fosse chamada a uma participação mais significativa nesses investimentos.

Cinco anos depois, em 2009 foi criado o Fórum de Competitivi- dade de Nanotecnologia da Secretaria de Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), formado por

representantes do governo, de universidades e empresas, tendo “[...] como objetivo definir metas e ações para potencializar o desenvolvi- mento e a produção de insumos e serviços nanotecnológicos” (DIAS, 2010, p. 1).

Nas palavras de João Lanari, diretor do Departamento de Tecno- logias Inovadoras do MDIC à época:

A nanotecnologia vem se desenvolvendo no Brasil de seis anos para cá. E num ritmo rápido, se le- varmos em conta o nosso nível de dependência tecnológica e o fato de os investimentos em pes- quisa serem pontuais e com recursos públicos. Mas ainda é necessário promovê-la de forma in- tegrada, empenhando esforços para superar en- traves na formação de parcerias público-privadas e incentivando mudanças nos formatos de negoci- ação de propriedade intelectual (DIAS, 2010, p.

1).

Mesmo com tudo isso, em 2011, permanece o fato de que “nosso maior problema está entre o processo de criar e o de transformar essa criação em produto comercial”, segundo Willian Waissmann, pesquisa- dor da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) (CEZAR, 2011, p. 1).

Quanto a isso estudos realizados no meio empresarial apresentam um cenário ruim, pouco produtivo, em relação ao estágio atual da nano- tecnologia no país:

Pesquisa divulgada pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro mostra que o merca- do de produtos originalmente desenvolvidos no Brasil somou apenas R$ 115 milhões em 2010. Enquanto isso, o volume de negócios no mercado internacional atingiu US$ 383 bilhões, incluindo o faturamento com 1.015 produtos para o consumi- dor final ou intermediários. Dados do Ministério da Ciência e Tecnologia, divulgados pela Firjan [Federação das Indústrias do Rio de Janeiro], in- dicam que existem hoje 150 empresas desenvol- vendo produtos ou prestando serviços a partir de conhecimentos em nanotecnologia (CEZAR, 2011, p. 1).

O lançamento de novos produtos em vários setores industriais e por suposto o aumento da competitividade do país no mercado mundial (CEZAR, 2011), no tocante às nanotecnologias, são decorrências, evi- dentemente, do processo de concorrência intercapitalista e a tendência disso - ao menos no Brasil - é seu recaimento sobre os locais onde as pesquisas nanocientíficas nascem: as universidades. Em especial, isso recai também sobre a UFSC e seu LCME de um modo muito particular.

Visando alavancar essa relação entre empresas e universidades, o governo federal criou, em 2012, o Sistema de Laboratórios em Nanotec- nologia (SISNano), que,

visa desenvolver um programa de mobilização de empresas instaladas no Brasil e de apoio às suas atividades, para atuarem no desenvolvimento de processos, produtos e instrumentação, envolvendo ciência e tecnologia na nanoescala. (INOVAÇÃO TECNOLÓGICA, 2012, p. 1).

Para tanto, está formado por duas categorias de laboratórios: a) os estratégicos, pertencentes ao Ministério da Ciência e Tecno- logia e Inovação (MCTI), cujos equipamentos serão disponibilizados a usuários externos minimamente em 50% do tempo de máquinas e,

b) os associados, localizados em universidades e institutos de pesquisa, cujos equipamentos serão disponibilizados a usuários externos minimamente em 15% do tempo de máquinas (FRANCO, 2013).

A UFSC é ‘integrante associado’ do SISNANO, sendo essa rede chamada de Laboratório Interdisciplinar de Desenvolvimento de Nano- estrutura (LINDEN). Essa rede conta com a participação dos pesquisa- dores dos laboratórios acadêmicos de nanotecnologia da UFSC e de sete laboratórios de nanotecnologia que também fazem parte do Arranjo Promotor da Inovação em nanotecnologia (API-Nano), dentre eles o LCME, que é um espaço de análises (FRANCO, 2013).32

32 Os outros laboratórios desse arranjo promotor são LABMAT (superfícies), LCP (escalona- mento de nanocompostos), NanotecLAB (concreto), Polimat (polímeros), LaCBio (nanocatáli- se), LabSim (nanoprata) e o Lab. de Farmacotécnica (fármacos) (FRANCO, 2013). Porém, de acordo com informações contidas no Caderno de Informações do Simpósio Técnico- Empresarial de Nanotecnologia (2013, p.31), esse arranjo se estende a empresas voltadas para nanotecnologias e outros diversos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento da UFSC, também pertinentes a essa temática, quais sejam: 1. CIMJECT - Laboratório de Projeto e fabricação de Componentes de Plástico Injetados), 2. GEIMM - Grupo de Estudos de Intera-

Nova infraestrutura na UFSC é requerida para ação desse porte – o que conta, segundo Franco (2013), com apoio financeiro do MCTI -, e o LCME tem papel importante na primeira etapa dessa ação:

A implantação definitiva do Laboratório Interdis- ciplinar de Desenvolvimento de Nanoestruturas (LINDEN) será feita no prédio do futuro Instituto Interdisciplinar de Engenharia de Superfície (I- MES) ora em construção. Assim o LINDEN ocu- pará dois dos 8 andares daquele edifício que está sendo construído com recursos da FINEP (um pa- ra os equipamentos especializados em nanoestru- turas e outro que será compartilhado com o IMES para as atividades de

gestão e interação com o setor produtivo, totali- zando área de 1.022 m² O laboratório ficará sob a supervisão da Propesq - UFSC, mas com direção dos especialistas na área [...] (FRANCO, 2013, p. 9).

Na primeira etapa do projeto, antes da conclusão do prédio, se trabalhará a partir do LCME e depois as atividades serão centralizadas no espaço próprio do LINDEN no Instituto Interdisciplinar de Engenha- ria de Superfície (IMES). Sendo um laboratório associado, isso requerá 15% do tempo dos equipamentos para a iniciativa privada, o que pode significar um dia de trabalho durante a semana33.

ções entre Micro e Macromoléculas, 3.InteLAB - Laboratório de Tecnologias Integradas, 4. LABMAC - Laboratório de Materiais e Corrosão, 5. LABMASSA - Laboratório de Transfe- rência de Massa, 6. LabMAT - Laborartório de Materiais, 7.Laboratório de Equilibrio, 8. Laboratório de Farmacotécnica, Cosmetologia e Biofarmácia, 9. Laboratório de Plasma Quími- co, 10. LabSiN - Laboratório de Síntese Inorgânica e Materiais Nanoestruturados, 11. LacBio – Laboratório de Catálise Biomimétrica, 12. LAMATE - Laboratórios de Materiais Elétricos, 13. LCI - Laboratórios de Circuitos Integrados, 14. LCP - Laboratório de Controle e Processo, 15. LEMA - Laboratório de energia e meio ambiente, 16. LEPTEN - Laboratório de Engenharia de Processo de Conversão e Tecnologia de Energia, 17. LFFS - Laboratório de Filmes Finos e Sensores 18. LMPP - Laboratório de Materiais Avançados e de Processos, 19. LSCM - Labora- tório de Síntese e Caracterização de nanoMateriais, 20. NANOTEC - Lab Engenharia Civil, 21. Polimat - Grupo de Estudos em Materiais Polimétricos, e, 22. POLISSOL - Laboratórios de Polímeros e Surfactantes em Solução.

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