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A LGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS PRECONCEITOS LINGÜÍSTICOS E O

PRECONCEITO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS

O modo como o preconceito lingüístico e o preconceito social são entendidos nessas posições estabelece relação próxima com as definições e as causas do preconceito observadas nas outras áreas do conhecimento, na primeira parte desse trabalho.

Fiorin (2000) dá uma definição para o preconceito como a rejeição do que é diferente, e demonstrando isso na linguagem, trata do preconceito lingüístico como a rejeição das variantes e mudanças lingüísticas que representam o diferente em relação à língua portuguesa considerada como padrão, que é a norma culta. Na primeira parte desse trabalho, observamos que uma das crenças que sustentava o preconceito racial ou racismo era a idéia de que a miscigenação levava à degeneração da raça, e, desse modo, a pureza das raças era o ideal, discriminando-se os mestiços. Essas idéias sustentavam teorias biológicas deturpadas, utilizadas em função de interesses econômicos e imperialistas. No caso do preconceito lingüístico, as teorias biológicas deturpadas, sem fundamentos na ciência, parecem ser substituídas por concepções de língua que não têm fundamentos na Lingüística, e que partem do senso comum para discriminar o diferente na linguagem, que no caso são as variedades lingüísticas, cujo funcionamento é considerado como erro se comparado com a gramática normativa.

Outra relação que pode ser feita com o estudo sobre o preconceito nas Ciências Sociais, é sobre a noção de preconceito lingüístico de Bagno (2003). Para ele trata-se de mais um preconceito social, mais precisamente o preconceito de classe que se estabelece em função do poder social e econômico do qual a variedade lingüística é uma evidência apenas. É através das diferenças sociais que se discriminam os modos de falar que identificam um grupo social.

Rajagopallan (2000), ao tratar do politicamente correto, mostra o preconceito social na linguagem, como os preconceitos podem ser combatidos na linguagem através do controle que o usuário da língua tem sobre ela, e não propriamente do preconceito lingüístico como os dois autores anteriores. Ele o faz a partir da sua perspectiva, a pragmática, na qual os usuários têm controle do que dizem e dos sentidos produzidos. Ele trata do modo como o preconceito social aparece na linguagem.

Alguns dos autores das Ciências Sociais e na Psicologia Social definem preconceito como um conceito dualizado entre uma parte não observável e uma parte observável que seria a discriminação. Observamos que as definições de preconceito lingüístico se assemelham à essa tendência inicial.

Buscaremos saber, então, como a palavra preconceito é definida nos dicionários de língua portuguesa a partir da Semântica do Acontecimento, mas a partir de uma outra forma de compreender o preconceito que se distancia das posições até agora apresentadas. Vimos no início deste capítulo como os Ciganos sofreram preconceito por falarem uma língua considerada dos ladrões, preconceito que ainda vemos nos dias de hoje mesmo falando outras línguas. Ou seja, não é propriamente o modo como falam, mas uma memória de sentidos preconceituosos em relação à que é mobilizada quando se fala dos ciganos. Trataremos então, nos próximos capítulos, do preconceito enquanto efeitos de sentidos e não de forma dual.

CAPÍTULO III

O PRECONCEITO COMO EFEITOS DE SENTIDOS NA LINGUAGEM

Na perspectiva adotada neste trabalho, entendemos que os sentidos, no caso os efeitos de sentidos preconceituosos, são constituídos histórica e socialmente na enunciação, no funcionamento da linguagem, e, portanto, determinam o sujeito falante que não tem controle desses sentidos. Desse modo, vamos tratar do preconceito na linguagem enquanto constituído por e nela, como parte de seu funcionamento.

Para sustentar essa posição, trazemos o modo como Orlandi (2001), na perspectiva discursiva, trata do preconceito e do preconceito lingüístico, posição na qual se considera a materialidade histórica da constituição dos sentidos na língua, estabelecendo-se assim, relação com a Semântica do Acontecimento.

Orlandi vai tratar do que considera preconceito e preconceito lingüístico ao discutir como, na medida em que se constrói um saber metalingüístico sobre a língua portuguesa no Brasil, também se constrói a unidade da língua nacional. Isso porque, segundo ela, a produção do saber gramatical e do saber sobre a língua portuguesa se dá sobre a relação unidade/diferença. Esses saberes vão se constituindo de formas diferentes, mas trabalhando com a unidade da língua (imaginária), em oposição a sua diversidade que é o seu real. E é nessa oposição que se dá o preconceito lingüístico.

Para nós, então, tal como diz Orlandi, o preconceito é

“Uma discursividade que circula sem sustentação em condições reais e fortemente mantida por um poder dizer que apaga (silencia) sentidos e razões da própria maneira de significar. Os sentidos não podem sempre ser os mesmos, por definição. Os mesmos fatos, coisas e seres têm sentidos diferentes de acordo com as suas condições de existência e de produção. No entanto, há um imaginário social que, na história, vai constituindo direções para esses sentidos, hierarquizando-os, valorizando uns em detrimento de outros, homogeneizando-os de acordo com as relações de sentidos e logo, as relações sociais.” (Orlandi, 2001:197).

Considerando que há diferentes sentidos, e que tais sentidos são historicamente constituídos, eles vão sendo hierarquizados, valorizados de acordo com as relações sociais.

Os preconceitos, nesse ponto de vista, não se constituem individualmente mas pela maneira como os sentidos vão sendo constituídos historicamente e socialmente. O preconceito é, portanto, de natureza histórico-social de acordo com Orlandi, e é regido por relações de poder que são simbolizadas pela linguagem.

Segundo a autora, o silenciamento de sentidos nesse caso, próprio do funcionamento do preconceito, é da ordem da censura, ou seja, há sentidos que são proibidos de serem ditos. Para ela há dois tipos de silêncio: o silêncio fundador, próprio do funcionamento da linguagem, possibilita a produção de outros sentidos, é a possibilidade de significar; e a política do silêncio, que é dividida em silêncio constitutivo e silêncio local que seria a censura. No silêncio constitutivo, ao se produzir um sentido, necessariamente outros não são ditos.

Já a censura, o silêncio local, seria a proibição de se dizerem certos sentidos. Não é que um sujeito proibiu, mas que ao longo da história, sentidos foram sendo silenciados (proibidos) em certas situações para certos sujeitos. Por exemplo, na ordem do pedagógico, não se pode falar de coisas que não se quer que as pessoas aprendam, ou então, na ordem do lingüístico, não se pode falar “errado”.

Assim, para Orlandi, em relação ao preconceito lingüístico, não são as normas e regras que constituem em si mesmas preconceitos, mas é o modo como as diferenças em relação às normas são significadas por uma hierarquização dos seus sentidos historicamente constituída.

“A questão é que na diferença real existente entre os sujeitos de uma sociedade (não esqueçamos de que há uma unidade imaginária e uma diversidade concreta real), constituem-se hierarquizações, atribuições de valores criando-se preconceitos e processos de exclusão pela maneira como as diferenças são significadas em um imaginário social discricionário. Pela maneira também como são teorizadas. E aí é que a língua não é uma exceção, aquilo que é norma passa a ser um divisor que qualifica ou desqualifica os cidadãos, dando-lhes lugar ou excluindo-os da convivência social qualificada.” (Orlandi, 2001: 199). Assim, o deslocamento em relação às outras teorias sobre o preconceito se dá, nesse ponto de vista, pela constituição histórica e social dos sentidos na linguagem. Para

mim, então, o preconceito, seguindo Orlandi, vem pelas filiações a redes de sentidos formados nos sujeitos que não têm acesso ao modo como esses sentidos se formam neles mesmos.