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4.2 O DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO GOVERNAMENTAL

4.2.3 A Lei de Acesso à Informação (LAI) e sua regulamentação

Os princípios constitucionais da Administração Pública brasileira, que constam do artigo 37 da Constituição de 1988, são: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. O exercício da administração pública tem como objetivo o atendimento do “interesse coletivo primário”84, ou seja, o interesse da sociedade que se sobrepõe ao interesse da Administração e ao interesse privado (AMARAL, 2003, p. 3).

Lembrando que a consecução de um princípio constitucional deve implicar na mudança ou na incorporação de comportamentos, podemos dizer que o princípio da publicidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal de 1988, determinou que os agentes públicos adotassem comportamentos que, de forma crescente e progressiva, tornassem possível a difusão e conhecimento dos atos e informações originados do poder público, por parte da população. Segundo Binenbojm (2009, p. 6), para atender o princípio da publicidade não é suficiente a exteriorização dos atos administrativos. É necessário otimizar o grau de concretização deste princípio por meio de medidas voltadas ao melhor alcance de seus

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Noção desenvolvida pela doutrina jurídica italiana e incorporada à doutrina brasileira por Celso Antônio Bandeira de Mello (AMARAL, 2003, p. 3).

fins. Ou seja, medidas que garantam que os atos e informações do poder público sejam levados de forma clara, precisa e acessível aos interessados diretos e potenciais.

A Lei federal 12.527, de 18 de novembro de 2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI), regula o acesso à informação governamental previsto no texto constitucional (art. 5º, inc. XXXIII, art. 37, § 3º, inc. II e art. 216, §2º), no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e do Ministério Público; dos órgãos da administração pública direta e indireta, assim como das organizações não governamentais, que recebam recursos públicos. Esta lei é derivada do Princípio Constitucional da Publicidade na Administração Pública.

Como já dissemos anteriormente, a publicidade na Administração Pública pode ocorrer de duas formas: de ofício ou por requerimento. A publicidade de ofício ocorre a partir da publicação dos atos administrativos nos Diários Oficiais, nos sites dos órgãos públicos, ou mesmo, pela afixação em suas portarias ou áreas externas, expostos ao olhar do público. A publicidade por requerimento é provocada por solicitação de uma pessoa, de um grupo de pessoas ou de uma instituição, para conhecer sobre determinado ato. A LAI prevê estas duas formas, além de tratar das exceções em que o sigilo prevalece, do acesso para controle social, do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) para viabilização do acesso e do tratamento da informação, necessário para sua organização, recuperação, avaliação e descarte.

No artigo 3º da LAI, são definidas cinco diretrizes que irão guiar a aplicação da lei, respeitando-se os princípios constitucionais da Administração Pública. O princípio da publicidade, que está ligado à noção de transparência e que “deixa transparecer aos olhos de todos a sua lógica interna de organização e de funcionamento, uma verdadeira ‘casa de vidro’” (ANTUNES apud AMARAL, 2003, p. 5), está presente em quatro destas diretrizes:

“I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; [...] IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública; V - desenvolvimento do controle social da administração pública.” (BRASIL, 2011, art. 3º, inc. I, II, IV e V).

O Princípio Constitucional da Eficiência85 orienta a diretriz que propõe a utilização de meios de comunicação viabilizados pela Tecnologia da Informação (TI), como forma de aumentar o alcance da disseminação da informação governamental (BRASIL, 2011, art. 3º, inc. III). A utilização das TICs é explicitada no art. 8º, § 2º, onde se obriga o uso dos sites oficiais na

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“A ideia de eficiência na ciência da Administração tem sua ênfase na racionalização dos custos para geração de lucro financeiro. No campo do direito administrativo, prioriza-se a eficiência na prestação de atividades e de serviço público adequados, de qualidade, universalizados e com modicidade de tarifas” (MUNIZ, 2007, p. 98)

internet para divulgação de informações sobre os órgãos e entidades públicas, de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas, e § 3º, no qual está listada uma série de requisitos para que os sites garantam amplo acesso, autenticidade, integridade e atualidade da informação governamental. Além da divulgação, os sites devem ser utilizados para o encaminhamento dos pedidos de acesso às informações (BRASIL, 2011, art. 10, § 2º).

No que diz respeito à publicidade de ofício, a Lei 12.527/2011 obriga a divulgação independentemente de requerimentos no art. 8º, §1º, de informações sobre o órgão ou entidade público86; no artigo 30, sobre desclassificação de informações e documentos, pedidos de acesso à informação (estatística de pedidos recebidos, atendidos e indeferidos e perfil dos solicitantes); e no artigo 41 pelo monitoramento das atividades previstas no artigo 30 (inc. III) e pelo encaminhamento de relatório ao Congresso Nacional com informações sobre a implementação da LAI (inc. IV).

Já a publicidade por requerimento abrange a maior parte dos artigos dedicados ao acesso às informações ostensivas. O artigo 7º, incisos I a VII, trata dos direitos de se obter orientação sobre como acessar a informação governamental, os tipos de informação cujo acesso é garantido (orgânicas/arquivísticas e não orgânicas), qualidade da informação (primária, íntegra, autentica e atualizada). O artigo 9º trata da viabilização do acesso por meio da criação de um serviço de informações ao cidadão, responsável pela orientação (direito garantido pelo artigo 7º, inc. I), pela informação sobre a tramitação dos documentos no órgão público e pelo protocolo de documentos e requerimentos de acesso à informações. O artigo 10, § 1º e 3º impedem que os órgãos públicos inviabilizem o requerimento das informações exigindo informações detalhadas sobre o solicitante, sobre as informações requeridas ou sobre a motivação, protegendo o direito de petição. Os artigos 11 a 13 detalham prazos e procedimentos para o atendimento das solicitações, cobrança de taxas, obtenção de cópias e certidões dos documentos. O artigo 21 e parágrafo único tratam de informações que não podem ser negadas (referentes a direitos fundamentais violados). O artigo 31, §3º e 4º especificam quais informações pessoais poderão ser acessadas independentemente do prazo de restrição de acesso ou autorização da pessoa a que elas se referem. Os artigos 32 e 33 tratam das sanções ao agente público e as pessoas físicas ou jurídicas de direito privado que porventura ajam contra as determinações da LAI.

A situação de sigilo da informação governamental, exceção na Administração Pública, é detalhadamente tratada na Lei 12.527/2011, justamente para dar transparência às

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A publicação de informações sobre a gestão fiscal já era prevista pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000), nos artigos 48, § único, inc. II; 48-A; e 55, §2º.

ocasiões em que o segredo se faz necessário, dos procedimentos de classificação e gestão da informação sigilosa, dos procedimentos, recursos e obtenção de acesso. No artigo 7º, os parágrafos 1º a 4º definem algumas informações (referentes a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico) cujo sigilo é imprescindível “à segurança da sociedade e do Estado”, prevendo acesso parcial e procedimentos para negativa de acesso. Os artigos 15 a 19 dizem respeito aos procedimentos para os recursos administrativos no caso de indeferimento do pedido de acesso à informação. Os artigos 23, 24, 27, 28, 29 e 31, §1 e inc. I especificam o tipo de informação que pode ser classificada como sigilosa, os critérios para classificação, as autoridades com competência para classificação no âmbito da Administração Pública federal e os prazos de sigilo de acordo com o grau de classificação. O artigo 35 cria a Comissão Mista de Reavaliação de Informações com o objetivo de “administrar” o sigilo, questionando, revendo, prorrogando ou extinguindo a classificação atribuída à informação governamental pelas autoridades da Administração Pública federal. O artigo 39 prevê a reavaliação das informações classificadas como secretas e ultra secretas antes da publicação da LAI no prazo de dois anos, após os quais serão automaticamente desclassificadas e tornadas ostensivas.

A Lei 12.527/2011, em sua ementa, faz referência à regulação do disposto no artigo 37, § 3º, inc. II, que aborda o direito de acesso à informação governamental para exercer o controle social. Neste sentido, a LAI indica como uma de suas diretrizes (art. 3º, inc. V) o desenvolvimento do controle social da Administração Pública e em uma das formas em que o acesso à informação pública é assegurado (art. 9º, inc. II) por meio de audiências públicas e do incentivo à participação popular.

A LAI também faz referência em sua ementa ao parágrafo 2º do artigo 216 da Constituição Federal, que diz respeito à obrigatoriedade da gestão de documentos na Administração Pública. No entanto, substituiu o termo “gestão de documentos” por “tratamento da informação”, o que engloba não só a informação do tipo arquivístico, mas também a informação não orgânica sob a custódia dos órgãos públicos. O artigo 4º, inc. V, dá a definição de tratamento da informação, que abrange todo o ciclo da gestão da informação, passando por sua produção, tramitação e utilização, avaliação e destinação. No que tange à informação ostensiva e seus suportes, incluída a informação governamental do tipo arquivístico, o art. 6º, inc. I garante a “gestão permanente da informação, propiciando amplo acesso a ela e sua divulgação” (BRASIL, 2011, art. 6º, inc. I), mas não especifica como a responsabilidade e a forma de execução dar-se-ão, ao contrário do que vemos em relação ao

uso da TI como ferramenta de divulgação da informação (BRASIL, 2011, art. 8º)87. Já o tratamento da informação sigilosa, caso de exceção na Administração Pública, é definida nos artigos 25, §1º e 3º, 26, 31 e 36 a responsabilidade e os procedimentos para sua execução, detalhados no Decreto Federal n. 7.845, de 14 de novembro de 201288.

Para regulamentar a Lei n. 12.527/2011 no âmbito do Poder Executivo Federal foram editados dois decretos: o Decreto n. 7.724, de 16 de maio de 2012, que segue a mesma estrutura da LAI, inclusive repetindo artigos e detalhando procedimentos para garantia de acesso e criando estrutura organizacional para sua execução; e o Decreto n. 7.845, de 14 de novembro de 2012, que especifica procedimentos relativos ao credenciamento de segurança e tratamento da informação governamental classificada como sigilosa.

Podemos verificar por toda legislação listada neste capítulo que o acesso à informação governamental não esteve, desde a independência do Brasil e outorga da primeira constituição, completamente ao largo do direito. Pelo contrário, esteve presente em todas as constituições, com exceção daquela de 1891 e do período de ditadura militar, entre 1967 e 1985, em variados graus de abrangência e na legislação ordinária.

A presença do direito de acesso à informação governamental nas Constituições lhe garantia a validade, o reconhecimento de sua existência. No entanto, conforme a teoria jurídica da época, predominante até muito recentemente, apenas as leis e decretos poderiam dar sua efetividade, sua aplicação e cumprimento.

Neste aspecto, somente após a Proclamação da República, por meio do Arquivo Público Nacional, o direito de acesso à informação governamental foi passível de ser exercido de fato por toda a população, ainda que faltasse regulamentação ou especificação quanto às situações em que o sigilo se fazia necessário. As informações governamentais presentes no Arquivo Nacional, registradas nos documentos recolhidos da Administração Pública, diziam respeito aos negócios findos, e o acesso às informações governamentais relativas aos negócios vigentes só foi alcançada com a criação do DASP e da regulamentação da competência de atender ao público em seus pedidos de informação.

Historicamente podemos apontar que a estruturação do direito de acesso à informação governamental é iniciada em um governo ditatorial civil (1937-1945), cuja uma

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Nos sites de legislação compilada da Presidência da República e da Câmara dos Deputados Federais não há link para o Decreto Federal n. 4.915, de 12 de dezembro de 2003, que trata do Sistema de Gestão de Documentos de Arquivo – SIGA, nem para o artigo 18 do Decreto Federal n. 4.073, de 3 de janeiro de 2002, que regulamenta a Lei federal n. 8.159/1991 e dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados.

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Na cópia da lei disponibilizada no site da Presidência da República, há no artigo 25 da LAI um link para o Decreto 7.845/2012, orientando a consulta da legislação.

das marcas foi a profissionalização do serviço público e a adoção do modelo racional burocrático weberiano. Depois do Estado Novo, a importância deste direito decaiu até chegar à sua desconstrução completa no período da ditadura militar (1964-1985), em que a informação passou a ser um privilégio do governo.

A reconstrução do direito de acesso à informação começou com a redemocratização do país, com a Constituição de 1988 e a Lei federal 8.159/1991 e avançou com as leis de Responsabilidade Fiscal e com a Lei de Acesso à Informação, abrangendo o direito de ser informado, de se informar e de usar estas informações para exercer o controle social sobre o governo. Vemos, portanto, que o requisito legal para o acesso à informação governamental já se cumpriu há décadas no Brasil, mas este não é o único requisito.

Segundo Binenbojm (2009, p. 6.), para atender ao princípio da publicidade é necessário aprimorar o seu grau de concretização por meio de medidas que garantam que os atos e informações do governo cheguem à população. A regulamentação das categorias de sigilo, prazos de restrição de acesso, autoridades competentes para a classificação, categorias de informação passíveis de restrição de acesso, e procedimentos para solicitação de informações ostensivas e sigilosas dá transparência às ações do governo e evita, como vimos nos períodos do Brasil Império e República, que o acesso à informação governamental seja dado ou negado segundo a subjetividade de um dirigente ou agente público. Aí reside a importância da LAI. No entanto, como vimos também, a normatização do acesso não é o único requisito para garantia do mesmo. São necessárias medidas de tratamento da informação, indispensáveis para que a informação governamental requisitada seja localizada e apresentada de forma clara, precisa e completa, atendendo os prazos dados na legislação. A regulamentação destas medidas também já está presente na LAI (2011), na Lei de Arquivos (1991) e em outras normas jurídicas do governo federal, mas ainda não propiciaram uma mudança de conduta dos servidores públicos, como vimos no capítulo anterior, imprescindível para o alcance do objetivo de proporcionar o acesso às informações do governo.

Para Lavalle Cobo (2000), na América Latina, não é uma Administração Pública transparente e eficiente que busca regular as condições de acesso às informações de governo. Ao contrário, há uma expectativa da sociedade que o acesso público às informações governamentais transforme a Administração Pública em um serviço eficiente, racional, transparente e com menores níveis de corrupção. Tal expectativa possui dois aspectos frágeis. O primeiro diz respeito à mudança cultural da sociedade, uma vez que somente a existência de uma lei não é capaz de fazê-lo. Temos que lembrar que o funcionário público, o dirigente e

as pessoas que compõem o governo fazem parte da sociedade e compartilham os mesmos valores, e abonam e condenam as mesmas condutas. “O Estado que cada país constroí reflete condutas que pertencem à sociedade a que administra, enquanto existe uma íntima conexão entre ambos e seus dirigentes pertencem a ela.” (LAVALLE COBO, 2000, p. 37. Tradução nossa89).

O segundo aspecto se refere à divulgação da lei ao cidadão, assim como da formação técnica e ética dos funcionários públicos, todos responsáveis por sua aplicação, se entendermos que todos produzem, tramitam e armazenam informações e documentos no desenvolvimento de suas atividades. Lavalle Cobo (2000, p. 38), aponta que, em alguns países, há uma crença em que a responsabilidade por uma melhor gestão pública está nas mãos dos cidadãos que deveriam ou executá-la ou exigi-la, e não na própria Administração Pública como consequência de uma decisão institucional e própria de se converter em servidores públicos melhores.

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“El Estado que cada país construye refleja conductas que pertenecen a la sociedade a la que administra, en cuanto existe una íntima conexión entre ambos y sus dirigentes pertenecen a ella.” (LAVALLE COBO, 2000, p. 37)

5 O DIREITO POSITIVADO QUE NÃO SE CUMPRE: UMA QUESTÃO DE