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A Lei 10.639/03 como uma dimensão de política de ação afirmativa

Em 2003 foi sancionada a Lei de n° 10.639/03, uma medida que se configurou numa dimensão de ação afirmativa que determina a obrigatoriedade do ensino de História da África e Cultura Afro-brasileira no âmbito de todo o

currículo da escola básica, sejam elas de cunho público ou particular. Esta legislação altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei 939/96), acrescendo os artigos 26-A e 79-B:

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo

incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira

serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’" (BRASIL, 2003).

No ano de 2008 a Lei 10.639/03 sofreu uma modificação no seu artigo 26, em decorrência da aprovação de uma nova determinação legal, a Lei 11.645/08, que amplia sua abrangência e obrigatoriedade ao estudo da história e culturas indígenas. Desta forma, tecnicamente, a Lei 10.639/03 é substituída pela 11.645/08 e na LBDEN fica determinada a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena.

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá

diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e

dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (BRASIL, 2008)

No entanto, mesmo que tecnicamente a Lei 11.645/08 substitua o texto da Lei 10.639/03, adotaremos a marcação desta última nas discussões que se apresentam como forma de demarcar um momento histórico da luta do movimento negro brasileiro com a conquista advinda da inserção de suas pautas na esfera educacional. Vale ressaltar que não há menosprezo à importante conquista para o sistema educacional com a obrigatoriedade do ensino da história e cultura indígenas, mas consideramos importante ressaltar neste trabalho a conquista advinda com a Lei 10.639/03.

Destarte, a Lei 10.639/03 deve ser compreendida para muito além de uma iniciativa governamental de política de ação afirmativa, mas como um uma vitória, fruto de lutas históricas compreendidas no âmbito do movimento negro brasileiro em prol de uma educação que rompa com os estereótipos de um sistema educacional que historicamente mantém uma lógica eurocêntrica e de embranquecimento cultural, em que os/as negros/as e continente africano são colocados de forma inferior e marginalizados.

Como fruto dos avanços e conquistas dos Movimentos Negros, no ano de 2004 foi aprovada pelo Conselho Nacional de Educação, o Parecer CNE/CP 03/2004 a Resolução CNE/CP 01/2004, que instituem e regulamentam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e

para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana (Brasil, 2005), um documento que visa orientar escolas, professores/as e formadores/as de professores/as para o estabelecimento pleno da Lei 10.639/03, preconizando o investimento na promoção de ações em que escola, professores/as, gestores/as e esferas políticas possam realizar práticas que garantam a efetivação desta legislação, uma vez que, de acordo com tal documento:

Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isto não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de ser inferiorizados vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhe são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas. (BRASIL, 2005. p. 15)

No ano de 2009, o Ministério da Educação em conjunto com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPIR), lançam o Plano Nacional de Implementação das referidas diretrizes curriculares, documento este que amplia a noção da implementação legal da Lei 10.639/03 e se constitui como mais um avanço requerido pelos movimentos negros.

Neste sentido, segundo Gomes (2008), o contexto brasileiro, marcado por uma diversidade racial e cultural tão intensa e tão expressiva, não pode continuar alicerçado na premissa apriorística de um exemplo de democracia e inclusão racial e cultural, ainda de acordo essa autora:

Talvez um dos caminhos para a superação dessas situações seja uma reflexão profunda sobre a discussão já realizada pelo Movimento Negro e por todos aqueles que acreditam em uma educação antirracista: a questão racial não se restringe a

comunidade negara, e a superação do racismo e da desigualdade racial faz parte da luta pela construção da cidadania e da democracia para todos. Em uma sociedade multirracial e pluricultural, como é o caso do Brasil, não podemos mais continuar pensando a cidadania e a democracia sem considerar a diversidade e o tratamento desigual historicamente imposto aos diferente grupos sociais e étnico-raciais (GOMES, 2008a.p.70).

E é nesta direção que as políticas de ação afirmativa se instituem como uma dimensão da luta social traçada historicamente no Brasil, que tem por objetivo forçar o Estado a fornecer subsídios para superar situações de desigualdade vividas por grupos marginalizados na sociedade, até porque o próprio Estado brasileiro historicamente privou a participação efetiva de negros e negras do processo formal de educação, uma vez que a premissa de educação para todos não contemplou de forma equitativa populações brancas e não- brancas, indígenas e negras, instituindo teorias racistas e políticas eugenistas e higienistas para a criação de um sistema educacional que tinha como principal objetivo a construção de uma identidade nacional branca e de raízes europeias (SILVA, 2009).

Desta forma, esta dimensão de política afirmativa como a Lei 10.639/03 e suas consequentes diretrizes e plano de implementação se constituem como uma resposta do Estado às reivindicações dos Movimentos Negros no sentido de reparar situações criadas por ele mesmo, ao longo da história. Porém, não basta apenas a instituição de determinações legais no sentido de ações afirmativas, para muito além disto, é preciso que haja mobilização das escolas, das universidades, e da sociedade em geral para que sejam superadas as injustiças e desigualdades, simbólicas e concretas, que perduram por séculos no Brasil.

O papel das Instituições de Ensino Superior e da Escola Básica e