• Nenhum resultado encontrado

3.1 CLASSIFICAÇÃO E AVALIAÇÃO: IMPLICAÇÕES SOBRE O ACESSO

3.1.1 Classificação

Lopes (2000, p. 247) identifica a classificação, a avaliação e a descrição como as principais atividades da disciplina arquivística. A manutenção dos documentos nos arquivos correntes e intermediários dos órgãos públicos visa atender às necessidades de informação e proporcionar evidências de como as atividades de governo foram executadas. Para atender a estas demandas, os documentos e as informações devem estar acessíveis por meio da ordenação física e intelectual. A classificação é a “ordenação intelectual e física de acervos, baseada em uma proposta de hierarquização das informações referentes aos mesmos [...] a classificação consiste em uma tentativa de representação ideológica das informações contidas nos documentos” (LOPES, 2000, p. 251), ou seja, é uma construção humana, com um propósito específico de ressaltar determinados aspectos da informação contida nos documentos, de forma a serem recuperadas e utilizadas posteriormente.

A classificação é a base para a execução de todas as atividades de gestão da informação. A partir da classificação dos documentos no momento de sua produção somos capazes, não só de recuperar a informação do tipo arquivístico de forma eficiente, mas também de avalia-la, atribuindo prazos de guarda nas fases corrente e intermediária e destinando à guarda permanente ou à eliminação, de definir prioridades para procedimentos de preservação e conservação, assim como conferir acessibilidade e graus de sigilo.

Segundo Schellenberg (2002, p. 84), há três aspectos a serem considerados na classificação dos documentos públicos: 1) a ação que os documentos registram; 2) a estrutura organizacional da instituição produtora dos documentos; e 3) o assunto dos documentos. O primeiro elemento se refere ao motivo pelo qual os documentos foram produzidos: são registros da execução de uma ação. As ações podem ser tratadas em termos de funções, atividades e transações/processos. A função diz respeito a “todas as responsabilidades atribuídas a um órgão a fim de atingir os amplos objetivos para os quais foi criado” (SCHELLENBERG, 2002, p. 84), e é definida na legislação que cria o órgão e regulamenta suas atribuições. As funções são compostas por atividades, e as atividades por transações/processos por meio dos quais as funções são efetivamente executadas. As

atividades podem ser divididas em dois tipos: as mantenedoras, ou atividades meio, e as substantivas, ou atividades fim ou finalísticas. As atividades meio são aquelas relacionadas a gestão interna e são comuns a todos os órgãos, ex: administração de pessoal, gestão financeira e de patrimônio, gestão da informação, das tecnologias de informação e comunicação e dos documentos, entre outras. As atividades finalísticas dizem respeito ao trabalho técnico do órgão , relativo às suas funções específicas. O segundo elemento da classificação é a estrutura organizacional57, que reflete os objetivos e funções da instituição e, por isso, é muitas vezes utilizada como espelho para a organização dos documentos de arquivo (SCHELLENBERG, 2002, p. 86). O terceiro elemento é o assunto dos documentos: Schellenberg (2002, p. 92-93) especifica certos tipos de documentos que não são derivados diretamente das ações de governo, como documentos de referência e informações utilizados para subsidiar atividades altamente especializadas. Estes registros se prestariam a uma classificação por assunto.

Schellenberg, portanto, indica três métodos básicos de classificação para os documentos públicos: o funcional, o organizacional e o por assunto. A classificação funcional agrupa os documentos de arquivo segundo a função na qual foi originado, criando unidades de arquivamento para cada transação/processo, que podem ser agrupadas em unidades maiores de acordo com a atividade a que estão vinculadas e as atividades, mais uma vez, agrupadas de acordo com a função de que deriva. No método de classificação organizacional, a estrutura da instituição fornece a base para o agrupamento dos documentos. No entanto, este tipo de classificação só é aconselhável para governos cuja estrutura administrativa seja estável e cujas funções, transações/processos estejam bem definidos (SCHELLENBERG, 2002, p. 91).

Planos de classificação são construções humanas, não são naturais ou óbvios. Ao estruturarmos um plano de classificação, temos dois objetivos em mente: facilitar a avaliação e viabilizar a recuperação da informação e dos documentos arquivados. Para facilitar a avaliação, trabalhamos com a formação de dossiês, onde os itens documentais de uma mesma transação ou processo estão interligados, proporcionando significado ao conjunto. Para que haja uma recuperação eficiente da informação e dos documentos arquivísticos, temos de levar em conta não só a “imagem” da instituição e de seus processos que os profissionais de arquivo concebem, mas as diversas “imagens” que os usuários elaboraram sobre a instituição e, principalmente, a necessidade de informação deste usuário. O plano de classificação deve refletir as imagens e necessidades de informação para fazer sentido para o usuário, pois

57

Estrutura organizacional: representação gráfica e descritiva “que divide o trabalho da empresa em tarefas especializadas, designa essas tarefas a pessoas e departamentos, bem como coordena definindo laços formais entre pessoas e departamentos, pelo estabelecimento de linhas de autoridade e comunicação” (TARAPANOFF apud CUNHA; CAVALCANTI, 2008, p. 158).

somente a partir deste sentido ele será capaz de utilizar o sistema de classificação corretamente, e as informações e documentos serão classificados, recuperados e avaliados de forma satisfatória.

Um documento classificado de acordo com um sistema de classificação de documentos obscuro e profissionalizado, no entanto, pode deixar de ser encontrado pelo suposto usuário, já que sua identificação e localização é parcialmente ou inteiramente determinada pela sua classificação. Assim, um sistema de arquivo organizado de acordo com um sistema de classificação obscuro pode resultar em documentos que não são detectáveis pelos usuários do sistema. O resultado é o fracasso do sistema de arquivo. (BAK, 2012, p. 290. Tradução nossa58).

Há uma preferencia generalizada entre os arquivistas em relação à classificação funcional, baseada na sistematização das funções, atividades, transações/processos. Mas as classificações por assunto e por estrutura organizacional ainda são muito utilizadas. No Brasil, domina a organização dos arquivos administrativos pelo tipo documental, em ordem cronológica, o que implica na fragmentação dos dossiês. Foscarini observa que “uma série de sistemas de classificação que afirmam ser baseados nas funções, em um exame mais profundo resultam apenas em um espelho da estrutura interna da agência” (apud BAK, 2012, p. 291. Tradução nossa59). Isso ocorre pela estrutura organizacional refletir as funções da instituição, mas é importante ressaltar que o objetivo de organizar um órgão em setores e departamentos é a racionalização e viabilização da realização das atividades de forma mais eficiente. Isto pode implicar na especialização de setores e departamentos e na segmentação da execução de transações e processos. Ao utilizar a estrutura organizacional como base para um sistema de classificação há que se atentar para a manutenção da integridade dos dossiês e processos, mesmo quando produzidos por vários setores e departamentos. Há, também, sistemas de classificação híbridos que misturam a estrutura organizacional, a tipologia documental, assuntos e funções.

A preferencia em relação à classificação funcional se dá, acreditamos, pela necessidade de se integrar a classificação à avaliação. A organização dos dossiês por função/atividade/transação desde a sua produção, tramitação e arquivamento facilita os procedimentos de avaliação, que por si só já são complexos. Não há como avaliar o que não se conhece. O plano de classificação funcional adequadamente realizado auxilia nesta tomada de conhecimento.

58

“A record classified according to an arcane and professionalized records classification system, however, may cease to be discoverable by the would-be records user, since its discoverability is partly or entirely determined by its classification. Thus, a recordkeeping system that is organized according to an arcane classification system may result in records that are not discoverable by users of the system. The result is failure of the recordkeeping system.” (BAK, 2012, p. 290).

59

“a number of classification systems that claim to be function-based, at a deeper glance turn out to be just a mirror of the agency’s internal structure” (FOSCARINE apud BAK, 2012, p. 291).