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O NOVO A URÉLIO SÉCULO XXI: O DICIONÁRIO DA L ÍNGUA P ORTUGUESA

HISTÓRICOS

6.4 O NOVO A URÉLIO SÉCULO XXI: O DICIONÁRIO DA L ÍNGUA P ORTUGUESA

O dicionário em questão caracteriza-se como a terceira edição, publicada em 1999, do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, cuja primeira edição é de 1975 sendo a segunda de 1986, como vimos anteriormente.

Como o autor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira faleceu em 1989, esta terceira edição foi revista e ampliada pelas lexicógrafas Marina Baird Ferreira, viúva do autor, e por Margarida dos Anjos.

Apesar de nomear-se como um dicionário do século XXI na Nota Editorial temos a relação com a língua portuguesa do passado: “o português contemporâneo, mas que concilia palavras e significados do presente com aqueles utilizados na literatura do passado” uma junção de tempos diferentes da língua portuguesa (passado e presente) como forma de legitimar a língua portuguesa (presente) de que o dicionário se ocupa. Tomar por base a literatura é um procedimento utilizado pelos autores de gramáticas e dicionários para definir a língua portuguesa de que estes se ocupam (Leite, 1999) e, ao mesmo tempo, legitimar o dicionário, que juntamente com as gramáticas, são tidos como a “Língua Portuguesa”.

Nesse dicionário, busca-se também abranger tanto a língua escrita como a língua falada no Brasil e em outros países de Língua Portuguesa (Portugal e países da África). O fato deste dicionário ter como foco, como mostra a nota editorial, a língua falada e o português contemporâneo, de um lado, e a língua escrita e o português usado na literatura do passado, de outro, é uma forma de manter a tradição da língua portuguesa culta e também incluir a língua falada na atualidade, fator que o incluiria no século XXI.

Outra característica que o tornaria um dicionário do novo século, apesar dele ser publicado dois anos antes, é que além de ser impresso, ele também foi digitalizado e disponibilizado tanto em Cd-Room, como na Internet. Vejamos então se essa tendência de ser um dicionário do século XXI também se confirma nos verbetes, considerando as análises até agora desenvolvidas em comparação com a análise de sua definição da palavra preconceito.

A definição da palavra preconceito apresentada no Novo Aurélio Século XXI é a seguinte:

“Preconceito. [de pre- + conceito] S. m. 1. Conceito ou opinião formados

antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos; idéia preconcebida. 2. Julgamento ou opinião formada sem se levar em conta o fato que os conteste; prejuízo. 3. P. ext. Superstição, crendice; prejuízo. 4. P. ext. Suspeita, intolerância, ódio irracional ou aversão a outras raças, credos, religiões, etc.: O preconceito racial é indigno do ser humano.”

A definição para a palavra preconceito apresentada no Novo Aurélio Século XXI é semelhante a que é apresentada nas duas primeiras edições do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (NDLP), com exceção de um elemento da definição: a etimologia da palavra.

Na definição das edições anteriores do dicionário Aurélio, era apresentada a origem etimológica da palavra da seguinte forma: [ do latim praeconceptu ]. Assim, na cena enunciativa do NDLP o locutor lexicógrafo reescreve por substituição a palavra preconceito pela etimologia latina [ do latim praeconceptu ]. Nessa cena enunciativa, como vimos, rememora-se o passado latino da língua portuguesa que remete às características atribuídas ao Latim, como sendo língua culta, clássica, erudita, utilizada por intelectuais e na linguagem científica. Desse modo, nesse acontecimento, a Língua Portuguesa é significada por sua origem latina. O memorável recortado neste acontecimento valoriza a Língua Portuguesa falada no Brasil por sua relação, estabelecida no acontecimento, com seu passado latino.

Já no Novo Aurélio Século XXI, temos uma cena enunciativa na qual nos é apresentada a morfologia da palavra como [ De pre- + conceito ]. Assim, é dada a formação da palavra pelo prefixo pré- mais o radical conceito, e não pela origem latina.

Nessa cena enunciativa, que tem como interlocutores tanto os “mais simples” como o “mais culto” e “mais exigente usuário”, como é indicado na Nota Editorial, não temos a

reescritura latina da palavra preconceito, temos apenas sua morfologia na língua portuguesa. A palavra preconceito é formada por derivação prefixal, com o prefixo latino pré- aglutinado ao radical conceito. Na aglutinação, o prefixo perde o acento (forma homógrafa). O passado latino é rememorado apenas no prefixo, o que diminui a relevância desse passado em relação à Língua Portuguesa.

Considerando-se a cena enunciativa, uma diminuição na relevância do passado latino pode estar atribuída aos interlocutores da cena que estão numa gradação: dos mais simples aos mais cultos e exigentes. Assim, a ausência da referência direta à Língua Latina pode ser interpretada como uma forma de tornar a definição mais compreensível ao interlocutor considerado “mais simples”, sendo que o leitor mais culto, o mais exigente, poderia retomar o passado latino da língua pelo prefixo de origem latina.

Com a não utilização da origem latina, o sentido deixa de ser explicado pela relação com a palavra latina. A língua portuguesa passa a explicar a si própria.

A partir dessas considerações, entendemos que a designação de preconceito no Novo Aurélio Século XXI é a mesma do NDLP, havendo apenas uma diminuição da relevância do passado latino na língua portuguesa. Assim, o Domínio Semântico de Determinação (DSD) se mantém o mesmo da definição das duas edições anteriores do Aurélio:

DSD 3

Reflexão --- ponderação --- conhecimento

Conceito --- opinião --- julgamento --- idéia ┴

superstição---crendice---Prejuízo ┤ preconceito ├ preconceito racial ├ indignidade ┬

suspeita --- aversão --- intolerância --- ódio

Razão

O título “Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa” provocou uma expectativa de que a definição da palavra que analisamos seria diferente, traria outros

sentidos. Entretanto, como vimos, o sentido etimológico/morfológico permanece determinando as duas primeiras acepções, pela predicação formados antecipadamente, pela reescritura idéia pré-concebida. O sentido filiado ao memorável sociológico entra como uma extensão deste sentido.

Podemos concluir, então, que o Novo Aurélio Século XXI inova trazendo outros verbetes, e sendo reproduzido através de uma outra materialidade, a materialidade digital (via internet e Cd –Room), mas não no modo de definir a palavra preconceito.

Nas definições, como é o caso da definição do verbete preconceito, é mantida a mesma designação, apesar de, no século XX, ter havido muitas discussões sobre preconceito, sobre diversos tipos de preconceito.

No entanto, uma modificação importante é a diminuição da relevância do passado latino para explicar o sentido da palavra preconceito com a supressão da etimologia “do latim praeconceptu” que é substituído pela morfologia [de pre- + conceito]. A acepção deixa de ser determinada diretamente pela palavra em latim.