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O PROCEDIMENTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA

O capítulo antecedente dedicou-se a expor o histórico legislativo da colaboração premiada, indicando que, com o advento da Lei n. 12.850/2013, esse instituto adquiriu natureza de negócio jurídico processual. Além disso, apontou-se que a atual Lei das Organizações Criminosas foi especialmente inovadora ao prever um procedimento para a negociação e celebração da colaboração premiada.

Busca-se, agora, realizar uma breve descrição do procedimento instituído, com o fito de situar a subsequente análise dos requisitos da colaboração premiada, seus efeitos e o controle exercido pelo Poder Judiciário no curso do processo.

Andrey Borges Mendonça leciona que a colaboração pode ocorrer em qualquer fase da investigação e do processo, de modo que, segundo esse autor, há “a colaboração pré- processual (anterior ao oferecimento da denúncia e chamada por alguns de inicial), processual (ocorrida entre o recebimento da denúncia e o trânsito em julgado e chamada de intercorrente por alguns) e pós-processual (após o trânsito em julgado, também chamada de tardia)”40.

Igualmente, Cleber Masson e Vinícius Marçal sustentam que “a medida pode ser levada a cabo em qualquer fase da persecução penal ou mesmo no estágio da execução penal”41.

40 MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013). Custos Legis – Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, v. 4, 2013. p. 7.

41 MASSON, Cleber; MARÇAL, Vinicius. Crime Organizado. 4. ed., rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018. p. 236.

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3.2.1 Colaboração pré-processual

A colaboração premiada é, por princípio, tanto mais eficiente quanto antes for perfectibilizada. Por esse motivo, Vinícius Vasconcellos aponta que, em um cenário padrão, “as negociações e a formalização do acordo ocorrem na etapa investigativa, antes do início do processo”42, hipóteses em que a colaboração se desenvolve em quatro fases: “1) negociações;

2) formalização/homologação; 3) colaboração efetiva e produção da prova; e, 4) sentenciamento e concretização dos benefícios” 43.

3.2.1.1 A fase das negociações

A fase das negociações é inaugurada com o início das tratativas.

A Orientação Conjunta n. 1/2018, expedida pelas 2ª e 5ª Câmaras de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal44, dispõe que deve ser instaurado procedimento

administrativo para início das tratativas, o que assume especial relevância para fins de posterior controle, com o levantamento do sigilo após o recebimento da denúncia45.

Nesta etapa, cumpre ao colaborador fornecer as informações suficientes para a satisfação do juízo homologatório, de sorte que a efetiva contribuição com a elucidação dos fatos dar-se-á, via de regra, em momento subsequente, até porque não é conveniente ao colaborador de plano confessar o delito e indicar provas sem que lhe sejam garantidos benefícios em contrapartida. Do mesmo modo, não é interessante ao representante do Ministério Público pactuar a concessão de benefícios em face de uma colaboração potencialmente infrutífera, isto é, que nem ao menos reúna os requisitos para sua homologação.

Daí que autores como Andrey Borges Mendonça e Vinícius Vasconcellos sugerem que, a fim de sanar essa tensão de incertezas existente na fase inicial das negociações, deve-se celebrar um pré-acordo, “em que o acusador pede amostras ao delator das informações 42 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 119.

43 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 120.

44 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação Conjunta nº 1, de 23 de maio de 2018. Brasília. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5/orientacoes/orientacao-conjunta-no-1-2018.pdf

45 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 201 e 204.

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incriminatórias, mas compromete-se a não utilizá-las em seu prejuízo”46. É o que vem se

observando, na prática, nos acordos de colaboração celebrados no Brasil, nos quais se firma um termo de confidencialidade como providência preliminar das negociações, inclusive a teor do que prescreve a Orientação Conjunta 1/2018 do Ministério Público Federal47.

3.2.1.2 A fase da formalização/homologação

Ao cabo das tratativas, passa-se à formalização do acordo, em que se deve atentar aos requisitos do art. 6º da Lei n. 12.850/2013, os quais serão analisados no próximo capítulo.

Esse termo de acordo, por sua vez, é distribuído sigilosamente ao magistrado, que poderá ouvir o colaborador em audiência designada para aferir a voluntariedade da avença.

Assim, preenchidos os requisitos, o magistrado deve homologar o acordo de colaboração, atentando à regularidade, à legalidade e à voluntariedade do pactuado, temas que serão aprofundados no terceiro capítulo do presente estudo.

3.2.1.3 A fase da execução ou da colaboração efetiva e produção de provas

Homologado o acordo, o ajustado pelas partes adquire eficácia, dando-se início à execução da avença, oportunidade em que se verificará se as informações prestadas pelo colaborador, de fato, são aptas a concretizar algum dos resultados exigidos pela lei, submetendo suas alegações e as provas que delas advierem ao crivo do contraditório.

3.2.1.4 A fase do sentenciamento e da concretização dos benefícios

Finda a instrução, o magistrado deverá analisar os termos do acordo e sua eficácia, conforme dispõe o § 11º do art. 4º da Lei n. 12.850/2013, e, havendo comprovação da materialidade e da autoria do crime imputado ao colaborador e constatando-se que este,

46 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 202. E, também: MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração

premiada e a nova Lei do Crime Organizado (Lei 12.850/2013). Custos Legis – Revista Eletrônica do Ministério

Público Federal, v. 4, 2013. p. 7.

47 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Orientação Conjunta nº 1, de 23 de maio de 2018. Brasília. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5/orientacoes/orientacao-conjunta-no-1-2018.pdf. “4”

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efetivamente, cumpriu com o que se comprometeu, aplicar os benefícios da colaboração premiada.

3.2.2 Colaboração processual

A colaboração premiada pode ocorrer, também, quando já deflagrada a ação penal, sendo chamada de colaboração tardia ou intercorrente48.

Nesses casos, quando o acusado manifesta interesse em colaborar antes da produção probatória, o procedimento segue, em linhas gerais, as mesmas diretrizes da colaboração pré- processual.

Na hipótese de colaborações posteriores à audiência de instrução e julgamento, deve- se converter o julgamento em diligência, com o fito de garantir a possibilidade de defesa dos demais acusados. De outra parte, em havendo colaboração premiada depois da sentença e antes da execução da pena, isto é, na fase recursal, “provavelmente, haverá a necessidade de cisão processual, com a realização da colaboração premiada em autos apartados”49.

3.2.3 Colaboração pós-processual

O instituto da colaboração premiada é igualmente aplicável na fase da execução penal. Entretanto, sua aplicabilidade nessa etapa processual será invariavelmente reduzida, haja vista que o retardamento da colaboração pode comprometer-lhe a eficiência.

Sobre a questão, Andrey Borges Mendonça esclarece que, “se o réu colabora na fase de execução, para indicar fatos relativos a autores que ainda não foram julgados, não haverá maiores óbices para a colaboração”. Ressalva, contudo, que, “se já houve trânsito em julgado para os réus que foram atingidos, a colaboração não será mais efetiva, pois será impossível reabrir o processo para a produção de provas em desfavor dos acusados e para aumentar suas

48 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 242.

49 VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018. p. 243.

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penas, uma vez que não há revisão criminal pro societatis. Neste caso, não poderá o colaborador se beneficiar do instituto”50.