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3.3 OS REQUISITOS DA COLABORAÇÃO PREMIADA

3.3.2 Requisitos de existência

3.3.2.1 Requisitos formais de existência

3.3.2.1.2 A legitimidade das partes

Em que pese o Supremo Tribunal Federal não exprima que a legitimidade das partes é requisito de existência da colaboração premiada, os elementos expressamente elencados por esse tribunal pressupõem a veiculação da manifestação de vontade pela realização da colaboração premiada por partes legítimas para tanto, seja sob a perspectiva do imputado e colaborador, seja sob a perspectiva do representante estatal.

De um lado, é tranquila a legitimidade do imputado investigado ou réu para firmar acordos de colaboração premiada.

63 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 100.

64 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação Conjunta nº 1, de 23 de maio de 2018. Brasília. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5/orientacoes/orientacao-conjunta-no-1-2018.pdf. “41”

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Em contrapartida, a principal controvérsia envolvendo a legitimidade para celebrar acordo de colaboração premiada advém da previsão dos §§ 2º e 6º do art. 4º da Lei n. 12.850/2013, que outorgam legitimidade ao delegado de polícia.

Desde a promulgação da atual Lei das Organizações Criminosas, a legitimidade do delegado de polícia para firmar acordos de colaboração premiada foi objeto de crítica de parte da doutrina, porquanto, nas palavras de Cibele Benevides Guedes da Fonseca, parece “que tais dispositivos são inconstitucionais, por ferirem o artigo 129, inciso I, da Constituição Federal, já que a negociação da persecução penal é função exclusiva do titular da ação penal: o Ministério Público”65.

Diante disso, a Procuradoria-Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.508, visando à declaração da inconstitucionalidade dos trechos dos §§ 2º e 6º do art. 4º da Lei n. 12.850/2013, que conferem à autoridade policial legitimidade para conduzir e entabular acordos de colaboração premiada. Subsidiariamente, referido órgão do Ministério Público pleiteou que o Supremo Tribunal Federal conferisse aos dispositivos interpretação conforme a Constituição, para considerar indispensável a presença do órgão ministerial desde o início e em todas as fases de elaboração de acordos de colaboração premiada e de considerar sua manifestação como de caráter obrigatório e vinculante.

No dia de 20 de junho de 2018, em acórdão ainda não publicado quando da redação do presente trabalho, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, julgou improcedente a mencionada ação direta de inconstitucionalidade, para assentar constitucional a possibilidade de delegados de polícia realizarem acordos de colaboração premiada na fase do inquérito policial.

Dos debates entre os ministros durante as sessões de julgamento, extrai-se que não houve divergência quanto à improcedência do pedido principal, que almejava a declaração da absoluta inconstitucionalidade da pactuação de colaboração premiada pelo delegado de polícia. O nódulo da divergência existente entre os julgadores, portanto, consistiu no pedido subsidiário, de conferir aos dispositivos impugnados interpretação conforme a Constituição, para que se imponha a presença do Ministério Público desde o início e em todas as fases de elaboração de acordos de colaboração premiada e de considerar sua manifestação como de caráter obrigatório e vinculante.

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Nesse particular, o relator, Ministro Marco Aurélio de Mello, foi acompanhado pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Carmen Lúcia, Alexandre de Moraes e Roberto Barroso, ao entender que “a formulação de proposta de colaboração premiada pela autoridade policial como meio de obtenção de prova não interfere na atribuição constitucional do Ministério Público de ser titular da ação penal e de decidir sobre o oferecimento da denúncia”66, ressalvando a impossibilidade de “interferência da autoridade

policial na atribuição exclusiva do Ministério Público de oferecer denúncia”67.

Vencidos, os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux defenderam que “embora a autoridade policial possa formular acordo de colaboração, a manifestação do Ministério Público sobre os termos da avença deve ser definitiva e vinculante”68.

Ainda, o Ministro Dias Toffoli, também vencido, entendeu que “o delegado de polícia pode submeter ao juiz o acordo firmado com o colaborador desde que a proposta traga, de forma genérica, somente as sanções premiais previstas no artigo 4º, caput e parágrafo 5º, da Lei 12.850/2013, com manifestação do MP sem caráter vinculante”.

Em que pese a decisão da Suprema Corte, parece que a solução oferecida não logrou dirimir por completo a questão, notadamente porque os pronunciamentos dos ministros que formaram a posição prevalente demonstram a existência de nevrálgica divergência quanto aos poderes negociais e os efeitos que a celebração dos acordos de colaboração tem na fixação da pena, matéria que ainda não foi abordada pelo Supremo Tribunal Federal, senão lateralmente. É que, enquanto alguns dos ministros reconhecem poderes negociais mais dilatados ao representante estatal, outros limitam essas prerrogativas à mera sugestão, ao magistrado, da aplicação de medida expressamente prevista em lei. Sendo assim, verifica-se que, conquanto tenham formado maioria ao julgar improcedente o pedido formulado na ação declaratória de inconstitucionalidade, os ministros o fizeram a partir de pressupostos significativamente distintos, de maneira que, alteradas tais premissas, a decisão acerca da legitimidade ou não do delegado de polícia possivelmente seria outra.

66 Supremo Tribunal Federal. STF decide que delegados de polícia podem firmar acordos de colaboração premiada. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=382031>.

Acesso em: 20 jan. 2018.

67 Supremo Tribunal Federal. STF decide que delegados de polícia podem firmar acordos de colaboração premiada. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=382031>.

Acesso em: 20 jan. 2018.

68 Supremo Tribunal Federal. STF decide que delegados de polícia podem firmar acordos de colaboração premiada. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=382031>.

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Em preciso diagnóstico desse cenário, Vinícius Vasconcellos identifica como sendo uma dessas premissas, a respeito das quais há divergência entre os integrantes da Suprema Corte, a vinculação, ou não, do Judiciário às cláusulas do acordo previamente homologado. Afinal, se o julgador não se vincula às cláusulas do acordo, que servem de mera sugestão ao magistrado, sejam elas firmadas pelo Ministério Público ou pelo delegado de polícia, efetivamente inexiste qualquer ingerência na titularidade da ação penal a partir da fixação de acordo entre investigado e delegado de polícia. Entretanto, nesse sentido, Vinícius Vasconcelos retoricamente questiona se “o acordo pactuado com o delegado/a, ainda que homologado judicialmente, vincula o julgador no momento do sentenciamento se for integralmente cumprido?”, a fim de concluir que, “em caso de resposta negativa, estar-se-ia em choque com a posição adotada pelo STF na QO 7.074”69, no tocante à existência de direito subjetivo do

colaborador às sanções premiais previstas no acordo de colaboração, em havendo adimplemento das obrigações com as quais se comprometeu.

De qualquer forma, as razões lançadas por cada ministro serão analisadas com mais profundidade quando do exame dos critérios de controle judicial sobre os acordos de colaboração.

Neste momento, cumpre assentar que a posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal foi pela constitucionalidade da celebração de acordo de colaboração premiada pelo delegado de polícia, desde que a proposta formulada não disponha sobre a prerrogativa do Ministério Público de não oferecer denúncia.