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1.3 Histórico da eqüidade na arbitragem

1.3.6 o caso brasileiro

No Brasil, o primeiro diploma legal a mencionar a possibilidade de decisão por eqüi- dade foi a Lei 1.350, de 14.09.1866.137 Essa lei, que terminou com a arbitragem compulsória, previu, em seu art. 1.º, § 2.º, que “podem as partes autorizar seus árbitros para julgarem por eqüidade independentemente das regras e formas do direito”.

No Decreto 3.900, de 1867, continha idêntica disposição:

Art. 10. Além dos requisitos essenciais do art. 8.º podem as partes acrescentar no compromisso as seguintes declarações:

[…]

§ 4.º Autorização para os árbitros julgarem por eqüidade, independentemente das regras e formas do direito.

Aquele decreto, ao contrário da lacônica Lei 1.350, ainda possuía duas disposições que mencionavam a eqüidade:

Art. 46. Os árbitros julgarão de fato e de direito conforme a lei, e as cláusulas do compromisso; salvo se no compromisso (art. 10, § 4.º) as partes os auto- rizarem para julgar por eqüidade, independentemente das regras e formas do direito.

Art. 47. Quando os árbitros tiverem poderes para julgar por eqüidade, inde- pendentemente das regras formais do direito, poderão prescindir do processo estabelecido nos artigos antecedentes, e darão a sua decisão ouvindo verbal e sumariamente as partes e testemunhas; reduzindo a termo os depoimentos das testemunhas, e admitindo os memoriais que as partes oferecerem.

Assim, o Decreto 3.900 possui uma particularidade na história do direito brasileiro: pela única vez um texto legislativo cuidou do procedimento da arbitragem por eqüidade de modo distinto da arbitragem de direito.

Ambos os textos legais obtiveram um breve comentário de teixeira de Freitas sobre a natureza e o alcance da arbitragem por eqüidade, colocada em nota de rodapé na famosa Con- solidação das Leis Civis:

o julgamento arbitral por eqüidade, como autorisa o art. 1.º, § 2.º, do cit. regul. de 1867, é julgamento fundado na razão absoluta, que não se deve confundir com a recta razão – direita razão, que é a nossa boa razão da Lei de 18 de agosto de 1769, a essas duas normas de julgar, pertencentes ao direito do futuro, allude a definição romana – Jus est ars bonis et æqui –, antes o bom e depois finalmente o igual. diz Merlin repert. de Jurispr. Vb. Équité, que não há maior eqüidade que a da lei. Se fala da lei positiva, alcançou pouco; porque o Direito positivo é transitório, progressivo, até que afinal, pelo bem relativo, attinge o bem absoluto da eqüidade (destaques do original; grafia original mantida).138

Posteriormente, o Código Civil de 1916 manteve disposição semelhante sobre a possi- bilidade de julgamento por eqüidade:

Art. 1.040. O compromisso poderá também declarar: [...]

138 teixeirade Freitas, Augusto. Consolidação das Leis Civis. Edição fac-símile. Brasília: Senado Federal, 2003. p. 273.

IV – A autorização, dada aos árbitros para julgarem por eqüidade, fora das regras e formas do direito.

O Código de Processo Civil de 1939 mencionava a decisão por eqüidade apenas para excepcionar uma causa de nulidade da sentença arbitral:

Art. 1.045 . Será nula a decisão arbitral: [...]

IV – Quando infringente de direito expresso, salvo se, autorizado no compro- misso, o julgamento tenha sido por eqüidade.

Já o Código de Processo Civil de 1973 dispôs sobre a arbitragem por eqüidade em termos idênticos aos do Código Civil de 1916:

Art. 1.075. O compromisso poderá ainda conter: [...]

IV – a autorização para os árbitros julgarem por eqüidade, fora das regras e formas do direito.

A nova Lei de Arbitragem (Lei 9.307, de 23.09.1996) reformulou e modernizou o re- gime da arbitragem no Brasil. Em linha com a tradição jurídica nacional, admite expressamente a decisão por eqüidade, em seu art. 2.º. Neste particular, divide as arbitragens em arbitragem de direito e de eqüidade: Art. 2.º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das par- tes. § 1.º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2.º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. Caso tenha havido autorização das partes pela eqüidade, esse fato deve constar do compromisso:139 Art. 11. Poderá, ainda, o compromisso arbitral conter: […] II – a autorização para que o árbitro ou os árbitros julguem por eqüidade, se assim for convencionado pelas partes.

Também há obrigação de expressa menção ao fato de a sentença ser proferida por ar- bitragem, quando for o caso:

139 Embora se trate de matéria facultativa, a falta de menção a uma tal autorização provavelmente acarretará uma decisão conforme o direito, caso as partes não tenham deixado sua vontade clara de outra forma.

Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral: […]

II – os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por eqüi- dade.

o legislador brasileiro houve por bem dividir de forma marcada a arbitragem em duas espécies, o que não ocorre na maioria dos países do mundo (embora a arbitragem por eqüidade tenha, também na maioria desses países, valor idêntico).

Portanto, a possibilidade de decisão por eqüidade em arbitragem tem raízes profundas na tradição jurídica brasileira, desde as Ordenações Filipinas, passando por praticamente todos os períodos subseqüentes.140 Todavia, essa tradição não se converteu necessariamente em utili- zação prática, que de resto não existiu com a própria arbitragem.

Há poucas referências a decisões por eqüidade na literatura brasileira. Algumas envol- vem arbitragens entre o Governo de Império e herdeiros do Lord Cochrane e disputas de limites entre Estados da federação, que tinham um caráter iminentemente não comercial.141 A primeira referência encontrada a uma arbitragem por eqüidade de caráter mais comercial (embora envol- vesse concessão de serviço público) encontra-se na obra de Alípio Silveira.142

Pode-se afirmar, porém, que a arbitragem por eqüidade acompanha a história da arbi- tragem no Brasil, tendo existido durante praticamente durante toda a sua história.

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