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4. Estratégias extraescolares de leitura literária aplicadas em contexto escolarizado: o projeto Oficinas de Literatura do IFG/Goiânia

4.1 Projeto “Oficinas de Literatura” do IFG/Goiânia

4.1.3 Aproveitamento das práticas extraescolares de leitura em atividades lúdicas e reflexivo-críticas

4.1.3.1 A leitura coletiva e o olhar individualizado na mediação da peça Romeu

e Julieta, de W. Shakespeare

Quando escolhermos ler Shakespeare na Oficina de Literatura almejávamos, a princípio, aproximar o público alvo de obras que, por sua excelência, sobrevivem à passagem do tempo. Além dessa intenção pedagógica, interessava- nos proporcionar uma reflexão sobre a transformação e/ou a manutenção de determinados valores na humanidade ao longo do tempo. Refletir sobre os temas/sentimentos/ideias presentes na obra escolhida foi nosso objetivo primeiro e a atemporalidade da obra literária funcionou como background da leitura.

Dentre as diversas obras de Shakespeare, escolhemos a conhecida tragédia Romeu e Julieta, uma história que, por diluição dos mass media, é de conhecimento de boa parte da população ocidental, seja por meio do cinema, das novelas, dos quadrinhos etc., o que facilitou sua acessibilidade para o público da Oficina, formado por alunos de Ensino Médio, nas modalidades Regular e PROEJA. A etapa seguinte foi selecionar a edição, e para isso foi determinante encontrar uma tradução referendada pela crítica, o que nos levou ao trabalho do tradutor Carlos Alberto Nunes, na edição da Editora Agir. A linguagem de tal edição era mais complexa do que a de outras encontradas no mercado editorial brasileiro, o que motivou uma discussão interessante sobre a tradução de obras clássicas entre os mediadores do projeto, afinal, selecionar uma obra que preserva o estilo literário do autor é importante para se pensar suas escolhas estilísticas, mas, se essas escolhas tornam o texto mais difícil de ler, não seria mais adequado selecionar uma adaptação ou uma tradução mais “palatável” para alunos de nível médio?

Esse questionamento é recorrente em procedimentos escolares, visto que sempre se deseja “facilitar” a compreensão dos chamados conteúdos complexos. É verdade que isso tem seu valor, mas quando estamos diante de uma obra de arte, isso é possível? Ao escolhermos o “mais fácil” como adequado para um grupo

social, ou uma determinada faixa etária, estamos utilizando qual parâmetro? Em um trabalho de mediação extraescolar, o critério central da escolha de uma determinada obra é a sua qualidade. Não subestimar o público alvo é uma contribuição primorosa de trabalhos bem sucedidos entre populações carentes, por exemplo. É preciso pensar em facilitar a mediação, mas não a escolha de leitura. Afinal, o que torna um adolescente de classe média alta mais preparado do que outro de classe baixa para lidar com textos complexos? Exatamente a frequência com que esses textos circulam no meio em que vivem. Se a escola “escolhe” o mais fácil para um grupo social, está também limitando sua capacidade criativa e criadora.

Como essa perspectiva, a escolha de leitura da obra citada nos pareceu um interessante desafio, tanto para os leitores quanto para os mediadores, que deveriam estar atentos aos momentos de dificuldade na leitura dos alunos, para introduzir elementos esclarecedores, relativos ao vocabulário ou a dados da história da humanidade, por exemplo. Como parte de uma atividade escolar, a leitura da obra literária precisaria desempenhar uma função “educativa”, ou seja, de ampliação do repertório de leitura e dos conhecimentos de mundo do aluno.

A leitura coletiva, efetivada durante os encontros da Oficina, foi a principal estratégia de abordagem da peça Romeu e Julieta. Inicialmente, a leitura foi conduzida pelas mediadoras, que motivavam os alunos a escolherem os personagens com os quais se identificavam, a fim de fazermos uma leitura dramatizada do texto. De forma rotativa, várias vozes assumiram o papel dos protagonistas da peça, materializando na leitura em voz alta as intenções, os sentimentos e as reações de cada personagem. Assumindo um “lugar” de observação do enredo, os alunos construíram pontos de vistas sobre as ações dos personagens shakespearianos, refletindo sobre as escolhas que o autor fez para construir a história trágica dos jovens amantes.

Paralelamente à leitura coletiva, duas estratégias de diálogo com outras artes foram sendo desenvolvidas: a exibição de imagens criadas sobre a tragédia lida, em diversas linguagens – quadrinhos, mangás, pinturas, fotografias etc. -, e a criação de “faces” para as personagens, em atividades com máscaras de gesso, criadas por uma mediadora e professora de artes plásticas. O objetivo era, por um lado, alimentar o imaginário dos alunos com diversas representações artísticas de personagens e cenas da peça lida e, por outro lado, mobilizar a representação

individual dos sentimentos e ideias suscitadas pela leitura, através da criação de máscaras das personagens com as quais os leitores mais se identificaram.

A última etapa do módulo de leitura sobre Romeu e Julieta foi a exibição do filme homônimo, dirigido por Franco Zefirelli. Como mais uma adaptação da obra, o filme permitia, além da apreciação estética, observar a representação dos espaços criados por Shakespeare e recriados por Zefirelli, bem como a materialização dos personagens literários em personagens cinematográficos. Foi inevitável nesse momento, a comparação (e posterior aceitação ou rejeição) entre a imagem construída pelos leitores e a representação pelo cinema. Essa comparação acabou- se mostrando muito produtiva, uma vez que promoveu interessantes reflexões dos leitores sobre as diferenças entre as duas artes e sobre o processo criativo transposição da linguagem literária para a fílmica.

A leitura da peça criou entre os alunos uma abertura muito produtiva para se pensar as temáticas do amor e da morte. O ideal do amor que se eterniza pela morte, disseminado pelos românticos no século XIX, se tornou alvo de animadas discussões e nos encaminhou para algumas atividades de caráter reflexivo, mobilizadas principalmente pelo debate entre partes que pensavam esse tema de forma distinta. Não houve, ao final desses debates, nenhuma intenção de reduzir as discussões a uma síntese comum, isso por entendermos que o caráter da leitura de uma obra literária é, por excelência, dialético, permitindo a multiplicidade de verdades que se somam, de forma caleidoscópica, mais ainda se a leitura se faz coletivamente, conforme a dinâmica adotada nas Oficinas.

4.1.3.2 Seguindo o retirante Severino: um caso de aproximação entre o leitor e