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CAPÍTULO II: A Legislação Pombalina e o Ensino das Línguas Vivas

2. A Lei do Diretório dos Índios

2.6. A Lei Geral relativa ao Ensino Elementar no Brasil

Na análise desta última peça do recorte em estudo, notar-se-á como após cinquenta anos da exoneração do cargo de primeiro-ministro do reino português, a continuidade do ideário pombalino se fazia presente na realidade educacional brasileira no primeiro quartel do século XIX. Assim como a Lei de 6 de novembro de 1772, que marcou a segunda fase das reformas pombalinas, e foi fruto de conferências na Mesa Censória acerca das solicitações da Direção Geral dos Estudos e dos reclamos dos mestres de Primeiras Letras sobre a sistematização do ensino – exames para seleção de professores, salários, o ensino da língua portuguesa como disciplina, etc. –, a Lei de 15 de outubro de 1827 foi resultado de discussões na Assembléia Legislativa, em 1826, sobre o projeto do deputado e cônego Januário da Cunha Barbosa, professor público de Filosofia Racional e Moral, integrante da comissão técnica encarregada da elaboração da reforma educacional (CARDOSO, 2002, p. 195).

A Lei de 15 de outubro de 1827 tratou de diversas questões, tais como a expansão das escolas de Primeiras Letras, a remuneração dos mestres e mestras, as condições de aperfeiçoamento docente, o método a ser adotado, o currículo, a educação das meninas e a institucionalização do ensino da língua nacional: a língua portuguesa.

Já em seu artigo 1º, trata o legislador da expansão das escolas no então Império do Brasil, ao mandar que se criassem “Em todas as cidades, villas e logares mais populosos [...] as escolas de Primeiras Letras que fossem necessárias” e estabelecendo no artigo seguinte que os presidentes das províncias deveriam marcar o número e localidade das escolas, “podendo extinguir as que existirem em logares pouco populosos e remover os Professores dellas para as que se crearem, onde mais aproveitem dando conta à Assembléia Geral para final resolução (BRASIL, 1878, p. 71). Tal medida evidencia o caráter descentralizador do legislador, na medida em que outorga aos presidentes das províncias poderes plenipotenciários para resolver questões tais como os ordenados dos mestres e mestras, os quais giravam em torno de 200$000 e 500$000, dependendo da localidade e respectivo custo de vida – artigo 3º. Ainda no que se refere à remuneração, o legislador facultava aos presidentes das províncias a concessão aos professores de uma gratificação que não excedesse a um terço de seus ordenados, após estes terem cumprido com suas obrigações por doze anos ininterruptos. Seriam levados em conta os bons serviços prestados com “prudência, desvelo e grande numero e aproveitamento de discípulos” – artigo 10.

O processo seletivo dos professores era praticamente idêntico ao conduzido no período pombalino, ou seja, consistia em um exame público na presença do presidente da província, após o qual, em caso de aprovação, teria a sua “legal nomeação” solicitada ao governo – artigo 7º. Para os exames públicos, porém, só seriam aceitos “cidadãos brazileiros que estivessem no gozo de seus direitos civis e políticos, sem nota na sua regularidade de conducta” – artigo 8º (BRASIL, 1878, p. 72), assim, somente os cidadãos com idoneidade comprovada estariam aptos a prestarem os exames de admissão aos cargos de Mestres e Mestras de Primeiras Letras. Para as novas cadeiras que fossem criadas, os professores que já se encontravam em atividade só poderiam pleitear tais vagas após aprovação nos mesmos exames públicos aos quais os novos professores se submetessem, buscando-se evitar, em nosso entender, a formação de oligarquias dentro do sistema educacional em formação.

No que concerne às disciplinas a serem ministradas, estas diferiam entre os meninos e as meninas. Os meninos deveriam ser ensinados a ler, escrever, desenvolver as quatro operações de aritmética, a prática de quebrados, decimais e proporções; teriam também noções gerais de geometria, aprenderiam a gramática da língua nacional e os princípios da moral cristã e a doutrina da Igreja Católica. Os textos para leitura seriam, preferencialmente, os da Constituição do Império e História do Brasil – artigo 6º. Para as meninas, no entanto, excluir-se-ia a parte referente à geometria e, no lugar desta, as mestras deveriam lhes ensinar “as prendas que servem a economia doméstica” – artigo 12. Os alunos seriam separados por sexo, determinando o legislador que houvesse escolas para meninas nas cidades e vilas mais populosas, cabendo aos presidentes a escolha dos locais para a sua instalação – artigo 11.

O método adotado era o ”mútuo” ou de Lancaster, sendo que os professores que não tivessem conhecimento deste método de ensino deveriam aprendê-lo em um curto prazo, nas escolas das capitais, pagando, de seus próprios vencimentos, por tal aperfeiçoamento – artigo 5. Sobre os compêndios a serem utilizados para o ensino da língua portuguesa, o texto da referida lei nada menciona. Porém, acreditamos que a Arte

da Grammatica da Língua Portugueza, de Antônio José dos Reis Lobato possa ter sido

usada, uma vez que temos ciência – e a posse – da sua “nova edição” de 1824, impressa na “Typographia Rollandiana”, trazendo em seu prefácio o Alvará de 30 de setembro de 1770, quando esta foi oficialmente indicada pela primeira vez. Com relação ao uso de dicionários de língua portuguesa, havia já a terceira edição (1823) do Diccionario da

Língua Portugueza, de Antonio de Moraes Silva, lexicógrafo brasileiro e autor do

primeiro dicionário monolíngue da língua portuguesa, cuja primeira edição é de 1789. Nesta breve exposição das características da Lei de 15 de outubro de 1827, pudemos observar várias semelhanças entre os discursos e as práticas presentes na legislação pombalina e na lei brasileira, principalmente se nos detivermos à Lei de 28 de junho de 1759, a já discutida Lei Geral dos Estudos Menores e as suas Instruções aos professores. Notamos a forte presença do Estado no controle do futuro da educação e, ao mesmo tempo, o cuidado em se preservar a unidade civil através da religião cristã. A preocupação em formar cidadãos identificados com a sua nação é outra característica percebida ao se sugerir, no texto da dita lei, as leituras da “Constituição do Império e da História do Brazil”.

Em um Estado que se queria Nação, com limites geográficos ainda movediços e uma multidão de culturas e raças em constante miscigenação, o ensino e aprendizagem de uma língua nacional era um elemento indispensável para a formação da identidade nacional brasileira. Várias serão as obras voltadas a este objetivo, tais como as gramáticas e os dicionários.

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