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CAPÍTULO I: Antecedentes das Reformas Pombalinas da Instrução Pública

1. Entre crises, conflitos e neutralidade: Portugal antes do século XVIII

1.4. A limitação do poder da Igreja

Os problemas enfrentados por Portugal com relação ao poder econômico da Igreja Católica já se arrastavam desde há muito tempo, antes mesmo de Pombal assumir o Ministério, em 1750. Com seu erário exaurido em decorrência dos gastos para defender suas colônias dos invasores estrangeiros, principalmente holandeses e franceses, foi no reinado de Felipe IV, ainda durante a União Ibérica, que se deu a iniciativa de se cobrar impostos de um setor que sempre estava habituado a receber: a Igreja Católica. Segundo Amed e Negreiros (2000, p. 80),

Quando, em 1623, se organizou o socorro para a Índia, Felipe IV mandou impetrar um breve para as igrejas, mosteiros e comendas pagarem 200.000 cruzados de subsídio para recuperação de Ormuz; mas o clero reagiu, invocando os antigos privilégios do Reino. Baseado numa antiga ordenação do progenitor, o monarca determinou então fazer uma lei contra os bens de raiz dos conventos que, sendo recebidos sem a autorização da Coroa, deveriam reverter para esta.

Após aproximadamente dois anos de disputa entre o governo e a Igreja, estes finalmente se curvam às pressões do rei e aceitam contribuir com a causa real, embora sem pagar exatamente o exigido, como afirmam os autores:

Finalmente, o clero estabeleceu um acordo com a Coroa para o cumprimento dos dois breves:

1º, o subsídio de 200.000 cruzados, a repartir em quatro anos das rendas eclesiásticas do Reino; 2º, o dos mesados, com o rendimento dos primeiros meses de vacatura dos bispados e mais benefícios do padroado real, numa só contribuição de 190.000 cruzados (AMED e NEGREIROS, 2000, p. 80).

Antes disso, ainda no reinado de Felipe II, foi feito um levantamento da então situação econômica na colônia brasileira, no qual se evidenciaram os enormes gastos despendidos com a Companhia de Jesus. Do montante destinado à manutenção das capitanias, tais como construção de vilas, salários dos funcionários reais e demais encargos, cerca de 33% destinavam-se aos inacianos, conforme explicita Joaquim Veríssimo Serrão:

As capitanias de Pernambuco, Bahia e Itamaracá rendiam 30.000 cruzados, seguindo para o Reino 10.000 cruzados e ficando o resto no Brasil para os encargos do governo e da administração. Naquelas capitanias, o rol das despesas orçava em 22.835 cruzados, incluindo os 7.500 que se atribuíam aos padres da Companhia de Jesus. No relatório não indicam os rendimentos e encargos das outras capitanias, porque o governador ainda não obtivera todos os elementos da parte dos almoxarifes locais. Mas era de crer que em todas elas – Espírito Santo, Ilhéus, Rio de Janeiro e São Vicente – a despesa excedesse a receita pelas muitas dificuldades com que as capitanias lutavam pela sua conservação (apud AMED e NEGREIROS, 2000, p. 81).

O poder da Igreja Católica, como se observa, não se limitava a Portugal. A Companhia de Jesus já havia se instalado na América Portuguesa, desde 1549, com a vinda do Governador Geral, Tomé de Souza (1503-1579) e os primeiros inacianos, liderados por Manuel da Nóbrega (1517-1570). Ao longo desse período, conseguiu, além de catequizar os índios, adquirir grandes extensões de terra, casas, gado e até mesmo engenhos de açúcar, o que causou vários conflitos com os colonos. Segundo Carvalho (1978, p.41), os problemas econômicos causados pelos inacianos já se faziam sentir desde há muito tempo por conta dos bens imóveis acumulados “e as demais regalias e privilégios que, diante das leis civis, gozavam as ordens religiosas”. De acordo com o mesmo autor,

O assunto já fora ventilado nas Cortes de 1562 e agora, D. Luiz da Cunha, no Testamento Político insistia novamente no problema. Sebastião de Carvalho e Melo, como bom discípulo de D. Luiz da Cunha, que aproveitara a sua estada em Londres para estudar, com meticuloso interesse, os problemas e as consequências dos tratados comerciais luso-britânicos não devia ignorar este delicado aspecto da questão. Sua luta contra os jesuítas, se, anos mais tarde, se inspirará em alguns motivos e razões da ideologia dos iluministas de outros países, no início foi causada principalmente pelos conflitos entre os interesses do Estado e os da Companhia de Jesus.

Apesar das medidas que foram tomadas pelo Gabinete de D. José I no intuito de diminuir o poder da religião católica no reino, esta ainda mantivera um forte papel agregador da sociedade civil portuguesa. Os entraves entre o Estado que se queria Nação no contexto das Reformas Pombalinas e a religião não impediriam a presença desta última na sociedade lusitana. Sobre a questão da religião em Portugal, afirma Falcon (1982, p. 97) que

É de um ‘cristianismo ilustrado’ que se trata agora, no qual a fé em Deus é a condição para a virtude e a felicidade. O anticlericalismo, tão associado em geral às Luzes, é um fenômeno basicamente católico e mais político até do que propriamente religioso.

A tentativa da catequese em latim provou ser um problema para os jesuítas, passando então a pregação a ser proferida na própria língua dos indígenas, a fim de facilitar a conversão do “ímpio” à sua crença. Este fato chamou a atenção de Pombal. Os jesuítas tinham se tornado uma ameaça não só do ponto de vista econômico, mas também cultural. Para reparar tal situação, o Estado certamente tomaria as suas medidas através das Reformas Pombalinas da Instrução Pública, iniciadas com a Lei do Diretório dos Índios em 1757, determinando, dentre outras coisas, o banimento do uso da língua geral ou da costa e a utilização da língua portuguesa, não só nas escolas, mas em todas as instâncias da sociedade “brasileira” em formação.

O ponto alto das Reformas é a publicação dos novos Estatutos da Universidade de Coimbra, em 28 de agosto de 1772, os quais trazem as mudanças estruturais e intelectuais necessárias ao crescimento de Portugal e seus domínios. Todo esse processo reformista trará implicações que se estenderão até o Brasil já independente, perceptíveis no discurso da chamada Lei Geral de 15 de outubro de 1827, voltada ao Ensino Elementar no Brasil. Nesse período (1757-1827), as línguas vernáculas – e também as clássicas – terão acolhimento nos textos das peças legislativas, condição somente possível durante e após a gestão pombalina (1750-1777).

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