• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II: A Legislação Pombalina e o Ensino das Línguas Vivas

2. A Lei do Diretório dos Índios

2.4. O ensino da língua portuguesa

Entre as peças legislativas pombalinas, a Lei de 30 de setembro de 1770 é aquela que tratará da importância da língua portuguesa como uma língua de cultura, comparada às línguas das outras nações “polidas” da Europa. No texto da lei, um dos mais curtos dentre o conjunto das leis pombalinas – no seu preâmbulo encontram-se os seus dispositivos – o legislador determina que, ao chegarem os alunos para as aulas de gramática latina deveriam estes ter, pelo menos, seis meses de estudo de gramática portuguesa, sendo a obra do Padre Oratoriano Antônio José dos Reis Lobato aquela com a qual os mestres deveriam trabalhar. O objetivo, como já apontado na Lei Geral dos Estudos Menores, era facilitar a aprendizagem da gramática latina e ao mesmo tempo introduzir o conhecimento dos princípios da língua materna:

Sou servido ordenar que os Mestres da Língua Latina, quando receberem nas suas Classes os discípulos para lha ensinarem, os instruirão previamente por tempo de seis mezes, se tantos forem necessários para a instrucção dos Alumnos, na Grammatica Portugueza, composta por António José dos Reis Lobato, e por Mim approvada para o uso das ditas Classes, pelo methodo, clareza, e boa ordem, com que he feita (PORTUGAL, 1829, 497).

O estudo da gramática da língua portuguesa tinha, além da função a ela atribuída de facilitar a compreensão da gramática latina, aquela referente à formação do cidadão e servidor das coisas do Estado e da religião. Não podemos perder de vista, dessa forma, a preocupação do gabinete de D. José I, representado pelo seu valido, Sebastião José de Carvalho e Mello, com a preparação da mocidade para exercer os cargos públicos da máquina administrativa do governo. Em todas as outras nações ditas “polidas”, segundo lemos no texto da lei, havia a valorização de seus respectivos vernáculos, sendo que a “pureza” de cada um destes significava a grandeza de sua civilização. A “rudeza” ou

“rusticidade”, ao contrário, manifesta nos “barbarismos” cometidos pelos seus falantes, representariam a ignorância destas nações:

[...] sendo a correcção das Línguas Nacionaes hum dos objetos mais attendiveis para a cultura dos Povos civilizados, por dependência della a clareza, a energia, e a magestade, com que devem estabelecer as Leis, persuadir a verdade da Religião, e fazer úteis e agradáveis os escritos: Sendo pelo contrario a barbaridade das línguas a que manifesta a ignorância das Nações; e não havendo meio, que mais possa contribuir para polir e aperfeiçoar qualquer idioma, e desterrar delle esta rudeza, do que a applicação da Mocidade ao estudo da Gramática da sua própria língua, porque sabendo-a por princípios, e não por mero instinto, e habito, se costuma a fallar e escrever com pureza, evitando aqulles erros, que tanto desfigurão a nobreza dos pensamentos, e vem a adquirir-se com maior facilidade, e sem perda de tempo a perfeita inteligência de outras diferentes línguas (PORTUGAL, 1829, p. 497).

Notamos claramente, no discurso do legislador, a intertextualidade entre este e o que defendia Luiz Antonio Verney no tocante às regras gerais entre as línguas, sendo o aprendizado de outros idiomas facilitado quando da compreensão e domínio da gramática da língua materna. Segundo Verney:

Se a um rapaz que começa [a aprender a gramática latina], explicassem e mostrassem na sua própria língua, que á Verbo, Cazo, Adverbio, etc., que á formas particulares de falar, de que compõem, a Sintaxe da sua língua: Se sem tantas regras, mas com mui símplices explicaçoens, fizessem com que os principiantes refletissem, que, sem advertirem, executem as regras que se achem nos livros : e isto sem gênero algum de preceitos, mas polo ouvirem, e exercitarem: Seguro que abririam os olhos por uma vez, e intenderiam as coizas bem: e se facilitariam a percessão (percepção) das línguas todas (VERNEY, 1746, p. 9).

No tocante aos textos de apoio utilizados nas escolas de ler e escrever, estes

eram totalmente incompatíveis com a idade e com as necessidades dos alunos. Sobre a questão, assim se posicionou o legislador:

E por quanto Me constou que, nas escolas de ler, e escrever se praticava até agora a lição de processos litigiosos, e sentenças, que sómente servem de consumir o tempo, e de costumar a Mocidade ao orgulho, e enleios do Foro: Hei por bem abolir para sempre hum abuso tão prejudicial: E Mando, que em lugar dos ditos processos, e sentenças, se ensine aos meninos por impressos, ou manuscritos de fifferente natureza, especialmente pelo Catecismo pequeno do Bispo de Montpellier Carlos Joaquim Colbert, mandado traduzir pelo Arcebispo de Évora para instrucção de seus Diocesanos, para que por elle vão também aprendendo os Princípios da Religião, em que os Mestres os

devem instituir com especial cuidado, e preferência a outro qualquer estudo (PORTUGAL, 1829, p. 497-498).

Vale notarmos o caráter “interdisciplinar” do ensino da língua portuguesa, ou seja, ao mesmo tempo em que se preocupava com os textos de apoio que deveriam ser compatíveis com a realidade do alunado, não se abria mão de uma educação cristã e das regras de civilidade, através da qual os “Mestres os devem instituir com especial cuidado, e preferência a outro qualquer estudo”.

No que se refere à obra sugerida pelo legislador, Oliveira (2010a, p.85) nos informa que a mesma teve a sua primeira publicação em Portugal, em 1765, pela Oficina de Miguel Manescal da Costa, cujo título era Instruções gerais em forma de

catecismo, chegando a ter dezoito reedições até 1884 e tendo sido mandada traduzir

pelo próprio Sebastião José de Carvalho e Mello, então Conde de Oeiras. Andrade (1978, p. 12-14), por sua vez, nos lembra que a prática do uso de catecismos como cartilha para o ensino da língua portuguesa já era antiga, apontando a obra de D. Diogo Ortiz, o Cathecismo pequeno da doctrina e instruiçam que os christaãos ham de creer e

obrar, para conseguir a benaventurança eterna, e a Gramática da língua portuguesa com os mandamentos da santa madre igreja, de João de Barros como compêndios

utilizados desde o século XVI, cujo propósito era educar os meninos na fé cristã e ensiná-los a língua portuguesa. No tocante ao uso dessas obras no Brasil, ainda segundo o mesmo autor, estas teriam chegado ao nosso país, assim como na África e no Oriente, no processo civilizatório do período das conquistas. Porém, no século XVIII, foi mandado redigir o compêndio Breve instrucção para ensignar a Doutrina Christã, ler e

escrever aos Meninos e ao mesmo tempo os princípios da Língua Portugueza e sua orthografia, utilizada para as aulas da capitania de Pernambuco no período 1759-60.

Consideramos que o Alvará de 30 de setembro de 1770 é uma peça legislativa importante para a nossa pesquisa, uma vez que é a partir desta que se oficializa o ensino da língua portuguesa, ao se obrigar que os professores de gramática latina, durante seis meses, instruíssem os alunos na gramática da língua materna antes de iniciá-los na latina. No processo de institucionalização do ensino da língua portuguesa, iniciado com a Lei do Diretório de 1757, a determinação régia contida no Alvará que ora discutimos vem somar-se à Lei Geral dos Estudos Menores de 1759 – aqui também já discutida – e à Lei de 6 de novembro de 1772, a qual tratará, dentre outras coisas, de questões gramaticais, tais como da Sintaxe e da Ortografia, sendo este último tema bastante

discutido no século XVIII, principalmente por Luiz Antonio Verney, Rafael Bluteau e o lexicógrafo brasileiro, Antônio de Moraes Silva.

Documentos relacionados