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1.3 Histórico da eqüidade na arbitragem

1.3.5 A Lei Modelo da CnudCI

A CNUDCI foi criada por decisão da Assembléia Geral das Nações Unidas em 1966, em reconhecimento de que a falta de harmonia entre as legislações nacionais dificultava o fluxo do comércio internacional. Seu mandato prescreve a promoção da harmonização e unificação do direito do comércio internacional.

Em 1976, a CNUDCI aprovou suas regras de arbitragem, especificamente desenhadas para arbitragens ad hoc. Tais regras são bastante usadas no âmbito da arbitragem internacional e foram recomendadas pela Assembléia Geral das Nações Unidas.129

As regras de arbitragem da CNUDCI são amplamente utilizadas na arbitragem interna- cional, servindo de referência para outras instituições, como foi o caso do Tribunal Irã-Estados unidos, criado pelos Acordos de Argel.

Talvez parte dessa aceitação das regras da CNUDCI deva-se ao fato de terem sido elaboradas sob a égide de uma instituição multilateral com participação de países de todos os graus de desenvolvimento. O prestígio da Organização das Nações Unidas e uma distribuição geográfica mais ou menos eqüitativa dos membros da CNUDCI parecem outorgar ao trabalho desta Comissão uma percepção de “neutralidade” e/ou de “representatividade” de seus traba- lhos. tal fato parece ter sido especialmente importante quando da existência de dois blocos político-econômicos rivais na configuração mundial. As regras da CNUDCI puderam se colocar como um “terreno comum” entre interesses opostos.

As regras da CnudCI de 1976 previram, em seu art. 33, o uso de arbitragem por eqüi- dade, se as partes expressamente o consentirem.130

Posteriormente, em 21.06.1985, a CnudCI adotou uma “Lei-Modelo sobre Arbitra- gem Comercial Internacional”,131-132 que foi objeto da Resolução 40/1972 da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 11.12.1985. Naquela Resolução, a Assembléia Geral recomendou que os Estados considerassem “devidamente” a Lei-Modelo, em vista do objetivo da uniformidade da regulação da arbitragem e das necessidades específicas da arbitragem internacional.

Baseada em grande medida nas próprias regras de arbitragem da CnudCI,133 a Lei Modelo cobre todas as fases do procedimento arbitral, de sua constituição até a execução do laudo. de certa forma, pode-se dizer que ela representa um “consenso” quanto a certos pontos principais da arbitragem. naturalmente, trata-se de um modelo que pode ser adaptado a particu-

130 Article 33.

1. The arbitral tribunal shall apply the law designated by the parties as applicable to the substance of the dispu- te. Failing such designation by the parties, the arbitral tribunal shall apply the law determined by the conflict of laws rules which it considers applicable.

2. The arbitral tribunal shall decide as amiable compositeur or ex aequo et bono only if the parties have ex-

pressly authorized the arbitral tribunal to do so and if the law applicable to the arbitral procedure permits such arbitration.

3. In all cases, the arbitral tribunal shall decide in accordance with the terms of the contract and shall take into account the usages of the trade applicable to the transaction.

131 A Lei Modelo sofreu pequenas alterações em 2006. Entretanto, nenhuma delas modifica o conteúdo relativo à arbitragem por eqüidade.

132 Doravante, tal ato será referido como “Lei Modelo” nesta obra.

133 sanders, Pieter. The Work of Uncitral on Arbitration and Conciliation. The Hague (Den Haag), Kluwer Law International, p. 22, 2001.

laridades locais, embora grandes mudanças do texto original não sejam encorajadas.134 Por ou- tro lado, mesmo que os Estados não adotem a Lei Modelo em sua integralidade, as disposições desta continuam sendo uma referência para o legislador nacional, como foi o caso brasileiro e o inglês.

A adoção da Lei Modelo derivou essencialmente da consideração de que as leis do- mésticas de até então apresentavam estágios variados de evolução, em que muitas delas ainda colocavam a arbitragem em igualdade ao processo judicial. Mesmo as mais modernas tratavam essencialmente da arbitragem interna, o que acarretava certo aporte de particularidades internas no âmbito internacional, em prejuízo da previsibilidade.135

Após sua aprovação, a Lei Modelo foi rapidamente adotada por vários países, a co- meçar pelo Canadá, no ano de 1986. Em outubro de 2007, a Lei Modelo contava com a adoção direta de mais de 48 países.136 Entretanto, além desses 48 países, vários outros inspiraram-se na Lei Modelo.

Em seu art. 28 (3), a Lei Modelo prevê a possibilidade de decisão por eqüidade, nos termos previstos nas regras da CNUDCI:

Article 28. rules applicable to substance of dispute

(1) the arbitral tribunal shall decide the dispute in accordance with such ru- les of law as are chosen by the parties as applicable to the substance of the dispute. Any designation of the law or legal system of a given State shall be construed, unless otherwise expressed, as directly referring to the substantive law of that State and not to its conflict of laws rules.

(2) Failing any designation by the parties, the arbitral tribunal shall apply the law determined by the conflict of laws rules which it considers applicable. (3) the arbitral tribunal shall decide ex aequo et bono or as amiable composi-

teur only if the parties have expressly authorized it to do so.

(4) In all cases, the arbitral tribunal shall decide in accordance with the terms of the contract and shall take into account the usages of the trade applicable to the transaction.

134 Veja-se nota explicativa do Secretariado da CNUDCI disponível em: <http://www.uncitral.org/pdf/english/ texts/arbitration/ml-arb/MLARB_explanatory_note.pdf>. Acesso em: 15 ago. 2007.

135 Idem.

136 Alemanha, Austrália, Áustria, Azerbaijão, Bahrain, Bangladesh, Bielo-Rússia, Bulgária, Cambodja, Canadá, Chile, Chipre, Cingapura, Coréia do Sul, Croácia, Dinamarca, Egito, Espanha, Filipinas, Grécia, Guatemala, Hungria, Índia, Irã, Irlanda, Japão, Jordânia, Lituânia, Madagascar, Malta, México, Nicarágua, Nigéria, No- ruega, Nova Zelândia, Omã, Paraguai, Peru, Polônia, Quênia, Rússia, Sri Lanka, Tailândia, Tunísia, Turquia, Ucrânia, Zâmbia e Zimbábue. Alem disso, adotaram a Lei Modelo as regiões administrativas especiais de Hong-Kong e Macau (República Popular da China), a Escócia e Bermuda dentro do Reino Unido e os Estados da Califórnia, Connecticut, Illinois, Louisiana, Oregon e Texa, nos Estados Unidos da América (Disponível em: <www.uncitral.org>. Acesso em: 17 out. 2007.

Portanto, a Lei Modelo reconhece a arbitragem por eqüidade. No entanto, não a presu- me. Ela somente poderá ser utilizada quando houver expressa permissão das partes.

Além da maciça adesão à Lei Modelo, talvez seu efeito mais perceptível para o tema seja o de introduzir a arbitragem por eqüidade nos países de common law e os que adotavam o regime socialista.

A Lei Modelo foi adotada diretamente por Austrália, nova Zelândia, Cingapura e Índia e inspirou partes do Arbitration Act inglês de 1996, que, embora com outro texto, finalmente permitiu que decisões arbitrais sejam tomadas com base em eqüidade, desde que as partes assim concordem.

também os países do antigo bloco socialista passaram a permitir a arbitragem por eqüidade, como a Polônia, a república tcheca, a ucrânia e a Hungria. restam, porém, as apa- rentes exceções da Rússia e da Bulgária, ainda que tenha havido adoção de quase todo o resto da Lei Modelo.

O processo de adoção da Lei Modelo, embora avançado, continua em curso. Em anos muito recentes, países como a Áustria e a Dinamarca a adotaram. Assim, a obra da CNUDCI vem forjando um novo panorama da arbitragem comercial no mundo. Ao fazê-lo, criou uma espécie de sistema comum que, com poucas adaptações, pode ser encontrado por quase todo o globo. Há, assim, uma “língua comum” da arbitragem internacional e a arbitragem por eqüida- de faz parte dela.

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